terça-feira, 19 de janeiro de 2010

AULAS DE DIREITO DA ECONOMIA - RELAÇÕES ECONÓMICAS INTERNACIONAIS

DIREITO DA ECONOMIA
RELAÇÕES ECONÓMICAS INTERNACIONAIS

Aula teórica de 9 Outubro 2006:

Práticas começam dia 23

Prof. Coordenador Luís Morais

Direito da Economia – princípios basilares da nossa economia relativamente ao papel do Estado face aos outros agentes económicos.
Evolução da postura do Estado, do seu relacionamento com os outros agentes económicos (Estado liberal, estado mais interventor, Estado regulador); esta evolução é estudada face aos textos das nossas constituições num momento inicial (constituições económicas); aprofunda-se a Constituição de 1976 nas suas diversas revisões – haverá nova constituição com as revisões? Novo modelo económico? Regras fundamentais económicas, numa perspectiva actual – estrutura de propriedade dos meios de produção e iniciativa económica, intervenção de mercado e condicionantes da intervenção, sectores (privado, público, cooperativo...), com particular relevo para o sector público; sector empresarial do Estado (empresas públicas e empresas participadas); alguns aspectos que resultam da evolução constitucional (nacionalizações e privatizações, regime das privatizações); concertação económica e social (novas formas de intervenção do Estado); contratos económicos entre entidades públicas e privadas (concessões, etc.); direito da concorrência (uma das partes mais nobres do programa de Direito da Economia) (perspectiva geral - irracionalidade entre o Direito da concorrência e a concorrência -; noções básicas - práticas permitidas (posição dominante...) e concentrações; regime dos auxílios do Estado); regulação (outra forma de intervenção do Estado); direito do consumo e dos consumidores.


RELAÇÕES ECONÓMICAS INTERNACIONAIS

Princípios fundamentais da nossa constituição económica, em particular quanto à inserção de Portugal e da União Europeia; OMC; GATT; regras de comércio internacional; teoria e política das relações económicas internacionais (orientações proteccionistas e orientações de índole liberalizante); ordem económica internacional e agentes da economia internacional (capítulo eminentemente histórico, Pós-II Guerra Mundial, FMI, GATT, Banco Mundial); relações monetárias internacionais (taxas de câmbios, balanças de pagamentos, etc.); relações comerciais internacionais (designadamente GATT) (princípios fundamentais, cláusula da nação mais favorecida, etc. etc. práticas comerciais desleais - dumping e subvenção às exportações; negociações multilaterais sob a égide do GATT; estrutura normativa e institucional da OMC; processo de resolução de litígios - Uruguai Round; breve abordagem sobre outros acordos do GATT.


Aula teórica de 13 Outubro 2006:
Começaremos o estudo da cadeira por falar de Direito da Economia, deixando para o segundo semestre as relações económicas internacionais.

Esta parte de Direito da Economia tem dois grandes capítulos: aspectos gerais de direito económico e depois aspectos particulares (direito da concorrência, direito dos consumidores...). O enfoque particular será dado no Direito da Concorrência, ao que parece.

Hoje começaremos pela parte geral, que tem cinco capítulos:

Introdução
Cap. I – Noções introdutórias fundamentais;
Cap. II – Constituições económicas;
...e por aí (ver o programa).

Comecemos então por alguns aspectos introdutórios e noções iniciais.

Subdividimos os aspectos introdutórios em seis temas:
Origens do direito económico;
Objecto e funções do Direito Económico;
Introdução;
Juridificação;
O papel do Estado;
Internacionalização do Direito Económico;
Fontes;
Integração Europeia.

São oito, afinal.

Primeiramente, partamos para a definição de Direito da Economia.

O que é o Direito Económico? Para além das origens, falaremos de o que trata esta matéria.

O Direito Económico, como outras cadeiras da área económica, têm problemas na sua definição, opiniões divergentes sobre os conceitos em causa. É comum dar-se a definição do Prof. Sousa Franco – um ramo normativo do Direito que disciplina, segundo princípios específicos e autónomos, a organização e a actividade económica. Refere-se ainda o Prof. Menezes Cordeiro, que muitas vezes é esquecido pelos alunos, e que salientou o aspecto de ser este um ramo normativo. Por isso, quando falamos de princípios específicos e autónomos, estamos a falar de normas e princípios jurídicos. Queremos por isso enquadrar a actividade e a organização económicas. Ou seja, os factos que analisaremos têm subjacentes a organização económica.

A primeira parte da definição tem cariz eminentemente jurídico, ou seja, pretende-se salientar o carácter normativo. Ou seja, será que os factos, a organização, está sistematizada segundo critérios próprios e autónomos? Ou seja, a apreciação e conformação desta actividade económica obedece a princípios específicos e autónomos. Outro dos problemas da definição é a ligação com opções e questões políticas. O que se pretende da cadeira não é que trate as opções políticas, ou seja, fixar-nos-emos principalmente em aspectos jurídicos. No entanto, já que as fontes principais do Direito Económico temos entre outras uma Constituição, e no caso português uma Constituição com um grande conjunto de normas programáticas, que têm conotações por vezes demasiado políticas, que levam a muitas vezes tentar sistematizar o Direito Económico com base em opções meramente políticas. O que é importante frisar é que há normas e princípios jurídicos, elaborados cientificamente com base nas fontes, mas que há sempre uma actividade jurídica, não política.

A definição do Prof. Sousa Franco tem sido complementada especialmente por via do Prof. Eduardo Paz Ferreira, que tem frisado sempre que quando falamos do ramo normativo que disciplina a organização e a actividade económica, não queremos abranger tudo o que existe numa área tão vasta, e que faria englobar aqui os actos de comércio isolado, que são matéria de Direito Comercial. Esses outros factos têm outro tratamento, portanto. Aqui interessa-nos mais a relação do Estado com a actividade económica. Não seremos tão estritos a ponto de dividir entre Direito público e Direito privado, mas também não deixaremos de ver que o Estado tem um papel preponderante. Abordaremos as teorias mercantilistas, liberais, Estado Social, etc. O que queremos quase sempre é ver qual a posição do Estado perante a realidade económica.

Falemos agora das origens do Direito Económico. As origens do Direito Económico estão relacionadas desde logo com a definição de Direito Económico, designadamente com o papel do Estado nesses princípios específicos e autónomos que regulam a organização e actividade económica. Foi a partir da Constituição de Weimar, na Alemanha (1922), quando o Estado adopta uma posição de maior intervenção, quando começamos a ter um Estado Social que vai começar a intervir em áreas onde, até então, se considerava que não fazia sentido a sua intervenção, mas em que o Estado agora começa a produzir mais legislação. Tornou-se por isso necessário analisar, sistematizar e estudar de forma coerente este conjunto de normas, considerando-se que havia que retirar delas certos princípios e ainda enquadrá-las sistematicamente. Também em Portugal vamos ter, na vigência da Constituição de 1976, e um pouco tardiamente, o início do Direito Económico enquanto cadeira autónoma que estuda estas questões. Isto está ligado também a uma maior produção legislativa, a um maior intervencionismo por parte do Estado. Apesar de, na Constituição de 1933, termos um estado dirigista, ele não foi tão interventivo como o Estado que resultou da Constituição de 1976. Esta maior produção legislativa leva então a um aumento do interesse por esta cadeira, e à consideração de que há elementos suficientes que permitem autonomizar o estudo do Direito Económico. Antes, o Direito Económico já se estudava noutras cadeiras, por exemplo em Direito Constitucional.

Passemos agora ao segundo ponto, que se prende com o objecto e funções do Direito Económico.

No Direito económico, podemos falar de duas grandes áreas: uma área que se prende com a organização; outra área que se prende com a intervenção.

Relativamente às questões de organização, relacionam-se com o modelo económico a implementar (mais liberal, mais intervencionista, que permita diversos sectores, que permita um plano de privatizações...). Por outro lado temos a questão da intervenção, em que se pretende determinar se o Estado pode expropriar os particulares, de que modo é que o faz, se se admite e sob que critérios a existência de nacionalizações. As questões organizacionais estão no âmbito em regra da Constituição, e as questões de intervenção ficam no âmbito em geral do Direito administrativo.

Temos sempre como contraponto ao Estado os particulares. Por isso, veremos também a posição dos particulares, o que nos ajuda a perceber quais os limites da actuação do Estado. Por exemplo: admitem-se expropriações, mas têm que ser realizadas mediante indemnização, esta tem que ser justa e tem que haver um interesse público. Aqui estamos a falar então de limites que neste caso defendem a propriedade privada. Quando falamos de propriedade privada, falamos de propriedade privada mas também de acesso aos mercados, que são no fundo os dois pontos principais do liberalismo.

Passamos agora ao terceiro ponto, relativo à introdução.

Verificamos que a partir dos anos 70 do século XX vamos ter uma intervenção directa do Estado, o que nos dá novos quadros de actuação do Estado na economia. A partir daí começa a intervenção do Estado a ser cada vez menor, a surgirem novas formas de posicionamento do Estado em que o Estado não intervém directamente, mas pretende mesmo assim ter uma posição marcada a nível de mercado. Essa posição faz-se sentir através dos mecanismos de regulação, ou através da auto-regulação.

Esta evolução tem permitido que exista uma nova concepção do papel do Estado na economia, e que o monopólio do Estado que existia seja desmembrado através de processos de descentralização, desconcentração e supranacionalização. Ou seja, temos que ter em conta o papel de entidades estrangeiras na economia, cada vez mais crescente.

No quarto ponto, fala-se da juridificação de conceitos. Este ponto vem, no fundo, tentar dar um enquadramento jurídico a estas novas realidades: auto-regulação, intervenção de novas entidades independentes a que agora assumem papéis regulatórios, entidades supranacionais com papel regulatório, entidades privadas com códigos de conduta próprios e que se considera serem aptos a concentra a actividade em determinados domínios.

Passamos agora ao quinto ponto, relativo ao novo papel do Estado. Em suma, podemos dizer que temos o fim do Estado social – o Estado providência. O Estado tem também um novo papel em termos de modelo económico, o que influencia a vida de cada um de nós. Ora isso é teorizado, estudado por teóricos. Com o fim do Estado social e do Estado providência, emerge uma nova realidade de papel do Estado, nova realidade essa que está ligada a estes princípios de organização, que se prendem com o que actualmente se pensa sobretudo no âmbito do Direito da Concorrência, associado à liberdade de empresa e à... Jurídica...

Os princípios estruturantes do nosso modelo económico são bastante diferentes do modelo relativo ao intervencionismo. Apesar de nós falarmos de concorrência e de renovação, há outro fenómeno importante, que é o fenómeno de desregulação.

O sexto ponto que frisamos hoje prende-se com a internacionalização do Direito da Economia. Na internacionalização do Direito da Economia, verificamos que o que se passa ao nível do nosso modelo económico não está isolado. As teorias que nos servem de base não são criadas por nós, têm origens e ligações internacionais. Cada vez e com maior preponderância, fontes de Direito internacionais ou supranacionais condicionam a nossa actuação. O que se justifica num ambiente de mercado cada vez mais aberto. Temos por exemplo os acordos internacionais, que vão condicionar de forma efectiva a evolução dos princípios basilares da nossa economia. Pela nossa parte, mais que a nível supracomunitário tem grande influência o que vem da Comunidade Europeia.

Já vimos a definição de Direito económico, as origens do Direito económico (com o relevo do papel do Estado a ganhar relevo na Alemanha Ocidental), abordamos ainda a Constituição de 1976; a evolução do papel do Estado, da intervenção para um papel de não-intervenção, e o emergir do Direito da concorrência; juridificação dos conceitos (auto-regulação, etc.); novo papel do Estado; internacionalização do Direito Económico. Falta-nos ver as fontes e o ponto relativo à integração europeia.

Aula teórica de 16 Outubro 2006:

Na aula passada vimos designadamente alguns aspectos gerais do Direito da economia. Faltou-nos abordar dois.

Referimos que o Direito Económico é o ramo normativo do Direito que disciplina, segundo princípios específicos e autónomos, a organização da actividade económica. Focámos ainda outros pontos, como as origens (preocupações sociais, que aparecem na Constituição de Weimar em 1922, e em Portugal na Constituição de 1976, com alguns elementos provenientes da Constituição de 1933). Falámos ainda no objecto do Direito Económico – distinção entre Direito económico, a organização, e o Direito administrativo económico – a intervenção do Estado –. Referimos ainda a evolução do próprio Direito económico no ponto terceiro, evolução concretizada num menor intervencionismo do Estado e em novas formas de actuação do Estado na economia – o Estado aparece agora com funções de regulação – daí falar-se na juridificação de conceitos, noutro ponto. No papel do Estado demos prevalência ao papel do Direito da concorrência como contraponto ao anterior intervencionismo. E depois falámos, no ponto seis, na internacionalização do Direito Económico, onde referimos que toda esta evolução sofre influência internacional – situámos o início da própria cadeira com a Constituição de Weimar, portanto com influências europeias, que derivam na definição do novo papel do Estado, um Estado social, um estado interventor, que condicionou o modelo adoptado. Referimos ainda que isto que está presente na Constituição de 1976 tem origens no que se verifica ao nível europeu. Estas influências externas são cada vez mais evidentes quando falamos de economias cada vez mais abertas. A economia portuguesa está inserida num espaço relativo à União Europeia, e por isso dentro das fontes externas a que tem maior relevo é a do Direito comunitário europeu.

Passando agora para o ponto sétimo desta primeira fase introdutória, falaremos agora das fontes do Direito económico. Quando verificamos que uma dada realidade tem fontes, então verificamos que estamos perante realidades jurídicas. Estamos no Direito Económico perante um sistema, com princípios de ordem científica e normas, normas fruto da produção legislativa. Como fontes do Direito Económico, os elementos deste ramo do Direito assentam em várias fontes. Desde logo, temos a Constituição, de onde derivam os princípios gerais. Depois temos ainda os actos normativos – leis, decretos-lei, decretos legislativos. Mas podemos ainda falar de actos administrativos normativos – regulamentos, etc., – de actos internacionais (acordos, tratados), e fala-se agora e especialmente em Direito económico de novas fontes, que estão relacionadas em grande parte com decisões das autoridades administrativas independentes. Estas decisões das autoridades administrativas independentes resultam no fundo da evolução do Direito Económico, de que falámos no ponto três, quando referimos os processos de regulação. Nos Estados Unidos surge agora a realidade das autoridades administrativas independentes, que funcionam como autoridades independentes e superiores, para que não haja também confusão entre o Estado regulador e o Estado agente económico. Estas autoridades administrativas independentes têm assumido um papel de maior relevo na economia.

O último ponto da matéria introdutória respeita à própria integração económica. A integração económica ganhou relevo especial quando vamos verificar um confronto de princípios e normas – as fontes de Direito económico europeus como os tratados, as directivas e os regulamentos, que têm vindo a ganhar um peso inimaginável ao nível da nossa organização económica. Para percebermos o funcionamento da nossa economia não nos basta olhar para a nossa constituição, cada vez mais é preciso olhar mais adiante, sobretudo na realidade europeia. Aqui importa também ter em atenção a disparidade cada vez maior entre constituição formal e constituição material na definição da nossa constituição económica, o que se percebe facilmente se percebermos que de fontes internacionais podemos retirar princípios que se sobrepõem aos princípios que estão na nossa constituição formal.

Entremos pois agora no segundo ponto de matéria, o nosso capítulo II, relativo à Constituição económica.

Quanto à constituição económica, temos cinco subpontos a ver:
1. Conceito;
2. Origem;
3. Relação entre a Constituição económica e a constituição política;
4. Âmbito;
5. Sentido.

CONCEITO DA CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA

O conceito da constituição económica anda associado ao conceito que vimos de Direito económico. Retomando a definição de Sousa Franco, dizia-nos ele que a constituição económica são os princípios fundamentais que determinam o ordenamento essencial da actividade económica. Repare-se a diferença face à definição de Direito económico: quando falamos de constituição estamos sempre a falar de princípios fundamentais. Quando falámos de Direito Económico falamos de princípios e normas específicos, mas não neste aspecto que diz respeito aos princípios fundamentais. O Sr. Prof. Paz Ferreira prefere dizer que são os princípios fundamentais que... O quadro da economia... (?). Ou seja, é pegar na definição que tínhamos, introduzir princípios fundamentais e pronto, temos a Constituição económica. Isto resulta lógico, se olharmos para a pirâmide das fontes é ela (a Constituição económica) que está no topo, pelo que ela dará os princípios basilares a partir dos quais tudo se deve desenvolver.

ORIGEM DA CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA

A origem está ligada também ela à origem do Direito económico. Tem também origem na Constituição de Weimar. O estado liberal passa a estado intervencionista, estado intervencionista que carece de um enquadramento legislativo. Esse enquadramento legislativo, a partir do momento em que se multiplica, carece de ser ordenado através de normas jurídicas, de princípios, que o enformem. É assim que surge a origem das constituições económicas.

Não é em todos os ordenamentos jurídicos que o Direito económico é uma área autónoma. Em França, por exemplo, estas matérias eram tratadas quer no âmbito de Direito Administrativo quer no âmbito de Direito Constitucional, sem serem propriamente autonomizadas.

RELAÇÃO ENTRE A CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA E A CONSTITUIÇÃO POLÍTICA

Tem havido aqui alguma tomada de posição por parte de autores sobre a própria autonomia da Constituição económica, e a sua posição face à constituição política, ou à constituição como um todo. Alguns autores entendem que a constituição económica está emancipada da Constituição política, isto é, pode-se autonomizar e tratar de forma coerente sem que esteja integrada na Constituição política, por considerarem que tem um conjunto de princípios e disposições próprios que têm a sua própria coerência, não precisando do seu enquadramento político (Sousa Franco, Paz Ferreira, Menezes Cordeiro) (mais ligados todos ao Direito da Economia). Outros autores entendem que não se deve falar desta emancipação por termos que falar da Constituição como um todo, fazendo então eles parte da Constituição política (Jorge Miranda, por exemplo), e temos ainda autores como Vital Moreira que consideram que as constituições devem ser enquadradas no mesmo plano apesar de terem objectos diferentes.

ÂMBITO DA CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA

No âmbito da constituição económica retomamos o conceito de constituição económica – os princípios fundamentais que determinam as relações entre o poder político e a economia. A questão que se coloca aqui prende-se com a distinção entre a Constituição material e a constituição formal, que é uma distinção fundamental sobretudo se tivermos em consideração o que se relaciona com as fontes e o ordenamento relativo à União Europeia. Quando falamos da constituição em sentido formal estamos a falar de um texto, texto esse que resultou de um determinado poder representativo de determinadas pessoas (em termos democráticos), materialmente determinável. Quando estamos a falar da constituição em sentido material, falamos do conceito dos princípios fundamentais que determinam as relações entre o Estado e a economia, independentemente da fonte onde esses princípios estão estabelecidos. Por outro lado, se a constituição material assume uma importância crescente face à constituição em sentido formal, esse predomínio das fontes pode-nos fazer pensar se há ou não constituição económica anterior à primeira constituição portuguesa, de 1822. Geralmente, no estudo de cada constituição económica, diz-se que para além das normas que estão consagradas no texto constitucional, há também outros diplomas infra-constitucionais que assumem tal relevo que acabam por fazer parte da Constituição económica material. Sobre esta última questão, os autores que consideram que os princípios fundamentais são a Constituição económica, dizem-nos eles que sim desde que haja um número suficiente de princípios que permitam determinar se antes do texto constitucional havia ou não um número suficiente de princípios estabelecidos.

SENTIDO DA CONSTITUIÇÃO ECONÓMICA

No sentido da constituição, os autores tentam determinar novamente e sempre o papel do Estado. Vão-nos dizer se uma dada constituição tem um sentido autoritário – impondo a direcção planificada; se admite uma economia livre – de mercado – no sentido liberal ou no sentido capitalista; ou se temos aqui um regime misto, e em que termos é que esse regime se impõe.

No sentido liberal, haverá mais ou menos Estado? E qual será o papel dos particulares? Podem eles aceder à economia? Podem actuar na economia livremente? Defende-se e respeita-se a propriedade dos particulares? Quais os limites? São estes princípios que vão determinar um certo sistema económico, e que nos vão determinar o sentido de uma constituição. São ainda no fundo os princípios fundamentais, agora concretizados, que nos permitem verificar o modo de funcionamento de uma dada constituição económica.


Aula teórica de 20 Outubro 2006:

Na última aula vimos cinco aspectos relativos à constituição económica: conceito, origem, relação entre a Constituição económica e a constituição política, âmbito e sentido.

O tema da aula de hoje são as constituições económicas portuguesas. O nosso estudo incidirá pois agora sobre as constituições económicas, para uma perspectiva histórica do nosso Direito da Economia, e das suas fontes.

Nas Constituições económicas portuguesas, falaremos primeiro das fases do constitucionalismo português; depois, das constituições liberais.

Quanto às fases do constitucionalismo económico português, usualmente a doutrina distingue quatro fases:
1ª Fase – Englobamos nesta fase as chamadas Constituições liberais, em que temos as três primeiras constituições monárquicas (1822, Carta de 1826, Setembrista de 1838) e a Constituição republicana de 1911. A filosofia liberal durará até à Constituição de 1933, em que se instaura outro regime.
2ª Fase – a Constituição de 1933, com um regime mais dirigista (?), etc.
3ª Fase – Constituição de 1976, na sua primeira fase;
4ª Fase – A partir da revisão de 1989 da Constituição da República de 1976.

A complexidade das duas fases está no fundo na determinação da fronteira, ou da existência de uma nova constituição económica com a revisão constitucional de 1989. A dificuldade não está só na existência, está no momento a partir do qual há constituição económica nova. Associada a esta nova constituição económica, vem sempre uma referência ao Direito comunitário – novamente uma questão relativa às fontes e à sua importância, neste caso as fontes internacionais e em especial o Direito comunitário, que enforma cada vez mais os princípios de actuação do Estado na economia e na determinação do que o Estado pode ou não fazer, e na orientação das diversas teorias económicas que o Estado vem ou não defender.

Ainda quanto às quatro fases que enunciámos acima, há uma pergunta que se coloca e que está relacionada com o âmbito da constituição económica. Nesse âmbito da Constituição referimos que há uma diferença entre Constituição em sentido formal e Constituição em sentido material – a constituição em sentido formal é a que resulta do texto constitucional aprovado, ao passo que a constituição em sentido material é o conjunto de princípios, estejam eles na Constituição ou noutros diplomas. Quando referenciamos aqui o Direito Comunitário, estamos já pois a fazer uma referência à Constituição em sentido material. Para além desta questão, há ainda outra: a de saber se antes da Constituição de 1822 podemos ou não falar de Constituição económica, caracterizada em termos de constituição material (porque não havia constituição em sentido formal), regime esse de cariz feudal, apoiado no mercantilismo e na escravatura, etc. etc. É esse o entendimento do Prof. Eduardo Paz Ferreira, fundamentado no âmbito da Constituição em sentido material.

Mas para falarmos de constituição em sentido material anterior a 1822, entende Sousa Franco que não se deve falar dela, ainda que uma constituição meramente material. Porquê? Essencialmente pela noção de Direito económico. Desta noção dissemos já que era um ramo normativo de Direito que disciplina, segundo princípios específico e autónomos que nos permitam caracterizar uma constituição económica. O Prof. Sousa Franco diz-nos é que antes de 1822 não temos um conjunto normativo de princípios específico e autónomos que nos permitam caracterizar uma constituição económica. Ora o Prof. Sousa Franco diz que, se a posição do Estado e a sua intervenção era antes incipiente, não se pode falar de Constituição económica em sentido material. Para debater esta ideia, importa ter a noção de constituição material e de direito económico.

II – CONSTITUIÇÕES LIBERAIS

Estamos agora na primeira fase do constitucionalismo económico português.

Desde logo, há que saber porque é que se caracterizam estas constituições económicas como liberais. Qual será o ideário que nos permite fazer essa classificação? Nestas quatro constituições, o pensamento de Adam Smith está presente no sentido de haver pouca intervenção por parte do Estado, e de haver liberdade económica – laisser faire, laisser passer, a tal mão invisível. As ideias de individualismo e de egoísmo está presente nas teorias económicas liberais, que defendem que a partir desse individualismo ou egoísmo se consegue uma maior eficiência. A teoria vai sempre no sentido de não haver intervenção do Estado.

Esta ideia da não-intervenção do Estado leva a que, por um lado, exista nestas constituições um desinteresse da matéria económica, que está na maior parte do caso afastada das constituições em sentido formal.

Temos depois os pontos considerados fundamentais quando falamos de liberalismo económico: a propriedade privada e a liberdade económica. Verificamos que tanto quanto à propriedade privada como à liberdade económica, nas diversas constituições deste período as matérias são tratadas de forma idêntica, isto é, com ligeiras diferenças que não chegam para alterar a classificação dada.

Assim, quanto à propriedade, podemos ver desde logo que a propriedade é um direito sagrado e inviolável (Art.º 6º da Const. De 1822). Um indivíduo é tão mais livre quanto tenha a sua propriedade. Também no Art.º 1º desta constituição de 1822 há referências ao direito de propriedade – a Constituição tem (...) defesa da manutenção do direito de propriedade.

Na Carta Constitucional de 1826, no seu Art.º 145º, temos também uma referência à propriedade. Na Constituição de 1838, o seu Art.º 23º diz-nos também que é garantido o direito de propriedade. Por fim na Constituição de 1911 temos também referências ao direito de propriedade no seu Art.º 3º – a Constituição garante, a portugueses e estrangeiros, a inviolabilidade dos direitos relativos à propriedade...

Quando estudamos a forma como a propriedade privada está consagrada nas diversas constituições, convém sempre que atendamos às restrições que possam ser impostas, ou aos requisitos ou limites. O que vemos nestas constituições liberais é que existe a expropriação, mas que esta tem que ser sempre um correspondente valor monetário.

Agora quanto ao aspecto de liberdade económica, este é outro dos pontos essenciais do ideário liberal, dado que se pretende com os agentes possam entrar ou sair do mercado, actuar, exercer as actividades que entendem, sem estarem previamente condicionados por quaisquer mecanismos que limitem qualquer um destes pontos.

A liberdade económica foi defendida nas diversas constituições. Logo no seu Art.º 2º, a Constituição de 1822 diz que a liberdade consiste em não se sentir obrigado a fazer o que a lei não manda, nem a deixar de fazer o que a lei não proíbe.

Na Carta Constitucional de 1826 já temos disposições específicas quanto à liberdade – liberdade de profissões (Art.º 145º, parágrafo 23). Na Constituição setembrista temos também referências à liberdade económica, no seu Art.º 23º parágrafo 3º.

Além destes aspectos do ideário liberal, caracterizam-se também estas constituições pelos aspectos relativos aos direitos sociais. Os direitos sociais são direitos que não estão, ou podem não estar, ligados ao Direito económico. O seu estudo não cabe muito bem nesta cadeira, é certo, mas temos verificado uma evolução a par com os direitos económicos.

Na Constituição de 1822, os direitos essenciais prendem-se com a actividade económica no âmbito do ensino e da saúde (vide Art.º 237º e Art.º 240).

O terceiro ponto importante para caracterizar as constituições liberais resulta também da análise que fizemos quanto ao âmbito da Constituição económica. Esta terceira referência diz aspecto às normas infra-constitucionais. Estas normas foram particularmente importantes na vigência da Carta de 1826 devido à acção de Mouzinho da Silveira. Esta regulação infra-constitucional foi importante porque permitiu abolir um conjunto de sistemas que vinham do antigo regime. Com Mouzinho da Silveira, tendem-se a propósito os modeários. Durante a Constituição de 1838 houve o período do fontismo.

Relativamente então às Constituições, designadamente as liberais, temos tudo dito. Todas elas se caracterizam por serem questões liberais, devido ao ideário que contêm – sobretudo no que diz respeito à liberdade económica e à propriedade privada.

Vamos iniciar na próxima aula o estudo da Constituição de 1933.


Aula teórica de 23 Outubro 2006:

As aulas de subturma passaram para a sala 12.2.

Quanto à nossa matéria, estamos a ver as constituições económicas, nomeadamente as constituições económicas portuguesas.

Na última aula falámos especificamente das constituições liberais, focando três aspectos:
1. Propriedade privada – defesa, restrições limitadas por lei...;
2. Liberdade económica; Pouca matéria económica nas constituições – típico do liberalismo;
3. Direitos sociais;

Focámos ainda a importância de algumas reformas infra-constitucionais.

Hoje vamos entrar noutra fase do constitucionalismo português, que diz respeito à Constituição de 1933. É a chamada fase corporativa, ou corporativista. Quando falámos desta nova fase, estamos a falar agora novamente de uma ruptura em termos económicos. Se a fase liberal é caracterizada pelo binómio propriedade privada e liberdade económica, a Constituição de 1933 vai criar aqui uma enorme ruptura. Falamos a este respeito, da Constituição de 1933, de sete aspectos:

1. Ruptura face às constituições liberais – o pensamento da época não acredita do funcionamento do mercado, da mão invisível, entende que o funcionamento normal do mercado não leva a uma maior eficiência e não leva a que os valores fundamentais de uma nação consigam ser alcançados através desse funcionamento. Quando falamos de funcionamento de mercado, falamos de propriedade privada e de liberdade económica. Assim, o grande elemento que caracteriza a Constituição de 1933 vem no seu capítulo VIII, mas em toda a Constituição temos aspectos reveladores deste pensamento. Diz desde logo o Art.º 6º que "incumbe ao Estado coordenar, dirigir, etc.". Essa actividade deixa de pertencer ao mercado. Enquanto os liberais confiavam esses efeitos ao mercado, o Estado corporativo reserva para si essa decisão.

2. Princípio da subsidiariedade – este princípio tem sido muito falado hoje em dia, desde logo com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, no que toca à promoção da repartição de competências entre os Estados e a União Europeia. No Tratado de Maastricht, esse princípio vem defender que a União Europeia só deve actuar quando os Estados não tenham capacidade para o fazer, e quando os Estados não possam realizar essas funções de forma mais eficiente que a União Europeia. O princípio da subsidiariedade põe à partida o ente maior a intervir menos, porque os entes menores devem actuar, e só quando não conseguirem é que o ente maior o fará. Este princípio vem vertido no Art.º 33º da Constituição de 1933 – o Estado só intervirá nas actividades quando houver de financiá-las ou quando visar obter um benefício social maior. Afonso Queiró e Barbosa de Melo, autores da época, defendem que está aqui em causa um princípio da subsidiariedade moderado. Este princípio deve também ser também conjugado com... Mas o que se vai verificar é que este princípio funcionará, na prática, de forma idêntica ao que o Tratado de Maastricht configura. É que será fácil defender que o ente superior estará em melhores condições para intervir do que os entes inferiores, em que para o ente superior o que estava em causa era, não restringindo a sua actuação mas dando-lhes antes uma competência acrescida para intervir Daí a sua caracterização como uma constituição dirigista, uma constituição que como é óbvio entra em ruptura com o pensamento liberal.

Durante a vigência da Constituição de 1933, não se assistia a uma economia centralizada, planificada. Existia iniciativa privada, liberdade económica. Mas há aqui uma filosofia diferente da defendida na vigência liberal. Na vigência liberal, a propriedade privada e a liberdade económica são valores a difundir. Na Constituição de 1933, a ideia é diferente. Se virmos o Art.º 8º, n.º 15, que condiciona o direito de propriedade e da sua transmissão de acordo com a lei civil. Se antes o direito de propriedade é sagrado e inviolável, agora as vicissitudes desse direito de propriedade são ditadas pela lei civil. Temos ainda a consagração da liberdade económica, que também nos aparece no Art.º 8º, nº 7. Restringe-se aqui novamente, ou seja, uma função social, um elemento valorativo afastado do ideário individualista liberal – o bem de todos, que prevalece sobre o bem individual de qualquer um.

A ideia de uma constituição dirigista está patente em toda a Constituição de 1933. Citemos apenas por alto os art.ºs 6º, 30º, 31º.

4. Característica corporativa – O grande chamariz desta constituição é de facto estarmos perante uma constituição corporativa. Esta estrutura corporativa repousava na ideia de uma articulação entre os trabalhadores e os patrões, no sentido da possibilidade da existência de uma auto-regulação que fizesse funcionar a economia. Nesta ideia da existência de uma ordem corporativa, está patente ainda a ideia de um certo domínio da nação sobre o indivíduo – dissolvem -se os interesses particulares para chegar ao interesse comum. Neste sentido, há uma hierarquia de interesses, em que uns são superiores a outros. Na prática, esta ordem corporativa não existiu de facto. O que existiu foi um Estado corporativista – com um Ministério das Corporações, por exemplo – e que tutelava e dirigia toda a economia. Ou seja, os autores que defendiam um princípio da subsidiariedade mitigado estão postos em causa, pela prática do Estado na vigência da Constituição de 1933, que nos mostra um estado profundamente antiliberal. Anti-liberal não por pôr em causa a propriedade privada e a liberdade económica, mas antes de eles terem sido colocados em causa pelos fundamentos valorativos e axiológicos que enformam os novos conceitos em 1933.

6. Função social – No Art.º 35º da Constituição de 1933, onde se diz que a propriedade e o capital de trabalho desempenham uma função social, ideia que aparece por exemplo noutros artigos – Art.º 8º, nº 7, etc. Esta função social tem origens na doutrina social da Igreja, na Constituição italiana e tem ainda alguma inspiração socialista. São tudo inspirações que põem em causa o pensamento liberal, no sentido da defesa de interesses privados individuais. O Estado irá determinar, depois, a leitura desta função social face à propriedade, ao capital e ao trabalho, fazendo a tal hierarquia de valores no sentido de determinar o que é mais justo, mais adequado.

7. Evolução da Constituição de 1933 – Na evolução da Constituição de 1933 são demarcados três grandes períodos:
7.1. Anos 30 e 40;
7.2. Anos 40-60;
7.3. Anos 60-70.

No primeiro período as características que falámos há pouco estão mais vincadas: um estado dirigista, profundamente antiliberal, controlador do funcionamento de todos os aspectos da economia, que pretende afirmar o regime, que tem um cariz altamente nacionalista, e de algum modo fechado ao exterior. É também durante este primeiro período que surge uma disposição – a Lei do Condicionamento Industrial – que é associado à leitura da Constituição de 1933. Esta lei do Condicionamento Industrial pretendia favorecer os grupos económicos já estabelecidos, para que pudessem vir a ter lugar no mercado novos rumos económicos. Numa primeira fase, a lei conseguiu os seus objectivos – um tecido empresarial português forte e estruturado – mas num segundo momento, por não sofrerem concorrência, não se actualizaram, por exemplo. Esta lei de condicionamento industrial é talvez o elemento mais emblemático que se possa citar para pôr em causa a liberdade económica neste período.

Durante os dois períodos subsequentes, houve cada vez uma maior liberalização, no sentido de maior atenuação das características dirigistas, tentativa de abertura da economia aos modelos liberais (em parte por pressões internacionais). Quanto à terceira fase, houve maior abertura ao exterior – negociou-se com a EFTA, com a CEE (em 1972), havendo pois uma tentativa de abertura ao exterior –...

Passamos agora à terceira fase no nosso constitucionalismo económico, fase que se prende com a constituição de 1976 na sua primeira fase.

Nesta primeira fase da Constituição de 1976, falaremos de:
1. Ruptura;
2. Visão da constituição como constituição compromissória;
3. Como os diversos autores lêem a Constituição económica de 1976;
4. A prática.

Relativamente à ruptura, que se dá com o 25 de Abril de 1974, temos desde logo uma fase em que não existe constituição. No período pré-constitucional, vemos que as matérias económicas são todas postas em causa pelo movimento revolucionário, pelo que a Constituição de 1933 não tem, no campo económico, qualquer adaptação da Constituição de 1933. Os elementos de cariz económica do período pré-constitucional estão no Manifesto das Forças Armadas – classes trabalhadoras, qualidade produtiva, etc. etc. Temos restrições ao direito de propriedade privada, protecção das pequenas e médias empresas, reforma agrária, etc. Se, com o MFA; os ideais anti-corporativistas podiam ter uma leitura mais liberal ou mais socialista, o que se veio a verificar é que a esse nível teria sido uma boa ideia. ...

Elementos como a nacionalização ou a reforma agrária, não são dissociáveis de elementos importantes da Constituição de 1976, estando ligados aos direitos sociais e laborais e até...

2. A Constituição de 1976 é uma constituição compromissória – a nível económico, esta característica traduz-se num balanço entre os princípios liberais e os princípios socializantes ou marxistas.

Veremos ainda nesta constituição compromissória que temos consagrada a propriedade privada e a liberdade do indivíduo. Mas com restrições!


Aula teórica de 27 Outubro 2006:

Na aula passada estudámos a caracterização da constituição económica na Constituição de 1933, e entrámos depois na pré-Constituição de 1976 e na própria Constituição, tendo analisado a Constituição como compromissória.

Na Constituição de 1933 falámos de sete aspectos:
1. Ruptura;
2. Princípio da subsidiariedade;
3. Uma constituição dirigista do ponto de vista económico;
4. Característica corporativa;
5. Assumidamente anti-liberal;
6.....

Terminámos a visita pela Constituição de 1933, e definimos vários aspectos de vigência temporal:
1. Décadas de 30 40 – vivência mais marcante do dirigismo (penso eu);
2. Décadas de 50 e 60 – atenuar do dirigismo de uma economia fechada, verificando uma abertura tanto ao exterior como no plano interior aos princípios liberais, fruto de influências internacionais (numa primeira fase Pós-II Guerra e Plano Marshall, numa segunda fase acordos EFTA).

Entrámos depois na Constituição após a revolução de 1974, e é por aqui que vamos.

A partir da revolução de 1974 temos logo um período pré-constitucional, de 1974 até à Constituição de 1976. Este período chamado pré-constitucional é um período onde se questiona qual é a constituição económica, quais os princípios fundamentais do regime económico, quais os princípios da actuação do Estado neste período.

Temos por um lado a doutrina que nos diz que a Constituição de 1933 é vigente em termos supletivos – em tudo o que não contrarie o Movimento Revolucionário. Mas do ponto de vista económico esta conclusão serve-nos de pouco, uma vez que os princípios revolucionários põem em causa todo o sistema económico da Constituição de 1933. Os manifestos do MFA tinham uma série de princípios que deram desde logo uma estrutura ao regime económico vigente – relevância das classes trabalhadoras, a necessidade de melhorar o nível de vida, e uma manifesta ideia anti-monopolista, que permitia duas leituras -uma liberal, incentivadora da concorrência, ou uma visão ligada a doutrinas socialistas e marxistas.

Com a evolução que se deu durante o período revolucionário, designadamente com o 11 de Março, prevaleceu a visão socializante marxista, que deu origem às nacionalizações e à reforma agrária. Estes elementos são de extrema importância na caracterização do regime económico durante o período revolucionário, e também durante a vigência da Constituição de 1976 até à revisão de 1989.

Não obstante, neste período pré-constitucional temos ainda outro elemento bem interessantes, que dizem respeito aos direitos sociais. Há um florescimento de uma enorme panóplia de direitos sociais, ligados em grande parte aos direitos das classes trabalhadoras e à tentativa de um aumento de vida da população em geral. Temos ainda a protecção das pequenas e médias empresas como algo de relevante neste período.

Entramos então na segunda fase deste terceiro momento da Constituição de 1976, o que sucede após a revisão de 1989.

Caracterizamos agora a Constituição de 1976 na sua versão original – esqueçam o da revisão de 1989 para já. Falámos que era uma constituição compromissória – há uma equivalência, ou tentativa de equilíbrio, entre princípios democráticos e princípios socialistas. Do ponto de vista económico, temos também presentes dois tipos de princípios – de cariz liberal e de cariz socialista ou marxista. Esta constituição compromissória é visível em dois aspectos. Num primeiro aspecto, é o que está relacionado com o da estrutura de propriedade dos meios de produção. Temos aqui três formas: públicos, cooperativos e sociais ou privados. Não se fechou, portanto, o sistema – o Estado não deve ter uma estrutura empresarial que lhe permita ter uma actuação enquanto agente na economia, dado que houve aqui uma criação de um sector público que foi protegido, mas não se deixou também de criar e consagrar a existência de um sector privado, ou cooperativo. Isto representa para o sector privado um princípio liberal – todos podem intervir, todos podem criar riqueza, todos podem ter a sua propriedade. A evolução na redacção deste artigo mostrará que o sector público acabará por perder alguma da sua importância.

Estão assim consagrados os três sectores de propriedade que vão permitir o desenvolvimento ao longo das revisões constitucionais.

Temos depois o segundo elemento, talvez o mais emblemático na caracterização da Constituição como compromissória – direito de propriedade e liberdade ou iniciativa económica. Relativamente a estes dois aspectos, também aqui há aspectos compromissórios: ambos estão estabelecidos, mas num segundo momento há restrições aos mesmos. Na evolução da Constituição de 1976, essas restrições vão sendo retiradas do texto constitucional, dando assim equivalência a uma leitura de índole mais liberal e não socialista ou marxista. Tal como na estrutura dos meios de produção, também aqui o sector público não viu o seu âmbito alargado, ma antes restringido em prol do sector privado.

O Direito de propriedade foi consagrado deste modo no Art.º 62º da Constituição, sendo considerado como direito análogo aos direitos, liberdades e garantias – tem uma relevância suplementar na ordem constitucional. Apesar de não estar ao pé dos outros direitos, liberdades e garantias, sempre foi entendido que é análogo a eles (tem a mesma força, digamos assim).

Temos também no Art.º 62º outro elemento no reforço do direito de propriedade – as expropriações terem de ser realizadas tendo em conta uma justa indemnização. Têm que ter em conta a prossecução do interesse público, e não podem ser feitos com qualquer tipo de indemnização. Esta primeira ideia vem desde logo das Constituições liberais – não se pode retirar um determinado património sem uma justa indemnização, ou seja, sem uma indemnização de valor idêntico ao da propriedade que está em causa.

Mas este nº 2 do Art.º 62º admite que a expropriação possa não dar lugar a uma indemnização nos casos previstos na Constituição. Esses casos são dois, previstos no Art.º 82º nº 2 – no relativo aos latifundiários, empresários e outros, e ainda outro previsto no Art.º 87º nº 1, no caso os que estavam abandonados. Este tipo de restrições não foram na prática utilizados durante a vigência da Constituição de 1976, mas a sua integração permita uma leitura de uma matriz fortemente anti-liberal. Estes dois pontos foram elementos que caíram ao longo das revisões da Constituições de 1976, como veremos depois.

O segundo elemento, respeitante à liberdade económica, vem-nos dizer que por um lado a liberdade económica foi logo consagrada na Constituição de 1976. Podemos vê-la desde logo no nº 1 do Art.º 85º da Constituição. Este artigo diz-nos que, nos quadros definidos pela Constituição, pela lei e pelo plano, se pode exercer a iniciativa económica privada enquanto instrumento do progresso colectivo. Ora a leitura deste artigo não é fácil. Por um lado considera a iniciativa económica livre, mas por outro restringe logo bastante a sua aplicação. Desde logo se pode ver que a liberdade económica foi consagrada. Essa consagração veio a permitir uma determinada evolução, neste caso no sentido de serem retiradas as restrições existentes na versão inicial.

Temos outros elementos importantes na caracterização da liberdade económica como prevista na versão de1976 da Constituição. Estes elementos são elementos que restringem ainda mais a liberdade económica, dado que logo no nº 2 do Art.º 85º temos a vedação de determinados sectores económicos à iniciativa privada. Mais tarde veio a entender-se na doutrina esta vedação como obrigatória. Nº 3 do Art.º 85º é também importante nesta visão, dado que se admite que o Estado intervenha na gestão das empresas privadas.

Ora atenção que estamos a analisar tudo isto à luz da Constituição de 1976, como publicada em 1976, e não na sua versão actual.

Há ainda outra restrição, presente no Art.º 89º.

Desta visão da Constituição como uma constituição compromissória a doutrina faz uma caracterização da constituição no sentido de verificar se na mesma tem maior peso o elemento democrático ou o elemento socializante ou marxista. Temos a este respeito quatro grandes grupos de autores, em que a maioria nos diz que temos uma constituição compromissória com a prevalência do princípio democrático (Sousa Franco, Jorge Miranda, Menezes Cordeiro, Paz Ferreira), Temos outro grupo de autores que, pelo contrário, entende que os princípios socialistas ou marxistas são mais marcantes (Gomes Canotilho, Vital Moreira, Avelãs Nunes ou Marcelo Rebelo de Sousa). Mas Marcelo Rebelo de Sousa diz que na prática não é isto que se verifica. Temos ainda outro grupo de autores, como Paulo Pitta e Cunha ou Braga de Macedo, que se afastam desta dicotomia para realçar o facto de a Constituição de 1976 ser uma constituição relativamente aberta, em termos económicos, no sentido de ter logo permitido a integração económica e todo o processo subsequente. Com posição mais extremas, temos os autores que entendem que nem sequer podemos falar de uma Constituição compromissória, mas sim de uma constituição de cariz marxista (Soares Martínez ou Marcelo Caetano).

Veremos agora a prática constitucional, ou seja, a prática da Constituição de 1976.

Não há dúvida que a prática é liberalizante, ou uma prática que foi fazendo uma leitura que potenciava os elementos liberais existentes na versão inicial de 1976. Temos aqui quatro diplomas significativos quanto a este respeito.
1. Lei de delimitação de sectores (Lei 46/77);
2. Lei de bases da reforma agrária;
3. Lei relativa ao direito à indemnização;
4. Lei de controlo da gestão.

Nestes quatro diplomas, que são exemplificativos, verificamos que houve sempre, em todos eles, uma leitura liberalizante no sentido de não potenciar a intervenção do Estado, e implementar desde logo restrições à intervenção do Estado (vide a lei do controlo da gestão). A lei 46/77, da delimitação de sectores, foi bastante atribulada, já que se dizia que a lei apresentada pelo Parlamento tentava ir sempre um pouco além dos limites e dos princípios de índole marxista impostos pela Constituição, o que motivou que a lei fosse frequentemente submetida a fiscalização constitucional. As restantes leis tentam sempre enfatizar a intervenção dos privados, restringir a intervenção do Estado e circunscrevê-la a critérios bastante objectivos que a justifiquem inequivocamente.

A primeira revisão que temos na Constituição de 1976 é em 1982. Entramos agora então no capítulo das revisões. Neste capítulo falaremos de cinco pontos:
1. Revisão de 1982;
2. Revisão de 1989;
3. Revisão de 1992;
4. Revisão de 1997;
5. A chamada constituição económica europeia.

Na revisão de 1982, temos aqui quatro pontos para analisar:
1. Apreciação genérica;
2. Evolução nos sectores de produção;
3. Tutela da propriedade privada;
4. Aproximação à União Europeia.

Como apreciação genérica, podemos dizer que não há alterações profundas a nível económico com a revisão de 1982. Daí, aliás, haver unanimidade na doutrina em considerar que, durante a vigência da Constituição após a revisão de 1982, estamos ainda na terceira fase do constitucionalismo económico português. Houve aqui em termos de linguagem um aligeiramento dos termos utilizados – designadamente dos termos socialistas, ou socializantes –, mas as orientações neoliberais existentes não tiveram ainda uma concentração em termos de revisão constitucional que e permitisse uma outra revisão da realidade económica. Mas já em 1982 há um conjunto de vozes que se sentem preocupadas com o mau funcionamento o sector empresarial do Estado e com os enormes gastos que isso gera, considerando que há que reorganizar o sector empresarial do Estado para conseguir maior racionalidade e eficácia desse sector.

Quanto aos sectores de produção, vamos vê-los na próxima aula.

Aula teórica de 30 Outubro 2006:

Na última aula estivemos a ver a Constituição económica de 1976 na sua primeira versão, tendo depois começado a verificar as alterações na sua primeira revisão, de 1982.

Relativamente à Constituição de 1976, falamos de quatro aspectos:

1. Período pré-constitucional;
2. Carácter compromissório;
2.1. Propriedade privada;
2.2. Iniciativa económica;
3. Caracterização;
4. Prática constitucional – coincide ou não com as suas características, designadamente com a natureza compromissória.

Tanto a propriedade privada como a iniciativa económica teriam cariz liberal, ainda que temperada com matizes socialistas.

O primeiro facto que vimos quanto à Revisão de 1982 foi que não existem alterações de fundo do ponto de vista económico com a revisão de 1982. Este é mais um elemento que reforça a divisão, para efeitos de evolução constitucional, que fizemos no início do ano. Com esta revisão, estamos ainda na terceira fase. A quarta fase só se iniciará com a revisão de 1989, com o pendor mais liberal introduzido por esta revisão de 1989.

Quanto ainda à revisão de 1982, falamos de quatro pontos:

1. Apreciação genérica – não tem grandes alterações;
2. Sectores de produção;
3. Características respeitantes à propriedade privada;
4. Elementos relativos à União Europeia.

Todos os elementos que veremos nos pontos 2, 3 e 4 acabam por não reproduzir assim tantas alterações no modelo económico. No entanto, ainda no campo da apreciação genérica, verifica-se uma revisão linguística, no sentido de tornar a Constituição menos proclamatório, politizado e programático.

No que toca aos sectores de produção, faz-se referência às alterações existentes no Art.º 80º. Na versão inicial, este Art.º 80º dizia que "como fundamento da organização económico-social, teríamos a apropriação colectiva dos meios de produção e solos". Este era um elemento relativo a doutrinas socialistas – a apropriação colectiva dos meios de produção e solos. Na revisão de 1982 altera-se profundamente esta disposição, alteração essa que vai levar a que fique consagrado a coexistência dos três sectores sociais: cooperativo, público e privado. O Art.º 80º passa a ter como epígrafe Princípios fundamentais, e na sua alínea b) estabelece estes três sectores, introduzindo um equilíbrio diferente na leitura compromissória da versão inicial de 1976, retirando peso a uma das componentes.

Quanto à tutela da propriedade privada houve também pequenas alterações. Essas alterações vêm previstas no Art.º 62º nº 2 – quanto à expropriação e aquisição, elas têm que ser realizadas com base na lei – acabando também as expropriações sem indemnização de latifundiários, grandes empresários e produtores, previstos no Art.º 82º, mantendo-se a expropriação de bens abandonados (Art.º 89ª). Ou seja, reforça-se a tutela da propriedade privada.

Quanto à União Europeia, como em todas as revisões, há uma adaptação para melhor coexistência com a União Europeia. O Art.º 8º nº 3, de índole puramente pública e quiçá política, este artigo acabou por ter uma influência especial a nível económico, já que as organizações internacionais a que Portugal pertence e que tenham capacidade de produzir normas que vigorem directamente na ordem jurídica interna são as organizações da União Europeia.

Entramos agora no segundo ponto da matéria, que diz respeito à Revisão de 1989.

A revisão de 1989 é uma revisão constitucional que, para alguns autores, vai dar origem a uma nova fase na nossa organização fundamental económica – a tal quarta fase. É o caso do Prof. Eduardo Paz Ferreira.

Salienta-se a propósito desta revisão um conjunto de reformas legislativas anteriores à mesma, que acabam por a condicionar. Temos ainda a tutela da propriedade privada, a liberdade económica e por fim uma apreciação das alterações introduzidas – quatro pontos.

Ou seja:
1. Reformas legislativas;
2. Propriedade;
3. Liberdade económica;
4. Apreciação geral.

Quanto às reformas legislativas anteriores, durante a vigência da Constituição de 1976 – especialmente até 1989 – vimos que a prática vinha num sentido mais liberal que socialista (as leis tentavam ir mais além do que o texto, em sentido formal, da Constituição). Isto demonstrou que havia um sentimento generalizado de uma necessidade de uma reforma num conjunto de sectores, porque a Constituição estava a restringir de alguma forma certas actividades. Essas normas legislativas foram apreciadas também pelo Tribunal Constitucional, com jurisprudência muito activa e muitos votos de vencido bem elaborados, que questionavam os sentidos a seguir. Mas a reforma foi sempre apontado para uma economia de mercado mais livre. Temos como exemplos a Lei de Base de Delimitação de Sectores, que tentou sempre ao máximo que os privados entrassem nas diversas áreas de mercado; por outro lado, apesar de ser consagrado o princípio da irreversibilidade das nacionalizações, temos privatizações parciais, tendentes a um menor envolvimento do Estado e maior envolvimento dos privados na gestão de determinadas áreas, em termos de economia de mercado; temos ainda como elemento fundamental a adesão de Portugal à Comunidade Europeia, um elemento que vem ainda da Constituição de 1933, e que vai sempre influenciando a estrutura económica portuguesa.

Estas leis do período antes de 1989 vêm denotar uma tendência para ser desejável uma abertura constitucional mais ampla, e uma maior convergência também com a Europa.

Veremos agora as alterações que se sentem ao nível da Constituição com a sua revisão de 1989, abordando tanto a propriedade privada (ponto 2) como a liberdade económica (ponto 3). Em 1989 chega ao fim a expropriação dos meios de produção abandonados – uma disposição que não tendo aplicação prática durante o período até então, condicionava uma abertura de mercado (sujeitavam-se, pelo menos em teoria, os privados a uma avaliação quanto à sua propriedade, com o que isso podia acarretar).

Quanto à liberdade económica, um elemento que é considerado pelos autores como determinante para o aparecimento de uma nova Constituição Económica, e que é o princípio da irreversibilidade das nacionalizações (Art.º 85º). Esse princípio vinha da Constituição de 1976, que o tinha consagrado para legalizar as nacionalizações do 11 de Março de 1975. Ora este princípio já estava, em bom rigor, a ser posto em causa em determinados textos legais. Mas só na revisão de 1989 é que acaba este princípio, e se abre caminho às reprivatizações. Essas reprivatizações vão ser uma disposição específica – o então Art.º 296º da Constituição – que vem introduzir a necessidade de uma Lei-quadro que subscreva o modo como essas reprivatizações podem ser efectivadas. Dá-nos então um elenco de situações, e a Constituição dá-nos logo um elenco de requisitos que têm que ser respeitados. Diz-nos a Constituição que elas em regra se poderão efectuar por três modos específicos: concursos públicos, oferta na bolsa de valores ou subscrições. Sendo esta a regra, haverá excepções, como se verá na lei-quadro. Ora os lucros daí obtidos podem ser aplicados de três formas: uma delas é a amortização de dívidas de empresas públicas. Revela ainda alguns cuidados com certas classes, como os trabalhadores dessas empresas – manterão os mesmos direitos e terão ainda direito de preferência (????). Por último, estabelece que tem que haver uma avaliação prévia dos bens a privatizar.

Outro elemento marcante ainda no que diz respeito à iniciativa económica é o que diz respeito ao Art.º 61º, que diz que a iniciativa económica se vai fazer...

Como quarto ponto, temos agora a apreciação desta revisão de 1989. A apreciação, como referimos, para alguns autores resulta na existência de uma nova Constituição Económica, com novo modelo económico, ao passo que para outros, talvez a maioria, a Constituição conserva a sua identidade, ou que não parece evidente que exista aqui um elemento suficiente marcante que permita determinar uma ruptura em termos de modelo económico. Assim entendem por exemplo o Prof. Sousa Franco, Vital Moreira, José Magalhães, Guilherme D'Oliveira Martins. Defendem esta teoria por persistir ainda a determinação constitucional da obrigatoriedade da vedação de sectores. A obrigatoriedade da vedação de sectores só vai cair na Revisão Constitucional de 1997. Mas estes autores não situam também a ruptura constitucional em 1997 – dizem apenas que em 1997 há um elemento importante (o levantamento da obrigatoriedade da vedação de sectores), que tem que ser lido conjugadamente com o fim do princípio da irreversibilidade das nacionalizações.

As revisões subsequentes, do ponto de vista económico não trazem grandes alterações. Apenas se salienta, na revisão de 1997, o fim da obrigatoriedade da vedação de sectores, que passa a estar ao dispor como opção do legislador.

Abordemos agora o último ponto das Constituições económicas, que é o que diz respeito à Constituição Económica Europeia.

A chamada Constituição Económica Europeia, à partida será uma constituição de que Portugal também faz parte. Será um conjunto de princípios fundamentais que vão regular as economias dos Estados-membros, e que vai ter em atenção o papel dos Estados nas diversas economias.

Ao longo da evolução da construção europeia, tem havido também uma evolução deste conceito de constituição europeia, aqui visto em sentido material. Esta construção europeia iniciou-se, como sabemos, por sectores (carvão e aço com a CECA, energia atómica com a Euratom). É depois desta experiência de integração em sentido vertical que aparece a Comunidade Económica Europeia, a experimentar uma integração do tipo horizontal – com os vários sectores económicos. EÉ esta integração horizontal que nos permite falar de um mercado único europeu, sem obstáculos às mercadorias, aos serviços, às pessoas e aos capitais. Em termos económicos isto é uma revolução. Mas para além da existência de um mercado único, a integração ainda é mais profunda, já que há políticas comuns. Há políticas comerciais que têm a ver com o exterior (união aduaneira) e políticas comuns internas (pescas, agricultura, comércio...), que obrigam os estados a adoptarem medidas comuns face a sectores de produção ou de actividade, e que levam os Estados a gerirem os seus recursos de forma idêntica entre si, seguindo orientações específicas dos órgãos comunitários. Temos ainda políticas transversais, como concorrência; temos uma harmonização de sectores (sector financeiro, etc.), que obedecem a regras idênticas decorrentes da transposição de directivas comunitárias, e que possibilitam um mercado comum – só com regras comuns se consegue um mercado comum. É portanto um conjunto de políticas-base que vão harmonizar os diversos sectores, permitindo a criação de um mercado único; a criação permanente de um conjunto de redes transeuropeias (ideia que está a ser tratado actualmente, por exemplo, quanto à energia), e que visa a que a União Europeia tenha que ter uma dimensão superior aos diversos Estados para oferecer aos europeus um conjunto de produtos e serviços melhor e mais competitivo.

Aula teórica de 3 Novembro 2006:

Na última aula estivemos a ver as alterações em várias revisões durante a vigência da Constituição de 1976, o seu resultado, e fizemos ainda uma breve referência à chamada Constituição Económica Europeia, entre aspas.

Relativamente às revisões constitucionais, é importante salientar que durante a vigência da Constituição de 1976 se considera que, da versão inicial à versão actual, temos fundamentos de organização económica substancialmente diferentes, sendo que a caracterização da Constituição inicial como uma constituição compromissória tendeu, durante as revisões, a um reforço da sua componente capitalista, ou liberal. Referimos ainda que o Sr. Prof. Paz Ferreira localiza temporalmente esta nova fase do constitucionalismo português com a revisão de 1989, face especialmente ao fim do princípio da irreversibilidade das nacionalizações, ou seja, o movimento que admite reduzir drasticamente o sector empresarial do Estado e as funções que ele exercia, e a sua concessão a privados. O Estado deixa aqui de ser um estado interventor, e passa a ser um estado regulador. Depois referimos as dúvidas da doutrina sobre a localização desta nova fase do constitucionalismo português na revisão de 1989, dúvidas essas que apontam sobretudo o facto de existirem sectores vedados à iniciativa privada na Constituição de 1976, cuja existência impediria a eficácia plena dessa iniciativa privada por não poder entrar em certos sectores. É só com a revisão de 1997 que acaba a existência da obrigatoriedade de sectores vedados à iniciativa privada. Depois, referimos que na generalidade das revisões houve sempre pequenos passos no sentido do aprofundamento da componente privatística da intervenção na economia, e também uma aproximação progressiva ao modelo europeu, modelo que advém da União Europeia, sobretudo no campo funcional – a possibilidade de eficácia dos instrumentos normativos dos órgãos da União Europeia. Falámos por fim da chamada constituição económica europeia, para tentarmos caracterizar todo o acervo comunitário em matéria económica, que teve uma profunda influência a nível de princípios fundamentais de organização económica – abordámos as origens do processo de integração, primeiro de tipo vertical (CECA/EURATOM), depois de tipo horizontal, e depois ao nível das políticas comuns, e por fim ao nível da união económica e monetária. A UEM considerada o estado mais profundo desta integração, sendo depois a evolução mais ao nível do político, já que as integrações económicas consideram-se completas. As integrações mais ao nível regional são do tipo união aduaneira e zona de comércio livre. Na zona de comércio livre temos entidades que vão criar um mercado relativamente aos seus produtos, mas que não têm políticas comuns face ao exterior. Nas uniões aduaneiras, os estados não têm fronteiras entre os produtos originários dos seus territórios, mas têm além disso uma política aduaneira comum face a exterior. Temos depois a união económica e monetária, e na união económica e monetária (UEM) além desse tipo de políticas externas e internas comuns existe ainda uma moeda única, o que permite uma mobilidade maior ao nível de produtos, capitais e pessoas. Por outro lado, a moeda sempre foi considerada como um instrumento de política financeira, e assim esse instrumento deixa de estar ao serviço de cada estado. A União Económica e Monetária permitiu assim uma integração mais profunda das diversas políticas existentes ao nível da União Europeia, e abriu também portas a uma integração a nível político como passo subsequente, depois de estarem aprofundadas as diversas integrações dos sectores económicos existentes.

A importância da União Europeia na economia nacional é sensível no domínio da força e da capacidade de intervenção das instâncias comunitárias (mesmo da jurisprudência) ao nível económico – uma decisão face a um país específico, pode ter implicações fiscais de enormes proporções em todos os outros. Ou seja, as nossas políticas económicas estão cada vez mais dependentes das decisões ao nível europeu. O estudo que fazemos aqui ao nível das constituições económicas não tem directamente ligação com este elemento de intervenção, mas há que manter sempre este elemento presente, articulando-o nomeadamente com o conceito de constituição económica material, seja de forma directa seja de forma indirecta.

Assim encerramos a primeira parte desta passagem pelas diversas fases do constitucionalismo português.

Iniciaremos agora o estudo mais pormenorizado da Constituição Económica, mormente com a sua parte mais formal – mais formal até do que prática.

Relativamente ao Direito da Economia, vamos começar por verificar a estrutura de propriedade dos meios de produção.

Esta é uma questão que novamente vem reflectir a problemática dos dois elementos essenciais de uma economia liberal: propriedade privada e iniciativa económica – a conjugação da actividade privada com a actividade pública.

Pretendemos ver como é que a Constituição estabeleceu a estrutura de propriedade dos meios de produção. Vamos ainda ver quais os dois modelos teóricos existentes quanto à estrutura da propriedade dos meios de produção, veremos depois o modelo misto português e a sua evolução.

Quanto aos modelos teóricos da estrutura da propriedade dos meios de produção temos essencialmente dois modelos teóricos. Por um lado, o modelo relativo à propriedade privada (que a encara como um meio absoluto), e o modelo relativo à propriedade pública (um modelo em que a propriedade assenta na titularidade pública desses meios de produção).

Estes dois modelos teóricos não têm, no entanto, subsistido de per si. Mesmo em estruturas colectivistas, há alguns elementos que permitem a existência de alguns meios de propriedade privada. O mesmo se passa nos modelos de propriedade privada, em que há elementos públicos.

O caso português é um caso considerado sui generis, não por ter elementos dos sectores público e privado (o que aparece nas diversas organizações económicas), mas por consagrar, quase lado a lado entre o sector público e o sector privado, um terceiro sector – o sector cooperativo. Esta originalidade foi logo introduzida na versão inicial da Constituição de 1976, e que ainda hoje subsiste com o chamado sector cooperativo e social.

Entrando agora na evolução do modelo português nas revisões constitucionais, tomemos como ponto de referência, na versão inicial da Constituição de 1976, o Art.º 89º.

Na versão de 1976, o Art.º 89º vai-nos dizer quais são os meios de propriedade dos meios de produção – sector público, sector privado e sector cooperativo. A estrutura da propriedade dos meios de produção tem sempre de ser caracterizada face à propriedade. Logo aqui, fala-se quanto ao sector público da colectivização e da gestão pública. O sector privado é-nos dado pela negativa e pela exclusão – os meios que não estavam compreendidos nos números anteriores (Art.º 89º nº 4). O sector cooperativo, por fim, fala da titularidade dos bens e meios de produção possuídos e geridos pelos cooperadores (Art.º 89º nº 3).

Dá-se entretanto a revisão de 1982.

Todo o estudo desta evolução tende a saber o que nos permite consagrar um novo modelo quanto à iniciativa económica, tendo um sector empresarial do Estado que deixa de ser tão forte e tão presente, e passamos a ter um estado com um papel mais de regulação. Esta ideia da evolução da Constituição, que vimos primeiro em sequência histórica, é bem visível se tivermos presentes apenas as alterações que houve na estrutura de propriedade dos meios de produção, alterações essas que vão ter como resultado uma nova visão do papel do Estado e do papel dos privados.

Logo na revisão de 1982, o aspecto mais marcante terá sido o sector privado deixar de ser caracterizado por exclusão, para passar a ser caracterizado como sendo constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertença a privados, enquanto que o sector público pressupõe a necessidade da titularidade e da gestão pública. Ou seja: a partir do momento em que tivermos um bem público cuja gestão seja dada a privados, esse meio de produção é considerado privado, dado que para ser público é necessário que tanto a titularidade como a gestão sejam públicos, ao passo que no sector privado estão integrados os meios cuja titularidade ou gestão sejam privadas. Portanto, logo nesta revisão houve uma ideia de alargamento do sector privado, uma visão já diferente da existente na Constituição de 1976, que quanto aos meios públicos falava dos meios colectivizados.

Nesta revisão, o sector cooperativo não sofreu grandes alterações, apesar de lhe ter sido introduzida uma referência no novo Art.º 61º nº 2, dizendo que há liberdade na constituição (?) das cooperativas. Ao longo de todo o processo formal da nossa constituição económica (?) as cooperativas sempre foram bem acarinhadas, apesar de depois, na realidade, terem uma importância bastante reduzida.

Na revisão de 1989 temos novamente um emagrecimento do sector público. Em 1976, o sector público, além de ser constituído pelos meios colectivizados e de gestão pública, integrava ainda o chamado sector social – ou seja, o sector público tendia a abranger tudo (não só o núcleo do sector público, mas também os meios de produção sociais). Na revisão de 1989 decidiu-se autonomizar o sector social, que passou a integrar o artigo relativo ao sector cooperativo, que assim passa a ser o sector cooperativo e social. O novo Art.º 82º, que estabelece os sectores de propriedade na revisão de 1989, vai passar os bens comunitários e os bens que são explorados pelos trabalhadores para um sector agora, que se considera residual, e que vai ser considerado residual na sequência da teorização dos modelos de estruturação dos meios de propriedade.

Na revisão de 1997 houve ainda a integração de uma alínea relativa ao sector de solidariedade social, à exploração de bens sem fins lucrativos, no âmbito deste sector residual que passa a ter quatro subsectores: o subsector cooperativo (o único em que funcionam os princípios cooperativos, e em que há cooperativos); duas alíneas relativas ao sector social (bens geridos pelos trabalhadores e outros que me escapou) e por fim os bens de solidariedade social, que não têm carácter lucrativo, não sendo estas cooperativas.

Desta evolução da estrutura de propriedade dos meios de produção, o que nos fica é em grande parte a resposta à questão sobre o que há de novo na nossa Constituição económica de 1976 face à sua versão inicial. Vemos assim que o sector público emagrece, o que acarreta mudanças no papel do Estado – deixamos de ter uma intervenção pública directa como característica da nossa organização económica, passamos a ter maior intervenção dos privados, e um novo papel do Estado, que está relacionado com a regulação, com novas parcerias com privados, e não como interventor directo, nem como grande detentor de um amplo sector empresarial que preste serviços à população.

Vamos agora estudar cada um destes sectores.

Vamos começar pelo sector cooperativo, depois o sector privado e depois o sector empresarial do Estado.

O sector cooperativo, vamos ver seis pontos:
1. Origem;
2. Evolução;
3. Âmbito;
4. Tratamento privilegiado;
5. Vedação de sectores;
6. Princípios cooperativos.

Relativamente ao primeiro ponto – a origem – como já foi referido o modelo português é um modelo sui generis, dado que introduz um sector de propriedade ao lado dos tradicionais privado e público, que é o sector cooperativo. Mas isto não resulta de uma invenção portuguesa relativa a uma nova forma de organização da propriedade. A origem do sector cooperativo é internacional, há um movimento internacional cooperativo, que dá origem a um código cooperativo internacional, no congresso de Paris de 1937 e o Congresso de Viena de 1966. Este movimento internacional procura estabelecer novas formas de organização dos meios de produção que superem os existentes – seja uma organização puramente pública, seja uma organização privada, tal como existiam até então.

Já quanto ao segundo ponto, o da evolução do sector cooperativo na nossa Constituição, podemos ver que apesar de ter havido um emagrecimento do sector público e uma nova visão restritiva do sector público, o mesmo não sucedeu quanto ao sector cooperativo. Este sector cooperativo foi arrumado de outra forma, manteve-se ao lado dos sectores público e privado, tal como um conjunto de disposições que em termos constitucionais lhe vão atribuir um tratamento de favor. Na caracterização do sector cooperativo, é importante ter em consideração que quando falamos dos meios de produção relativos ao sector cooperativo não estamos a abranger as quatro alíneas que a constituição reserva para o sector cooperativo e social. Só os elementos relativos à primeira alínea é que obedecem a esses mesmos princípios, e que têm uma organização cooperativa. Os outros elementos dizem respeito a subsectores que foram agrupados nesta disposição.

Assim, o âmbito deste sector diz respeito aos meios de produção geridos e possuídos por cooperativa, em obediência aos princípios cooperativos. Este pode assim ser chamado o subsector cooperativo. Depois, as alíneas b) e c) – bens comunitários relativos aos meios de propriedade possuídos e geridos por comunidades locais (os chamados baldios) e os meios de produção possuídos e geridos por trabalhadores pertencem ao subsector social, não seguem os princípios cooperativos, não são geridos como as cooperativas, e não têm uma organização cooperativa. Falta agora só a última alínea, que se prende com os meios de produção possuídos e geridos por pessoas colectivas sem fins lucrativos e com objectivos de solidariedade social. É o subsector da solidariedade social.


Aula teórica de 6 Novembro 2006:

Na última aula começámos a estudar a estrutura de propriedade dos meios de produção na Constituição de 1976. Verificámos quais os princípios fundamentais da organização económica portuguesa. Chegámos logo a algumas conclusões quando vimos que nessa estrutura tripartida típica do constitucionalismo português de 1976 (sector público, privado e cooperativo) houve uma nítida evolução ao longo das revisões constitucionais no sentido de um emagrecimento do sector público por contraposição a um aumento da importância do sector privado na vigência da Constituição de 1976. Estes dois sectores são os modelos teóricos básicos da estrutura de propriedade dos meios de produção, sendo o modelo português um caso atípico, pois coloca ao lado destes sectores o sector cooperativo. Esta evolução do sector público e do sector privado na vigência da Const. de 1976 plasma de alguma forma a alteração dos princípios fundamentais, no sentido de passarmos de um modelo de intervenção económica pública directa para um modelo de intervenção pública pela regulação, potenciada essa transição pelas privatizações.

Este estudo dos meios de estrutura de propriedade na vigência da Constituição de 1976 é extremamente interessante para termos a ideia da alteração da estrutura económica.

Desde logo na revisão de 1982 houve uma reformulação do sector privado, que deixa de aparecer por exclusão e passa a contemplar os meios de produção cuja propriedade ou gestão pertencem a privados, por contraposição ao sector público, em que se entende que tem que haver aqui uma associação entre a titularidade e a gestão. Quando estudarmos a evolução que houve no âmbito da vedação de sectores, esta problemática da definição do sector público e sector privado vai assumir importância a nível jurisprudencial, para determinar se os privados podem ou não entrar em determinados sectores.

Vimos ainda que as restantes alterações, tanto na revisão de 1989 como na de 1997, reformularam essencialmente o sector cooperativo. A primeira, em 1989, emagrece o sector público, e elementos de propriedade social passam para o sector cooperativo. Em 1992 consagrou-se então um subsector dentro do sector cooperativo, o sector... social.

Quanto ao sector cooperativo, falou-se de seis pontos.Ou melhor, só se falou da origem, evolução e âmbito – os três primeiros pontos.

1. Origem – internacional, apesar da característica específica que representa a sua presença no ordenamento constitucional português. Apesar deste posicionamento atípico em Portugal, isso representa a adaptação de um modelo internacional.
2. Evolução – a evolução do sector cooperativo ao longo das sucessivas revisões constitucionais não resultou num aumento do seu âmbito, o que tivemos foi antes a integração de um conjunto de três (definidas em quatro alíneas) dentro do sector cooperativo e social, em que apenas um deles obedece aos princípios e à organização cooperativa. A primeira alínea fala-nos das cooperativas, o verdadeiro sector cooperativo; temos depois os meios de produção comunitários; exploração por trabalhadores na terceira alínea; e, por introdução da revisão de 1992, os meios de produção geridos por pessoas colectivas sem fins lucrativos com finalidades sociais.
Vamos hoje abordar o quarto ponto, o do tratamento privilegiado dado ao sector cooperativo dado na Constituição de 1976.

Na Constituição de 1976, podemos verificar em diversas disposições que o sector cooperativo é tratado com algum favor. Este facto é tanto mais relevante quanto é sabido que em termos de relevância prática ou real este sector é bastante diminuto, ou não tem uma dimensão suficiente para o tratamento que lhe é dado pela Constituição. Logo no Art.º 85º, o Estado estimula a criação cooperativas. Essa criação goza de benefícios fiscais e financeiros (Art.º 85º nº 2). No Art.º 61º refere-se a liberdade de iniciativa cooperativa, desde que observados os princípios cooperativos. Este conjunto de referências a um sector que tem uma relevância prática bastante escassa, prende-se com a forma como ele foi olhado pelo legislador.

Quanto ao quinto ponto, o da vedação de sectores, será uma matéria que referiremos novamente quando falarmos do sector privado. Mas coloca-se sempre quanto a esta matéria uma questão teórica, que diz respeito a saber se a vedação de sectores abrange apenas o sector privado ou também o sector cooperativo. A questão coloca-se porque o legislador referiu que a actividade é vedada às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza. Quando refere "outras entidades da mesma natureza", há autores que dizem que, já estando as privadas integradas na primeira parte da disposição, portanto podem aqui associar-se as cooperativas. Mas esta não é a leitura da maioria da doutrina, que não consegue encontrar a mesma natureza das empresas privadas no sector cooperativo. Assim, considera a maioria da doutrina que seria possível às cooperativas desenvolverem as suas actividades nos sectores vedados à iniciativa privada.

Outros são os que pensam que a formulação da lei não quer especificar a que áreas é que é vedado intervir nos sectores por querer reservar esse âmbito de actuação apenas para o sector público – o que equivaleria a uma formulação pela negativa. A ser assim, as cooperativas não poderiam intervir, não por terem a mesma natureza das entidades privadas mas por estarem como todas excepto o sector público, excluídas de terem iniciativa.

O debate sobre a eventual "igualdade" entre sector privado e cooperativo, conforme o lemos acima, remete-nos uma vez mais para o favor dado pelo legislador constitucional ao sector cooperativo.

Abordemos agora o sexto e último ponto desta matéria, onde se abordam os princípios cooperativos.

Este ponto sexto faz a ligação com a própria origem, porque os princípios cooperativos resultam do que foi determinado nas convenções de Paris de 1937 e de Viena de 1966. Os princípios, que encontramos na Lei 51/96, decorrem justamente do que foi estabelecido nesta convenção.

Como poderemos ver no Art.º 3º da Lei 51/96, são vários os princípios cooperativos, que de resto estão elencados nesta norma legal.

Por outro lado, as cooperativas podem associar-se a todos os tipos de sectores de actividade, o que é bem visível na nossa economia – cooperativas agrícolas, bancárias, de educação, etc. – muitas vezes resultante não tanto da tentativa de seguir os princípios cooperativos mas antes dos benefícios, designadamente fiscais, dados a este tipo de entidades.

Vamos seguidamente iniciar o estudo do sector privado.

No sector privado vamos ver:
1. Conceito do sector privado;
2. Evolução nas revisões da Constituição;
3. Os limites ao sector privado;
4. Os sectores vedados à iniciativa privada.

Os dois primeiros pontos já foram referidos anteriormente.

Quanto ao conceito, inicialmente esse conceito surgia por exclusão na versão inicial da Constituição de 1976, no nº 4 do Art.º 89º – "o sector privado é constituído pelos bens e unidades de produção que não estejam nas alíneas anteriores". Logo na revisão de 1982 desaparece esta formulação, e aparece aqui uma formulação bastante alargada, onde nos vai dizer que se a propriedade ou a gestão for privada, então esses meios de produção pertencem ao sector privado, contrariamente ao que acontece no sector público, onde se exigem que quer a titularidade quer a gestão seja pública. Ou seja, se um meio de produção é público na sua titularidade mas gerido por privados, é sector privado.

Temos ainda que ter em consideração a formulação constitucional do direito pode propriedade, presente no actual Art.º 62º, e que muito tem a ver com a definição do sector privado. "A todos é garantido o direito à propriedade privada e a sua transmissão...", e devemos ainda ter em consideração a liberdade de iniciativa privada, consagrada no Art.º 61º – "exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição". É a conjugação da liberdade económica e da propriedade privada que nos permite compreender como é que os meios de produção são geridos e como estão estabelecidos numa dada organização económica.

Para além desta compreensão do sector privado (consagrado o direito de propriedade e o direito à livre iniciativa privada), temos ainda que ter em consideração o nosso terceiro ponto – os limites existentes ao sector privado e à iniciativa económica. É a partir da conjugação do que está consagrado como direito e do que está consagrado como limite que poderemos fazer um balanço.

Aula teórica de 10 Novembro 2006:

Na última aula estivemos a ver o sector cooperativo, e entrámos no sector privado. Estamos a estudar a estrutura de propriedade dos meios de produção, para vermos a forma como o estado age na economia.

Quando entrámos no sector privado, falámos de quatro questões que abordaremos hoje:
1. Conceito;
2. Evoluções nas revisões;
3. Limites;
4. Sectores vedados à iniciativa privada.

Na última aula falámos apenas nos dois primeiros aspectos.

Quanto ao conceito, voltámos novamente ao quadro estabelecido na Constituição quando se define o sector público, o sector privado e o sector cooperativo, na versão inicial de 1976, na revisão de 1982 e daí em diante. Dissemos que inicialmente o conceito de sector privado surgia por exclusão dos outros sectores, que era visto como um sector menor especificamente face ao sector público (sectores que eram definidos de forma positiva com base na titularidade e gestão dos meios de produção). Vimos ainda que na evolução das revisões da Constituição, o sector privado foi ganhando densidade, e que foi visto desde logo na revisão de 1982, quando o sector público tem depois que ser confrontado com um novo conceito de sector privado, que nos diz que são privados os meios de produção cuja propriedade ou gestão sejam privados. Do sector público têm que ser todos os que têm a propriedade e a gestão pública. Note-se aqui a diferença entre "ou" e "e". Isto faz com que haja um alargamento do sector privado face ao sector público. Ainda vimos que, para a compreensão do sector público, seria necessário ter em consideração as disposições relativas ao direito de propriedade privada (Art.º 62º) e à iniciativa ou liberdade económica (art. 61º). Estes dois elementos são também importantes para a caracterização da... dos meios de produção no sector privado, pois será a partir destes dois elementos que poderemos delimitar o sector privado face ao confronto dos limites que são impostos ao mesmo.

Hoje vamos falar dos limites.

Para a caracterização das figuras, é sempre mais adequado termos uma visão positiva das mesmas, e fazermos uma caracterização positiva das figuras, ou dos conceitos jurídicos. Mas há sempre a tendência para associar a esta caracterização positiva os elementos negativos que muitas vezes nos permitem determinar de forma mais clara os próprios conceitos em causa. Relativamente à propriedade privada, os limites acabam por ser bastante importantes na configuração da estrutura de propriedade privada, o que aliás temos vindo a fazer desde que iniciámos o estudo das constituições económicas.

Relativamente aos limites, temos oito pontos que estão aqui em causa:
1. Nacionalizações;
2. Requisição e expropriação;
3. Princípios fundamentais da organização económica;
4. Incumbências prioritárias do Estado;
5. Fiscalização do Estado;
6. Intervenção do Estado na gestão;
7. Estrangeiros;
8. Vedação de sectores.

No fundo, o que temos aqui é qual a actuação do Estado, como o Estado pode intervir relativamente à propriedade privada, à liberdade económica, especialmente quando falamos do sector privado. Temos pois aqui um conjunto alargado de situações que nos permite desde logo considerar que o Estado tem uma função importante em termos de limitar e de controlar a actuação dos privados.

Relativamente às nacionalizações, é uma figura que vem prevista na nossa Constituição, no Art.º 83º. Repare-se que não vem com esta designação de nacionalizações, daí alguma dificuldade dos alunos em encontrá-la. A temática vem referida nas competências relativas da Assembleia da República, na al. l) do Art.º 165º. Diz a CRP: é permitida a nacionalização - a passagem coactiva da propriedade do sector privado para o sector público. Esta passagem dá direito a uma indemnização nos termos estabelecidos na Constituição.

É também admitida a requisição e a expropriação, figuras previstas no Art.º 62º da CRP. A requisição é uma passagem do sector privado para o sector público de bens móveis ou imóveis mas apenas a título temporário, por razões de utilidade pública que assim o determinem. É o caso de catástrofes públicas, por exemplo. A expropriação vem também prevista na nossa Constituição. A expropriação é uma figura em que há também a passagem do sector privado para o sector público, por efeito de uma determinação que pode ser meramente administrativa, desde que razões de utilidade pública assim o exijam. Está prevista aqui que exista uma justa indemnização para os particulares.

Nestas três figuras que acabámos de ver está sempre prevista a indemnização – considera-se que pode haver uma limitação a direitos do sector privado, mas essa limitação tem que ter uma determinada compensação. A requisição e as expropriações têm que ter utilidade pública, a nacionalização não – um conjunto de certas razões, de índole política, podem justificar tais nacionalizações. Até agora, só utilizámos a figura dadas nacionalizações no 11 de Março, nunca mais a usámos.

Temos ainda outro artigo interessante quanto ao sector privado, que é o que diz respeito aos princípios fundamentais da actividade económica. É o Art.º 80º da CRP, com uma evolução interessante mormente nas constituições de 1976 e 1982.

O Art.º 81º permite-nos também analisar quais os princípios de orientação da actividade económica do Estado. Estas incumbências prioritárias do Estado foram sofrendo também alterações, alterações no sentido de o Estado deixar de ter uma actuação activa neste tipo de áreas, permitindo uma maior intervenção dos privados, apesar de se manter, de alguma forma, um conjunto ainda amplo de áreas em que se entende que o Estado deve actuar, uma vez que na nossa Constituição ainda prevalece muito a ideia da existência de um Estado social com um conjunto de obrigações que resultam desses direitos sociais, e que na maior parte dos casos não são mais que meramente programáticas.

Agora quanto à fiscalização do Estado, a fiscalização do Estado é uma expressão que já tínhamos referido aqui, e que vinha logo prevista no Art.º 85º relativo à iniciativa privada, quando se diz que o Estado fiscaliza o respeito da Constituição, da lei e do plano nas empresas privadas. Esta fiscalização podia ter dado origem a uma actuação bastante mais activas do Estado nas empresas, e que surge logo nesta disposição como consequência da fiscalização – falo da possibilidade de o estado intervir na gestão das empresas assegurando o interesse geral e os interesses dos trabalhadores. Na prática, verificou-se que o Estado não teve uma intervenção activa nas empresas privadas, antes teve até alguma dificuldade de actuação nas empresas públicas. Se o Estado tivesse entrado na gestão das empresas, ou impusesse às empresas que tomassem determinadas medidas, tendo por exemplo em conta a desigualdade das regiões, isso teria de facto limitado muito mais o sector privado. O que o Estado acabou por fazer foi tentar dar às empresas incentivos para se fixarem em determinados locais, sem de facto seguirem o espírito desta norma constitucional de 1976, que iria mais no sentido de uma intervenção directa. Se se considera importante uma igualdade entre as diversas regiões do País, entendeu o Estado que se devia estabelecer formas para atingir esse fim, incentivando as empresas a atingi-lo. Da mesma forma, se se quer que os cidadãos tenham igualdade de oportunidades, deve ser colocado um mecanismo para que essa igualdade seja atingida, não sendo necessário interferir na gestão das empresas. Quando muito, adoptar-se-iam medidas anti-discriminação, que afectariam e penalizariam as empresas se não acatassem as orientações em matéria de igualdades.

Falamos agora dos estrangeiros. A Constituição de 1976, na sua versão originária, um pouco à medida do que se passava nessa altura, estabeleceu logo a possibilidade de vedar a entrada de estrangeiros na economia portuguesa, condicionando essa mesma entrada ao interesse económico da participação dos estrangeiros. Esse tipo de normas surge depois nos diversos sectores de actividade, em que se vai incutindo a ideia de que tem que haver um interesse económico na entrada de estrangeiros nos vários sectores de actividade, interesse esse que é avaliado para aferir da possibilidade de os estrangeiros intervirem de facto na economia portuguesa. Com a evolução no âmbito da União Europeia, este tipo de disposições tornou-se bastante desactualizado.

Aula teórica de 13 Novembro 2006:

Na última aula falámos do sector privado, e é aqui que vamos continuar, entrando também no sector público.

Estudamos os princípios fundamentais da nossa Constituição económica, designadamente relações entre sector público e privado, referindo ainda o sector cooperativo, isto para termos a noção da posição do estado e dos privados dentro da posição económica., No sector privado falamos de quatro pontos. Para hoje, falaremos dos limites e dos sectores vedados à iniciativa privada, sendo que este quarto ponto é ainda um limite, que ainda assim deveria ser autonomizado.

Quanto ao conceito, na aula passada vimos que o conceito é dado pela gestão e titularidade dos meios de produção. Na versão inicial da CRP de 1976, o sector privado aparecia-nos definido por exclusão e como um sector residual, o que foi logo alterado na Const. de 1982. Este conceito, face ao conceito de sector público, em que se exige que quer a titularidade quer a gestão pertençam ao sector público, fazem com que o sector privado, que pode ter a gestão ou a titularidade privadas, ganhe mais espaço. É ainda necessário considerar outras disposições constitucionais, art.ºs 62º e 61º, sobre propriedade privada e iniciativa económica.

No terceiro ponto vimos os limites ao sector privado como forma de circunscrever melhor o conceito a definir. Falámos no Art.º 62º nº 2 – requisição e expropriação; da nacionalização – Art.º 83º; princípios fundamentais da organização económica – que foram alterados na revisão de 1982, dando maior ênfase ao sector privado pela reafirmação do princípio da coexistência dos sectores, mantendo-se ainda assim como princípio fundamental a ideia da apropriação colectiva dos principais meios de produção; incumbências prioritárias do Estado – Art.º 81º – e dentro destas vimos que tínhamos aqui um estado fortemente intervencionista, com forte capacidade de intervenção em diversas áreas económicas; referimos que outros artigos que permitem alguma restrição ao sector privado se prendem com a possibilidade de fiscalização e intervenção do Estado na gestão das empresas privadas – prevista logo no Art.º 85º – que é uma capacidade que vai muito além do que é considerado como aceitável em sistemas liberais e capitalistas; vimos ainda a forma como vem prevista a intervenção dos estrangeiros na nossa economia.

Diz a CRP no seu Art.º 86º que os estrangeiros podem interferir na economia portuguesa, desde que possam contribuir para o desenvolvimento do país. Esta é uma fórmula típica de textos desta época, comum quer a Portugal quer a outras nações, e vem até previssem diversos acordos internacionais. Mas não deixa de ser uma forte restrição à visão tradicional, ou mais pura, dos benefícios do alargamento do sector privado. Quando falamos no sector privado, consideramos que qualquer investimento privado, qualquer restabelecimento de uma empresa, gerará riqueza. Gerará riqueza por criar postos de trabalho, bens e serviços, e desenvolvimento, possibilitando a recolha de impostos, possibilitando o desenvolvimento de trabalhadores de determinadas áreas. Quando se tem esta visão do sector privado, do empreendorismo privado, não se indaga a origem ou a nacionalidade daqueles que estão à frente das empresas. Considera-se à partida que é benéfico que os privados, sejam quem sejam, intervenham, pelos motivos postos acima. Se se revelar que o projecto de cada um é inadequado, o próprio mercado se encarregará de o auto-excluir, digamos assim. Mas quando estamos face a estrangeiros, há sempre uma certa desconfiança perante a entrada de pessoas individuais ou colectivas, no mercado, e por isso há este tipo de disposições. Com disposições assim, não se acredita na ideia neoliberal de sector privado, passando-se a outro plano – de proteccionismos, nacionalismos, que entende a soberania como um elemento com componentes a nível económico, e ao qual será de estabelecer algumas restrições à entrada de estrangeiros. Este tipo de concepções são completamente contrárias à globalização, ao multilateralismo, e no fundo às teorias liberais aplicadas à escala mundial, que nos dizem que se o mercado funciona e é benéfico à escala nacional, funcionará e será também benéfico à escala mundial, não fazendo sentido este tipo de restrições – se não funcionar, o mercado o dirá, e nenhuma instituição administrativa deverá interferir nisso.

Hoje em dia, este tipo de ideias está completamente ultrapassado. O investimento estrangeiro é visto como benéfico, com a criação de sinergias que o mercado acabará por incorporar, tentando-se assim incentivar entidades estrangeiras a competir nos mercados nacionais.

Esta norma de que acima falámos, e que vem prevista no Art.º 86º, não pode ser vista apenas como um limite ao desenvolvimento do sector privado, aqui por via de um alargamento do sector público. É um elemento que se coloca em paralelo, e que se prende com questões de dinâmica integracional, sem ter a ver com políticas socializantes. Ainda assim, não deixa de ser um impasse ao desenvolvimento do sector privado.

O último elemento relativo ao sector privado prende-se com a vedação de sectores.

Já falámos sobre esta questão da vedação de sectores quando fizemos um percurso cronológico sobre a evolução da Const. de 1976 no âmbito das constituições económicas.

Autores como Sousa Franco ou Paz Ferreira consideram que o fim do princípio da irreversibilidade das nacionalizações (revisão de 1989), ditando um modelo de um estado meramente regulador e muito menos interventor no âmbito do sector público, um Estado que vai deixar funcionar o Mercado, controlando o sector privado e não intervindo directamente, o que vai dar origem a uma nova Constituição económica. Há autores que não concordam com esta referência temporal à revisão de 1989 como marcante para podermos falar de uma nova constituição entendendo esses autores que há um elemento de extrema importância ainda prevalente que impede o desenvolvimento do sector privado. Esse elemento é a obrigatoriedade da vedação de sectores, que só desaparecerá com a revisão de 1997. Dizem esses autores que, apesar do fim do princípio da irreversibilidade das nacionalizações, os privados ainda não conseguem aceder a um certo número de sectores, por via desta disposição da vedação de sectores. É sobre esta temática da vedação de sectores, e da evolução da mesma na vigência da Constituição de 1976, que agora vamos falar.

Relativamente à questão da vedação de sectores, logo na versão inicial da Const. de 1976 temos a obrigatoriedade da vedação de sectores aos privados. Esta leitura surgiu logo em termos jurisprudenciais, leitura essa que resulta do texto da Constituição, sendo depois muito trabalhada em termos jurisprudenciais, porque como vimos a prática legislativa durante a vigência da Constituição de 1976 (e logo nos primeiros meses) foi uma prática muito mais liberalizante que o preconizado no texto constitucional. Os textos que o legislador ordinário, como sabemos, faz uma leitura muito mais liberalizante desta constituição compromissória de 1976, e isso vai gerar muita intervenção da Comissão Constitucional, mas a tendência para a prática mais liberalizante era tal que, nas sucessivas revisões constitucionais, prevalecerá o elemento mais liberal.

A lei 46/77, relativa à vedação de sectores, diz que os sectores são vedados, mas abre portas à participação dos privados nesses sectores por via da concessão. Depois de alguma evolução na jurisprudência, vem tornar-se claro que o entendimento é que há aqui uma diferença entre a titularidade e a gestão. Considera-se que a gestão é possível ser de privados, sem pôr em causa a vedação de sectores. Até à revisão de 1982, este tipo de jurisprudência não causa qualquer problema, porque até à revisão de 1982 qualquer meio de produção cuja titularidade ou gestão seja pública pertence ao sector público. Isso só é alterado a partir da revisão de 1982, quando se introduz aqui o elemento de bastar que a gestão seja privada para o meio de produção ir para o sector privado.

Houve algumas tentativas de alteração desta Lei 46/77, sempre analisadas ao nível da jurisprudência constitucional. Umas foram aceites, outras não, e outras ainda com restrições. A mais importante foi a lei 88-A/97, que é vista até como precursora da revisão de 1997. Esta lei vai permitir, no seguimento da ideia de que a concessão é possível sem pôr em causa a vedação de sectores, o acesso de privados aos sectores vedados, restringindo a vedação de sectores àquilo que considera como "apropriação". A titularidade, a propriedade, não pode ser posta em causa, mas o acesso dos privados é possível desde que seja regulado e sem pôr em causa a apropriação desses mesmos meios. Este tipo de filosofia é já típico desde 1982, desde a segunda revisão constitucional. Esta evolução foi ainda assim muito positiva em termos económicos.

Com a revisão de 1997, a vedação de sectores passa a ser considerada como uma mera possibilidade, sem obrigatoriedade. Quando passa a mera possibilidade, dizem os autores que realmente há uma conjugação de elementos que nos permitem uma nova leitura dos elementos económicos vigentes, que nos permitem uma leitura no sentido da prevalência do sector privado, contrariamente ao que existia na versão inicial da Constituição de 1976.

Considera-se então que a partir daqui podemos falar de um novo modelo económico, modelo esse que põe de parte um Estado fortemente interventor em prol de um estado regulador. Este modelo não põe ainda em causa um conjunto de elementos relativos ao estado social, apesar de este estar fortemente ligado a uma grande intervenção por parte do Estado. O que se faz é complementar esse Estado social com a intervenção dos populares, permitindo que eles se substituam ao Estado e que sejam eles a fornecer um conjunto de serviços, ainda que considerados essenciais e ainda que subvencionados pelo Estado.

Este é o último ponto relativo ao sector privado, pelo que seguidamente passaremos ao sector público.

O sector público pode ainda ser dividido em quatro pontos:

1. Conceito;
2. O sector público na União Europeia;
3. As nacionalizações;
4. O sector empresarial do Estado.


1. CONCEITO

QUANTO AO CONCEITO DO SECTOR PÚBLICO E À SUA EVOLUÇÃO, NA VERSÃO inicial da Constituição temos um sector público alargado, definido quer pela titularidade quer pela gestão dos meios de produção. Este sector englobava ainda elementos relativos ao sector social.

Em 1982 há logo uma restrição ao conceito do sector público, não por via de uma alteração directa do seu conceito mas pelo efeito da reconceptualização, mais alargada, de sector privado.

Na revisão de 1989 temos ainda a passagem do subsector social, que estava integrado no sector público, para o sector cooperativo, que passa a ser sector cooperativo e social.

Fomos tendo um emagrecimento da noção de sector público, e uma perda de importância do sector público face ao sector privado.

A ideia da existência de um sector público tem que ser associada à intervenção económica directa – não falamos pois de um Estado regulador do funcionamento de um dado mercado, mas sim de entidades públicas que desenvolvem um papel activo enquanto agentes económicos, falando-se por isso de intervenção pública directa. Essa intervenção pública directa, como já referimos, foi fortemente potenciada por via das nacionalizações, que permitiram um enorme alargamento do sector empresarial do Estado. Não se pense, no entanto, que no modelo constitucional económico de 1933 não existia um sector empresarial do Estado, e que o Estado era só dirigista face à Economia. Já na vigência da Constituição de 1933 havia um conjunto de empresas pertencentes ao Estado, e pela via da intervenção pública directa o Estado fornecia alguns bens e serviços. A dimensão era menor que a prevista na Constituição de 1976, sendo o programa político e económico do ponto de vista socialista e marxista bem mais extenso que o previsto no anterior modelo constitucional. Isto por via das nacionalizações, que permitiram a existência de um amplo sector público, que só se vai dissipar quando se começar com as privatizações, que decorrem quase ao mesmo tempo que o fim do princípio da irreversibilidade das nacionalizações.

Aula teórica de 17 Novembro 2006:

Hoje vamos continuar a falar do sector público.

O conceito de sector público não foi substancialmente alterado ao longo das revisões constitucionais, retenhamo-lo, por si mesmo – a sua definição acaba por ser é afectada, digamos assim, pela redefinição do sector privado, que restringe o sector público.


2. O SECTOR PÚBLICO NA UNIÃO EUROPEIA

Dissemos já na última aula que por um lado, apesar de o sector público português ser extremamente amplo em termos de dimensão, dado que ocorreram um conjunto de nacionalizações que aumentaram exponencialmente a capacidade de intervenção no âmbito do sector público, esta dimensão não é ofensiva, ou não está desenquadrada, dos outros estados membros das comunidades europeias. A Europa alinha toda dentro de um modelo de estado social com intervenção por parte do Estado, e só nos finais dos anos 70 e 80 que começa a haver uma diferente política a este nível. Em 1976, a dimensão que o sector público assume não é uma dimensão que ponha em causa o paralelismo com os outros estados membros. O que não se enquadra é a própria génese desse próprio sector público, que ocorreu por um conjunto de nacionalizações e de alguma forma por uma ofensa ao direito de propriedade previamente estabelecido.

Dentro desta ordem de ideias, é de salientar que desde logo o Tratado de Roma não vai pôr em causa a estrutura de propriedade dos meios de produção existentes nos diferentes países. Isso é logo referido no Art.º 295º do Tratado, que refere que o que vem estabelecido nesse Tratado nem nada prejudica o regime de propriedade existente nos diversos Estados membros. O que se pretende com o Tratado é estabelecer um conjunto de regras de nível económico que abranjam todo o espaço europeu mas não se pretende pôr em causa a estrutura de propriedade existente em cada um desses Estados. Quando se fala aqui da estrutura de propriedade, está-se a ter em questão sobretudo o sector público. É que as normas do Tratado defendem a abertura de fronteiras dos diversos Estados membros, portanto com um pendor mais liberal, mas defendem também a liberdade de iniciativa, de acesso, de estabelecimento económico.

Não obstante esta definição do Art.º 295º do Tratado de Roma, a Comissão e a jurisprudência acabaram por confrontar sempre esta disposição com outra do Tratado, existente no Art.º 4º, que diz respeito às regras de mercado e concorrência. A Jurisprudência e a Comissão vêm, de alguma forma, fazer prevalecer esta norma do Art.º 4º relativamente à do Art.º 295º, no sentido em que vêm dizer que o regime de propriedade não é posto em causa, mas há um aspecto fundamental que tem que ser respeitado de forma sistemática, e esse elemento diz respeito à existência do mercado e à concorrência.

O mercado e a concorrência vão pôr em causa elementos importantes presentes na generalidade dos sectores públicos dos estados membros. Podem existir sectores, sim, mas têm que estar sujeitos aos princípios basilares no sector privado. Diz-nos então a Comissão que a jurisprudência que o Estado pode ter bens, pode intervir no mercado, mas como um particular – os auxílios do Estado não podem ser mantidos em termos de haver subvenções sistemáticas de subsídios a fundo perdido a determinadas entidades, sendo que essas entidades actuam num mercado concorrencial. Esta matéria teve desenvolvimento em diversos campos, nomeadamente na aviação – com a entrada dos privados em grande número neste mercado, a possibilidade de ajuda dos Estados Membros às companhias que detêm foi sempre restringida a nível da Comissão e da jurisprudência, não se aceitando esse tipo de subvenções, podendo dizer que esses auxílios vêm pôr em causa a concorrência. A preocupação aqui, a nível da União Europeia, foi no fundo uma preocupação em defender o sector privado de uma concorrência desleal por parte do sector público, cujos dinheiros vêm em grande parte do sector privado por via dos impostos.

Associado a esta ideia de que têm que prevalecer em termos de sectores de propriedade e em termos económicos, a concorrência e o mercado, surge a directiva relativa à transparência das relações financeiras do Estado – a Directiva 80/723. Esta directiva vai exigir um grande pudor por parte do Estado no relacionamento com as diversas entidades, mormente as do sector público. Para se ter uma noção precisa se o Estado anda ou não a actuar dentro das regras do mercado relativamente às empresas e entidades que de alguma forma controla.

Esta ideia é uma ideia que põe em causa a estrutura e as estruturas normais dos sectores públicos, como eram entendidos até este tipo de intervenções mais rígidas por parte da Comissão e da jurisprudência da União Europeia. O que temos vindo a assistir é que, quer os Estados quer as entidades privadas dos Estados membros, vão, junto da Comissão e dos Tribunais Comunitários, apresentar as suas queixas, geralmente contra o Estado -contra aquilo que consideram ser actuações que não respeitam as regras do mercado e da concorrência por parte de empresas do Estado.

Este caminho que tem sido percorrido a nível da União Europeia tem-no sido a pequenos passos. Já houve, neste momento, uma grande restrição na obtenção de privilégios por parte das empresas públicas. Tem sido um caminho difícil, porque não é de um momento para o outro que se altera a estrutura económica de actuação do Estado (?). O que tem vindo a acontecer é que o sector público dos diversos estados-membros tem vindo a diminuir, quer por via de um novo papel dos Estados quer por via das privatizações, e o sector público de alguma forma tem sido despojado de alguns privilégios, nomeadamente no campo do Direito Administrativo, e a tendência vai para a aplicação das regras privadas. Essa aplicação começa a ser vista cada vez com maior facilidade, dado os autores considerarem que com esses mecanismos e regras se consegue atingir maiores níveis de eficiência, fazendo com que a população, para serviços melhores, pague menos impostos

Por outro lado, um emagrecimento do sector público e com a actuação do sector público mais próxima do sector privado, o Estado, tendo uma menor dimensão, vai ser um Estado menos interventor do que na versão inicial da Constituição de 1976, e vai ser um Estado eminentemente regulador, pretendendo deixar funcionar o mercado sem actuar directamente nesse mesmo mercado.

3. NACIONALIZAÇÕES

Relativamente às nacionalizações, vamos falar de cinco aspectos:

3.1. Conceito de nacionalizações;
3.2. A forma como as Nacionalizações estão consagradas na CRP;
3.3. Figuras afins;
3.4. Razões ou motivações das nacionalizações;
3.5. Regime jurídico das nacionalizações

3.1. CONCEITO

Temos alguns países que têm um conceito de nacionalização bastante amplo, englobando aqui a generalidade das transferências do sector privado para o sector público, por efeito de um exercício de poder de uma entidade pública. Em Portugal, em grande parte face às figuras afins, há uma maior precisão do termo jurídico em causa.

Para a definição de um conceito jurídico sobre nacionalizações, temos que ter presentes três aspectos:

3.1.1. Coacção – não há acordo de vontades para a transferência, há um exercício de autoridade;
3.1.2. Transferência;
3.1.3. Motivação;

Temos portanto uma transferência coactiva, com um exercício de poder, e com uma determinada motivação.

O conceito de nacionalização acaba por ser um pouco mais complexo dada a forma como a nossa Constituição o configura.

Podemos ver que não temo suma disposição só para tratar das nacionalizações, ainda que haja uma disposição constitucional que fala dessa, chamando-lhe apropriação colectiva. É o caso do Art.º 83º, em que temos uma exposição relativa à intervenção e à apropriação. A apropriação colectiva é, aqui, a nacionalização.

Por outro lado, a Constituição não vai falar também em termos teóricos de nacionalização quando trata outro tipo de realidades que são consideradas como nacionalizações, designadamente as nacionalizações dos meios de produção em abandono. A questão de saber se estamos aqui perante nacionalizações ou expropriações é tratada com algum pormenor pelo Sr. Prof. Sousa Franco, mas a generalidade dos autores entende estarmos aqui perante a figura da nacionalização, apesar de o legislador constituinte lhe ter chamado expropriação dos meios em abandono.

O que é facto é que neste momento temos a distinção destas figuras – a expropriação e nacionalização – pelo que parece ter pouco sentido que a Constituição não tenha desde logo adoptado uma forma mais clara quando a estes princípios.

Quanto às figuras afins da nacionalização, temos um conjunto de figuras que são consideradas afins da nacionalização: a expropriação, a requisição, a reversão, o resgate de concessão, o confisco e a intervenção.

Consideram-se figuras afins, dado que se conseguem delimitar conceitos específicos para estas figuras, e quando delimitamos esses conceitos específicos... (completar).

A nacionalização caracteriza-se pelos seus três elementos: transferência, coacção e motivação política. A expropriação não tem uma motivação política, e é realizada por uma necessidade de utilidade pública, e assim pode ser realizada por mero acto administrativo. A expropriação veio prevista na nossa Constituição no Art.º 62º, nº 2.

A requisição é também uma figura que surge na nossa Constituição, aliás ao lado da expropriação (Art.º 262º nº 2. É uma transferência também do sector privado para o sector público, mas aqui transfere-se meramente a posse ou o gozo, mas não vai haver aqui uma transferência. A requisição, como se pode ver no Art.º 62º nº 2, implica também uma justa indemnização.

A reversão dá-se quando uma pessoa colectiva ou um organismo se extingue, e o seu património reverte para o Estado.

No resgate de concessão, a gestão que foi concessionada é retomada antes do termo... do espaço

O confisco caracteriza-se por ser a consequência de uma determinada infracção, em que há apreensão e perda a favor do Estado do bem em causa.

A intervenção, figura que como vimos surge em idêntica disposição que a nacionalização, é uma figura que não põe em causa a titularidade dos meios de produção. O Estado tem capacidade para actuar na gestão das empresas, ou dos organismos, mas não vai pôr em causa a titularidade dos mesmos.

Aula teórica de 20 Novembro 2006:

Aula teórica de 24 Novembro 2006:

Competência relativa da AR relativamente às nacionalizações

Empresas públicas e empresas privadas

Abordagem do diploma DL 558/99

Empresas públicas – influência comunitária noção de empresa publica directiva da transparência entre o estado e as empresas pública (directiva 80/723) no nosso diploma vem referida por uma influência dominante estado (qualquer entidade referente à administração central) controlo directo ou indirecto. Diferença entre o direito comunitário e do nosso direito, empresa pública qualquer uma que directa ou indirectamente o estado tem influência dominante ou possam designar mais de metade dos órgãos de administração (directiva) tem a mais na influência dominante da propriedade, da participação financeira ou das regras que disciplinam o regime societário.
A doutrina vai confrontar a nossa legislação com a directiva diz que não pode haver um âmbito tão alargado como vem referido na directiva, o nosso diploma não parece permitir fazer a análise nos termos
Uma participação de 20% do estado e os 80% estão de tal forma espalhados pela bolsa que o estado com esses 20% tem uma influência dominante embora a regra é que quem tem a influência dominante é 51%. O diploma versa sobre as empresas publicas e pretende disciplina estas, na sua 2.º parte tem que ver com as empresas participadas que são aquelas em que o estado não influência dominante (artigo 6.º), se tiver uma participação permanente aplica-se o regime do DL 558/99. Se estamos perante uma participação permanente é complexa devido ao artigo 2.º n.º 3 são empresas participadas aquelas que tiverem uma participação permanente e o conceito-base é saber se há intenção de influenciar a gestão e com base nesta noção é que se chega à conclusão que são permanentes as que não tem objectivos puramente financeiros esta ideia aparece na negativa no diploma, mas introduz-se um elemento temporal que se o estado tiver uma participação por um período superior a um ano considera-se que há objectivos de influenciar a gestão o que depois passa a integrar o SEE. O ponto 4 diz que se a participação for superior a 10% deve considerar-se como permanente, contudo há uma excepção não se aplica esta presunção quando estamos perante empresas detidas por entidades do sector financeiro do estado mesmo que sejam superiores a 10% noção base de intenção de influenciar a gestão no tocante às empresas participadas. Encerramos a 1.º parte do sector empresarial público.


Aula teórica de 27 Novembro 2006:

Na última aula falámos do Dec. Lei 558/99, relativo ao sector empresarial do Estado. Relativamente a este Dec. Lei, falámos na noção de empresa pública e de empresa participada, sendo estas as duas realidades que são abrangidas pelas regras deste diploma. Relativamente à noção de empresa pública, dissemos que tinha a sua origem na directiva relativa à transparência das relações financeiras entre o Estado e as empresas públicas. A noção de empresa pública deixou de estar assente numa estrutura jurídico-organizativa, que era no fundo a estrutura que tínhamos no nosso regime, para passar a estar assente no critério de titularidade. O critério de titularidade dado pela noção de influência dominante, que nos vai dar o enquadramento do que é considerado empresa pública. Dentro do sector empresarial do Estado vamos ter empresas pública que estão mais próximas de um regime de direito público, e outras que estão completamente dentro do regime-regra, o regime de Direito privado. Se a anterior noção de empresa pública subsistisse, nós não poderíamos ter aqui este tipo de empresas sujeitas ao direito privado, dado que na anterior noção de empresa pública tínhamos uma noção em critérios jurídico-organizativo – as empresas que tivessem um modelo jurídico-organizativo próximo do Direito privado não se enquadrariam no sector público. Esta "revolução" resulta de uma nova divisão do sector público e da empresa pública, dado que a noção de empresa pública que siga as regras de direito público vai cada vez ser mais posta de lado até para seguir as regras de Direito Comunitário – basta recordar o Art.º 4º do Tratado das Comunidades Europeias.

Na última aula falámos ainda na noção de empresa participada, referindo nesta noção que aqui predomina o critério de intenção de intervenção na gestão. Vimos ainda as excepções – participações inferiores a um ano e participações superiores a 10% que surgissem no âmbito financeiro. Vimos ainda que a noção de empresa pública vertida na Directiva é mais abrangente que a vertida no DL 558/99, e portanto este diploma não foi tão longe quanto a noção dada na directiva.

Como último ponto, referimos que está em vias de ser publicada a alteração da estrutura do regime, que pode trazer aqui novidades.

Depois de termos estabelecido os actores fundamentais do diploma, vamos ver qual o regime que se aplica a estas entidades – às empresas públicas e às empresas participadas.

O DL 558/99 não é muito longo. Tem 41 artigos, entre objecto e revogações. Relativamente ao regime aplicável, há que fazer desde logo aqui uma chamada de atenção para a questão relativa às empresas participadas. Relativamente às empresas participadas, temos duas disposições muito importantes para nos darem esta leitura do regime aplicável às empresas participadas pertencentes ao sector empresarial do Estado. Uma dessas disposições é o nº 3 do Art.º 7º, que nos diz que estas empresas estão sujeitas ao regime de Direito privado. Qual será então a ideia de trazer estas empresas participadas para o sector empresarial do Estado? O que o legislador fez foi, no nº 2 do Art.º 6º, dizer que "a integração das empresas participadas no sector empresarial do Estado se aplica apenas a respectiva participação pública". Isto é importante: o que o legislador nos diz é que se temos uma participação pública numa empresa privada, por exemplo de 15%, o que está integrado no sector empresarial do Estado, ficando sujeito às suas regras, é o montante relativo a esta participação. Ou seja: neste caso, só os 15% é que estão sujeitos ao regime do sector empresarial do Estado. Esse regime é o que se vem estabelecer no Art.º 4º, que define o objectivo da participação do Estado. Quer isto dizer que se o Sr. Silva é accionista maioritário de uma empresa em que o Estado tem 15%, o Sr. Silva não está sujeito às obrigações, objectivos e missões que o Estado tem, mas o Estado, na Assembleia-Geral, participando com esses 15%, terá o dever de ter em atenção a missão das empresas públicas, pugnando pela boa gestão da empresa e pela prossecução de objectivos públicos elencados no Art.º 4º do DL 558/99, mas sempre dentro do regime de direito privado e sempre relativamente apenas aos 15% que detém o Estado.

Voltemos agora a nossa atenção para o regime das empresas públicas e para as suas modalidades.

Relativamente às empresas públicas, temos uma vez mais o Art.º 4º, que nos fala da sua missão – orientação genérica de contribuir para o equilíbrio económico e financeiro do sector público, e de contribuir para a satisfação das necessidades da colectividade.

Quanto ao Direito aplicável, que vem na Secção II, temos aqui também inovações, inovações essas que ser inspiram no Direito Comunitário. Temos então, no Art.º 7º, a indicação de que as empresas públicas estão sujeitas ao Direito privado, e essa é a regra. As excepções são as que estiverem previstas neste diploma, noutras leis ou nos respectivos estatutos. Esta regra é depois particularizada noutras disposições, que nos indicam novamente esta ideia da sujeição das empresas públicas ao direito privado – como é uma ideia nova houve necessidade de a reflectir e de a sublinhar. Temos desde logo o Art.º 8º, que sujeita as empresas públicas às regras gerais de concorrência, nacionais e comunitárias; no nº 3 desta e Art.º 8 temos uma regra que se inspira na directiva da transparência; no Art.º 9 temos uma especificação relativa às próprias regras da concorrência, que nos vem dizer que as empresas incumbidas da gestão de serviços de interesse económico geral são empresas cujo regime tem que ser aceite, independentemente destas regras a concorrência. Estas empresas estão de alguma forma também excepcionadas das regras de transparência, por se entender que podia haver aqui algum tratamento excepcional do Estado com estas empresas. Na tradição jurídica portuguesa, que deriva aqui da francesa, estas são em regra as empresas do chamado "serviço público". Veremos isto melhor.

O diploma fala-nos ainda da função do Estado – quem é que exerce as funções como accionista, que incubem ao Ministério das Finanças, e diz-nos no seu Art.º 11º que "o Estado pode emitir orientações estratégias relativamente às empresas públicas". Há aqui uma diferença entre orientações estratégicas e tutela do Estado. AS orientações estratégicas (Art.º 11º) não permitem intervenção directa. Mas há um tipo de empresas públicas que admitem tutela que não se fica pelo tipo de orientações estratégicas como aqui o demonstrámos. Pretende-se aqui no fundo responsabilizar os órgãos de administração e fiscalização das empresas no sentido de lhes dar competência e autonomia para a gestão das empresas – libertando os Ministérios dessas tarefas.


Mas essas empresas públicas, encarregues destes serviços de interesse económico geral, e a forma como está redigido o diploma, causa-nos alguns problemas desde logo pelo texto do Art.º 19º, que prevê a possibilidade de contratos de concessão. A partir daqui, a doutrina tem entendido que é possível a empresas privadas prosseguirem serviços económicos de interesse geral, se os mesmos constarem de um contrato de concessão. Temos aqui novamente a ideia de direito comunitário, de uma mistura entre o sector público e o sector privado. Essa mistura foi ao núcleo central dos serviços de interesse geral, que o Estado tem que assegurar. Esta ideia, presente no Art.º 19º, é claramente confirmada no nº 4 do Art.º 36º (ou será 26º?), que nos diz de forma explícita que às empresas privadas que tenham a concessão de serviços económicos de interesse geral é aplicável o disposto, etc. etc.

Aqui entende-se pois que o Estado tem que garantir estes serviços, e nesta garantia compreende-se a existência dos privados – que, em princípio, farão o mesmo serviço com muito mais eficiência, tendo portanto todos a ganhar com a entrada dos privados.

O Art.º 21º fala de contratos com o Estado, e fala também de indemnizações compensatórias. Fala-se aqui da possibilidade de subvenções a empresas que prestem serviços económicos de interesse geral.

Um outro grande grupo de empresas públicas são as entidades públicas empresariais (corrigir a denominação que estava acima). As entidades públicas empresariais, previstas no Art.º 23º e SS., eram um grupo de empresas que se consideravam moribundas ou em fase de extinção, veio prevista neste diploma para agrupar um conjunto de empresas que tinham uma estrutura organizativa jurídico-organizatórias públicas não tinham sido criadas como sociedades anónimas, foram criadas por Decreto-Lei, com uma génese organizativa pública, e que se baseavam nos anteriores critérios de empresa pública. No entanto, nos últimos dois anos temos visto renascer estes fenómenos das entidades públicas empresariais, aumentando assim em grande parte o número deste tipo de empresas, que quando o Decreto-lei foi aprovado não eram mais de vinte, mas que hoje renascem, com um importante papel a desempenhar no sector empresarial do Estado.

Qual é a diferença entre as entidades públicas empresariais face às empresas públicas? Estas entidades públicas empresariais distinguiam-se essencialmente por a sua criação ser de índole pública. Tinham também outras diferenças, que se viam desde logo numa maior capacidade de intervenção do Estado, dado que não são aqui apenas admissíveis as orientações genéricas previstas no Art.º 11º, mas havendo também um regime de tutela, previsto no Art.º 29º, que permite uma maior intervenção por parte do Ministro das Finanças e pelo Ministro do sector em causa. Há ainda um plano mais rigoroso no âmbito da apresentação de contas e da gestão.

Além destes três grupos de empresas "públicas", fala-se por vezes também de empresas públicas com poderes de autoridade. Elas podem ser quer um quarto grupo, se não forem nenhum dos três grupos, ou podem ser uma entidade e Esses poderes públicos podem ser atribuídos a determinadas empresas, como se prevê no Art.º 14º.mppúibl empresarial ou uma empresa pública encarregue de serviços de interesse económico geral. Essas empresas podem ter poderes de autoridade, conferidos no âmbito do Art.º 14º. Estes poderes admitem poderes relativos a expropriação pública, licenciamentos, etc. – Art.º 14º nº 1, com três alíneas que nos dão alguns tipos de poderes de autoridade. Diz-se ainda que estes poderes especiais são atribuídos por diploma lega, em condições excepcionais, e com critérios de proporcionalidade (na medida do estritamente necessário à prossecução do interesse público).

No nº 2 do Art.º 14º, quando falamos de poderes de autoridade para prosseguir determinados serviços, fala-se também de um contrato de concessão que a doutrina nos vem dizer é que estes poderes de autoridade parecem também poder ser atribuídos a entidades privadas.

Nesta aula vimos então o regime das empresas públicas e das empresas participadas. Falámos, no tocante ao regime das empresas públicas, no seu assentamento no Direito Privado, e nas empresas privadas Direito Privado sem excepções, ao passo que nas empresas públicas se admitem excepções. E o resto que está nos apontamentos supra.

Aula teórica de 4 Dezembro 2006:

Na última aula estivemos a falar da matéria relativa às empresas públicas, e verificámos, dentro do sector empresarial do Estado, o regime que afecta as empresas públicas e as empresas participadas. Relativamente às participadas, o regime do sector empresarial do Estado só se aplica às participações do Estado, e não dos particulares que sejam também accionistas dessas empresas. Falámos ainda das empresas públicas, e dentro das empresas públicas referimos os vários tipos de empresas públicas: entidades públicas empresariais (empresas cuja origem é de natureza pública, são criadas por Decreto-Lei, em termos organizacionais e jurídicos têm uma génese não privatística, que tenta recuperar a anterior noção de empresa pública, antes da adopção da noção comunitária), EPEs que têm alguns traços em que o Estado tem um papel mais activo, nomeadamente a nível de tutela, com obrigações a nível da informação, da contabilidade. Temos ainda as empresas públicas encarregues de serviços de interesse económico geral (que se caracterizam por prosseguir o que anteriormente chamávamos serviços públicos), sendo que esta noção de empresas públicas que perseguem este tipo de objecto tem natureza comunitária e tem vindo a substituir a nossa noção de serviço público, pois a partir deste objecto consegue-se algumas alteração ao regime a que estão sujeitas as empresas pública em geral, designadamente por todo o conjunto de Direito privado a que estas empresas estão sujeitas. Por conseguinte, estas empresas podem ver afastadas algumas regras de Direito privado se estas empresas prosseguirem estes fins, mas apenas quando prossigam estes fins. Falámos ainda de empresas públicas investidas de poderes de autoridade, e dissemos em que circunstâncias é que elas assumem esses poderes (está no diploma). Falámos ainda de um quarto tipo de empresas públicas, mas que podem estar misturados entre si – os tipos. Podemos ter empresas públicas com poderes de autoridade que prossigam fins de interesse económico geral, entidades públicas empresariais que prossigam fins de interesse económico geral e que tenham poderes de autoridade, etc. etc.

Continuando a nossa matéria, vamos falar um pouco da intervenção, e depois da concertação económica e social e do contratualismo económico.

Retenhamos para já que ainda estamos no sector público. Como já vimos, a Constituição de 1976 e o modelo económico que ela trouxe acarretou um alargamento exponencial do Estado, por via das nacionalizações, o que conduziu a uma maior capacidade de intervenção do Estado. Essa maior capacidade de intervenção do Estado liga-se a uma corrente de pensamento que não segue o mesmo ideário das correntes liberais – o que se pretende é criar um estado social. Com isso tornou-se necessário criar um amplo conjunto de entidades que prossigam os fins considerados indispensáveis para o Estado alcançar os seus fins. Cria-se assim um sector empresarial do Estado bastante forte, que possibilita essa intervenção. Mas quando falamos de um Estado intervencionista não falamos só desta intervenção directa a nível económico. Ainda hoje, há autores que entendem não estarmos ainda em condições de falar de um estado meramente regulador – o intervencionismo não se esgota na parte empresarial, e temos ainda hoje intervencionismo quando falamos num Estado legislador, num Estado que se vai ocupar do ponto de vista económico da actividade do mercado, legislando sobre a matéria, tendo ainda um Estado intervencionista quando esse mesmo Estado pretende alterar o comportamento do mercado. Daí não podermos pensar que todos aceitam como dado adquirido que passámos p0ara um estado Regulador – há quem considere que o actual Estado português tem uma ampla capacidade de intervenção, sem de que não pretende desfazer

O que é facto é que cada vez mais, o Estado vai abdicando de uma actuação directa na economia, anulando parte do sector empresarial do Estado – o que sucedeu em grande parte no processo das privatizações, mas não só. Quando o Estado dá a determinados privados a possibilidade de prosseguirem interesses públicos (saúde, educação...), estamos a assistir a uma nova intervenção de privados em áreas tendencialmente públicas. Quando o Estado se afasta dessas áreas em termos de intervenção directa, sente necessidade de regular o que se passa nesses sectores. Daí ouvirmos falar mais em Estado regulador e menos em Estado intervencionista – o Estado pretende controlar, delimitar, a actuação dos privados, permitindo assim que e consigamos níveis de bem-estar que eram proporcionados pelo Estado interventor, mas agora de forma mais eficiente. Os privados não têm, no entanto, autonomia total.

Quando falámos num Estado interventor, essa intervenção fazia-se de forma directa (através da ordenação económica), e através de uma tentativa de alterar os comportamentos dos agentes económicos. Um instrumento que é bastante citado para conseguir estes propósitos é o caso dos planos económicos. Em Portugal, não temos grande tradição de planos económicos – apesar de já serem conhecidos na vigência da Const. de 13 os "planos de fomento". O plano económico foi sempre um pouco difícil nos nossos modelos económicos, não tanto a sua elaboração mas antes a sua colocação em prática. Estes planos estavam mais vocacionados para as entidades públicas, permitindo um planeamento, uma delimitação de estratégias em termos de desenvolvimento. Têm elementos relativos à previsão económica, à fixação de objectiva, à escolha e obtenção de meios que se reputam aptos para prosseguir determinados fins.

Esta designação de plano económico foi caindo em desuso, apesar de haver autores que associam os orçamentos de Estado a este tipo de planeamento económico, no sentido de privilegiarem anualmente determinadas intervenções (?) face a outras.

Esta noção de planos não se reconduz apenas a regimes socialistas. Lembremos o Plano Marshall, por exemplo.

Relativamente à execução do plano, houve sempre alguns problemas na sua concretização e na sua racionalização, pelo que os planos que foram elaborados nunca tiveram grande importância a nível do nosso modelo económico. De qualquer forma, é um elemento importante para compreender o intervencionismo, e para compreender que havia aqui uma visão ampla...

Com a evolução do estado financeiro dos Estados, foi-se chegando à conclusão que este modelo de intervenção e de Estado social estaria condenado a fracassar, porque se chegou à conclusão que os crescentes recursos que seriam necessários para manter o intervencionismo do Estado seriam altíssimos, o que acarretaria acréscimos graves a nível fiscal para que o Estado pudesse manter toda essa sua actividade económica, já que os custos estavam sempre a aumentar – e com eles o deficit.

Quanto à nova filosofia de intervenção do Estado, a regulação, surge ao lado da regulação a realidade da concertação social e do contratualismo económico.

Quanto ao contratualismo económico, temos aqui formas de actuação baseadas não numa intervenção unilateral, como no intervencionismo, mas sim numa intervenção bilateral, que resulta de um encontro de vontades entre o Estado e os privados. A ideia da concertação económico-social é também baseada nesta tentativa de encontrar aqui pontos de acordo, pontos de convergência, entre o Estado e os privados e não propriamente em actuações unilaterais.

Nesta forma de actuação, temos um maior diálogo. O Estado tende a abdicar de intervenções em que surge com vestes de autoridade, para tentar encontrar aqui níveis de consenso.

Quando falamos de concertação económico-social, não podemos deixar de pensar nalgumas formas de neo-corporativismo, tal como já tinham sido tentadas noutras fases do modelo económico.

Esta nova ideia de concertação económico-social surge também por via de uma maior transparência da actuação do Estado, e essa maior transparência resulta na publicação dos ante-projectos de qualquer legislação (os anteprojectos são discutidos, a população é chamada a discutir), algo que, a nível social, permita a subsistência e até o melhoramento por parte dos privados desses mesmos projectos.

A nível formal, sobre concertação o primeiro domínio onde esta ideia aparece referida é talvez o domínio laboral. A concertação económico-social teve sempre alguns problemas de implementação em Portugal. Esses problemas resultaram de uma certa instabilidade, tanto a nível político como a nível empresarial e social. Houve sempre uma certa dinâmica, tanto a nível sindical como a nível das diversas forças que compõem estes grupos de concertação, onde se registou uma certa contestação, alguma dificuldade em que as partes se sentassem e dessem realmente contributos positivos no sentido de permitir alcançar os melhores resultados. A instabilidade política, considera-se, foi também um momento que provocou alguns danos nesta tentativa de concertação económico-social, pelas rupturas permanentes que originou. Ainda assim, tem sido um factor de melhoria a longo prazo.

Noutro tipo de países, como os países nórdicos, a concertação económico-social tem evoluído de forma bastante sólida aos logo dos tempos, em países em que os parceiros sociais têm tido uma atitude mais proactiva.

Outras formas de redução da acção unilateral do Estado verificam-se na descentralização, e depois nas formas de contratualização – contratualização quando o Estado formaliza acordos com os privados nem certas áreas, com um conjunto de direitos e deveres, em que os particulares aceitam e se empenham nisto. Este tipo de contratualização acaba por ser ainda algum ponto de relação a nível pessoal. Estes contratos podem ser do mais diverso tipo, tendo-se verificado um aumento significativo de...

Vamos entrar agora noutra matéria, que é a das privatizações. Esta matéria só será abordada na aula teórica de 15, já que na próxima aula teremos aqui teste. Pede-se, a respeito das privatizações, que se veja a matéria. Falaremos em termos gerais dos objectivos e das privatizações em geral, entrando depois nas privatizações no caso português – motivações, modalidades, e regime específico. A Constituição e a Lei 11/90 são aqui chaves. Quando falamos de privatizações, podemos falar de empresas públicas, e portanto podemos falar das participações permanentes do Estado. Nós vamos ter um regime diferente da alienação das participações que é diferente do que se utiliza.

RELAÇÕES ECONÓMICAS INTERNACIONAIS E DIREITO DA ECONOMIA

Aula teórica de 5 Janeiro 2007:

Vamos hoje continuar com as privatizações, que iniciámos na última aula.

Na última aula falámos das privatizações em geral, e enquadrámos esta matéria na mudança do modelo constitucional intervencionista para um modelo regulador. O modelo inicial, eminentemente interventor, deu lugar a uma nova postura, onde é dado um peso relevante ao proceder-se a alienações de grande parte do sector do Estado, através das privatizações.

As privatizações surgem de acordo com uma nova filosofia, que tende a ver no papel do Estado um papel que não deve ser o de prestar necessariamente todos os serviços em termos directos, mas sim permitir que essas necessidades sejam satisfeitas por diversas vias, que incluem também os privados, que passam a ter acesso a zonas que eram eminentemente públicas. Este esvaziamento das funções do Estado resulta num aumento de funções, não directas mas indirectas, funções de índole reguladora – o Estado regulará os privados no que dantes fazia em termos directos.

Referimos ainda que, nesta evolução e nas privatizações, Portugal não está sozinho. De facto, a maioria dos outros estados europeus tinha um sector empresarial do Estado com dimensões idênticas às do nosso sector empresarial do Estado. A diferença estava na génese. Em Portugal houve apropriação colectiva dos meios de produção, na sequência da revolução de 25 de Abril de 1974, o que não aconteceu na maioria dos outros estados.

Tivemos ainda mais algumas dificuldades em realizar esse processo, essencialmente por disposições de ordem constitucional que previam a irreversibilidade das nacionalizações, impedindo assim a que se pudesse privatizar de forma célere. Foram necessárias algumas revisões constitucionais para retirar os limites que estava impostos, e assim iniciar o movimento das privatizações.

Por outro lado, na última aula falámos ainda da crise do Estado social, e a este propósito referimos que estaria em causa:
1. Elevada carga fiscal;
2. Enorme despesa pública;
3. Grandes evoluções a nível tecnológico, incompatíveis com a capacidade de modernização do Estado, e que permite agora aos privados desenvolver um conjunto de actividades até então restritas ao Estado;
4. Internacionalização, que faz com que existam muitos privados com uma enorme capacidade de actuação;
5. Uma visão pouco favorável a privilégios por parte do Estado, ao nível da União Europeia;
6. A própria atitude dos governos face aos deficits excessivos e insustentáveis.

Falámos ainda nos aspectos negativos do Estado social, e nas motivações das privatizações em geral: motivações ideológicas, económicas, políticas, financeiras e europeias.

Falámos ainda nos diversos modelos de privatização – venda em bolsa, negociações directas, vendas aos trabalhadores, etc. As negociações directas e vendas aos trabalhadores tornam-se por vezes necessárias até para fazer face a situações em que não existem grandes potenciais interessados, ou quando as empresas estavam em grandes dificuldades.

Falámos ainda do destino das receitas, que acaba por ser sempre um elemento de grande enfoque, porque a generalidade da população vê com algum desagrado o desagregamento do Estado social. Para «acalmar os ânimos», considera-se que o desmembramento do sector empresarial do Estado não deve ocorrer esvaziando-se os valores subjacentes a esse mesmo sector empresarial do Estado. Daí que, na generalidade dos países, o destino das receitas tenha que ir para determinados elementos, ou para despesas públicas ou para despesas determinadas, sem possibilidade de fazer outro tipo de utilização dessas verbas.

Como consequências, falámos no reforço do lucro económico privado, que pode trazer como consequência o afastamento dos privados. Como regras comparativas relativamente a outros países, considera-se que as privatizações permitiram uma redução de peso das empresas públicas no PIB, que há uma maior eficiência, a modalidade regra escolhida foi a oferta pública, houve, na maioria das situações, um desconto de pré-venda (penso), e houve ainda investimento estrangeiro e golden shares na generalidade dos países.

Falámos depois nas privatizações em Portugal. Relativamente às privatizações em Portugal, tivemos logo aqui uma dificuldade nos regimes legais. Esta dificuldade prende-se com as nossas disposições constitucionais por um lado, e por outro a subsistência de dois regimes diferentes, ou até três – a lei 11/90, a lei 71/88 e o regime previsto na al. L) do Art.º 165º da CRP. O que dissemos foi que, quando falamos das privatizações em Portugal, falamos das privatizações em sentido restrito, e da passagem da titularidade do sector público para o sector privado. Há autores que falam das privatizações em sentido bastante mais lato, englobando aqui as próprias concessões. Referiu-se ainda que o regime previsto no Art.º 296º da CRP era um regime que exigia uma lei-quadro especial para um determinado tipo de privatizações. Esse tipo de privatizações seriam aquelas que resultassem da privatização de empresas que tenham sido nacionalizadas na sequência do 25 de Abril. Ou seja: estão fora deste regime, e consequentemente fora da Lei 11/90, todas as privatizações que não tenham por base empresas que tenham sido nacionalizadas na sequência do 25 de Abril de 1974. Dissemos ainda o que o º2 do Art.º 296º da CRP não englobasse no seu âmbito empresas indirectamente nacionalizadas, mas não foi essa a opção do legislador, pelo que todas as empresas directa ou indirectamente nacionalizadas estão abrangidas pelo regime do nº 1 do Art.º 269º, e consequentemente da lei 11/90. As restantes empresas ficam sujeitas ao regime previsto na al. L) do Art.º 165º, ou seja, a sua privatização tem que ser determinada por uma lei da Assembleia da República, ou por uma lei que autorize o Governo a legislar (competência relativa, lembre-se).

Resta-nos ainda a lei 71/88. Esta lei fala-nos da alienação das participações do Estado, e é potencial aqui haver confusões na sua aplicação. A lei 71/88 para alguns deveria ter sido revogada aquando da entrada em vigor da Lei 11/90 ou de outro regime que deveria ter sido feito. Mas não foi essa a opção do legislador. Assim, vamos considerar que a lei 71/88 vai abranger as privatizações que tenham em causa participações, permanentes ou não, do Estado, mas nos casos em que não sejam empresas públicas, e portanto nos casos em que não estejam essas privatizações abrangidas pela lei 11/90. Ainda quanto à lei 71/88, temos então as participações do Estado mas podemos ter também empresas públicas, porque esta lei nos fala de participações maioritárias e minoritárias. O que a doutrina tem entendido é que não estão abrangidas pela lei /1/88 as entidades que sejam detidas a 100% pelo Estado. Se tivermos uma participação do Estado numa determinada empresa, seja ela minoritária ou maioritária (30 ou 60%), vamos aqui sim aplicar a lei 71/88. Se estivermos perante uma entidade nacionalizada na sequência do 25 de Abril, aplicamos sempre a lei 11/90, independentemente da sua forma jurídica – seja ela sociedade anónima, instituto público, entidade pública empresarial...

Outro aspecto a frisar é que não consideramos estar perante uma privatização quando há uma alienação do sector público para o sector público. Se tivermos uma alienação em que o Estado vende uma empresa pública a um instituto público, havendo pois uma reestruturação na estrutura empresarial do Estado, não estamos perante uma privatização, e não podemos por isso aplicar as regras da lei 11/90.

Face ao aumento das questões subjacentes às nacionalizações, e por ter sido um processo com motivações políticas em que se considerou que mudou o modelo a prosseguir em 1976, deixando de estar presentes os motivos que levaram às nacionalizações nessa altura. Ora então o legislador constituinte tinha várias opções. Os bens podiam reverter para os seus antigos titulares, mediante o pagamento de determinados montantes, mas não foi essa a opção seguida. Considerou-se que essa era uma situação delicada, e carecia aqui de algumas regras suplementares. Essas regras foram determinadas no texto constitucional, contrariamente ao que é usual na nossa Constituição. O legislador constituinte foi de tal maneira preciso que a lei 11/90 não vai ser muito mais precisa no desenvolvimento dos preceitos constitucionalmente determinados. Assim, na nossa Constituição indicou-se que teríamos três modalidades preferenciais de alienação:
1. Concurso público;
2. Oferta na bolsa de valores;
3. Subscrição pública.

A lei 11/900 vai depois, a nível excepcional, permitir ainda que subsista a venda directa e o concurso limitado, em determinadas condições, designadamente uma de três: subsistindo o interesse nacional ou a estratégia do sector, ou se a situação económica ou financeira da empresa o exigir. Aproveitando pois a possibilidade dada pelo legislador constituinte, que nos fala em três modelos preferenciais, o legislador ordinário acabou por introduzir aqui um bocado mais de possibilidades, com a lei 11/90.

O legislador constituinte pois ainda regras quanto ao destino das receitas: amortização da dívida pública, de dívidas resultantes das nacionalizações, etc. Está na Constituição. Pôs ainda uma disposição interessante quanto aos trabalhadores, que dá duas regras: por um lado, indica que se mantêm os seus direitos e deveres, o que pode criar enormes dificuldades em termos de gestão de algumas empresas. Temos também uma norma sobre subscrição preferencial. Estas duas regras, de acordo com alguns autores, resultam ainda de uma visão bastante socialista, que tende a valorizar o papel dos trabalhadores nas diversas opções de modelos económicos prosseguidos. Apesar de haver aqui uma clara pressão a nível de um maior liberalismo, sente-se também uma defesa dos trabalhadores. Temos ainda outra regra, que nos indica que deve haver uma avaliação prévia. Ou seja: houve aqui algum cuidado em termos de existir um certo grau de transparência na privatização destas entidades. Essa transparência é dada quer pelas modalidades que são exigidas para as privatizações, quer pela existência de uma avaliação prévia a qualquer tipo de alienação.

Entrando agora na lei 11/90, este é um diploma que tem 28 artigos, não sendo portanto muito extenso. Esta lei repete um pouco os preceitos constitucionais existentes, sem optar por criar um regime tão transparente quanto o que seria desejável. No Art.º 1º, temos o âmbito de aplicação do diploma, que se vai aplicar à reprivatização da titularidade dos meios de produção nacionalizados depois do 25 de Abril de 1974. Entende a doutrina que na verdade só estão abrangidas as que foram efectuadas por via do processo revolucionário, não todas as que foram feitas após o 25 de Abril de 1974. Por outro lado, abrange também as nacionalizações directas e as indirectas, por via do previsto quer no nº 1 quer no nº 2 do Art.º 296º da CRP. Nacionalizações directas são as que são feitas directamente, e indirectas são as que são nacionalizadas, digamos assim, por arrasto das nacionalizações directas – empresas que muitas vezes não estão sequer em sectores essenciais da economia.

Temos ainda a avaliação prévia, prevista no Art.º 5º, que deve ser feita por duas entidades independentes, escolhidas em concurso realizado para o efeito. Considerou-se que não bastava uma entidade, mas eram precisas duas. A avaliação prévia feita por entidades independentes permite uma maior certeza quanto ao valor a atribuir a determinada empresa.

Aula teórica de 8 Janeiro 2007:

Na última aula começámos a estudar a lei-quadro das privatizações (Lei 11/90). Primeiro, fizemos uma breve abordagem sobre a temática tal como vem prevista no Art.º 296º da CRP. Agora precisamos ver as normas que estão previstas no Art.º 296º da CRP. Vimos as quatro alíneas que versavam sobre as modalidades das privatizações, destino das receitas, papel dos direitos dos trabalhadores e normas relativas à transparência.

Vimos que o âmbito de aplicação da Lei 11/90 estava bem determinado pelo Art.º 1º, ou seja, apenas para os bens nacionalizados após o 25 de Abril. No entanto, a doutrina entende unanimemente que esta lei-quadro só abrange os bens nacionalizados na sequência do 25 de Abril, e não de outro tipo de movimentos. Este âmbito de aplicação, é bom frisar, carece de alguma reflexão, especialmente porque há muita tendência para haver aqui confusão na aplicação do diploma, sendo que alguns alunos passam por cima do Art.º 1º, aplicado este regime a todas as realidades relativas a privatizações, incluindo a privatização de bens que não foram nacionalizados na sequência do 25 de Abril. Isto porque alguns autores se referem à possibilidade de aplicar este diploma a estas privatizações, por via do nº 2 do citado Art.º 296º penso eu. Ora quando escolhemos aplicar o diploma temos que ter em atenção o Art.º 1º do diploma, pelo que não é ode aplicá-lo a tudo. Daí este ser um regime especialmente exigente face à problemática que envolveu a nacionalização dos bens em causa, e às polémicas inerentes a essa nacionalização – a passagem dos bens do privado para o sector público por via coactiva, sem as indemnizações que se entendiam adequadas (?). As disposições do Art.º 3º, relativa aos objectivos, prendem-se com a caracterização dos objectivos gerais, genéricos, que tentam justificar no fundo esta nova ideia de Estado, que surge ao nível europeu – um Estado que passa a deixar um cariz social para se transformar numa entidade. Neste diploma não se caracteriza o novo tipo de entidade, apenas se desmembra o Estado de tipo social, digamos assim.

Temos depois um artigo, também interessante, dado que parece um bocado mal redigido e que causa depois algumas dificuldades na sua interpretação – o Art.º 4º. Este Art.º 4º é um artigo a que se faz referência sistemática nas privatizações. Tem como epígrafe "Transformação em sociedade anónima". O que sabemos é que uma determinada empresa pública, para ser privatizada, o primeiro passo é a sua passagem a sociedade anónima – a forma jurídica da entidade deixa de ser uma forma atípica, ou típica mas não sociedade anónima, e passa a ser uma forma típica de uma sociedade de capitais moderna – uma sociedade anónima. O que acontece muitas vezes, até por via do DL 558/99, a maioria das empresas públicas são já sociedades anónimas – não é necessário este primeiro passo de transformação de uma determinada empresa em sociedade anónima, porque na maioria dos casos já é sociedade anónima. No entanto, este artigo vem-nos dizer que as empresas públicas a privatizar são transformadas em sociedades anónimas por via de decreto-lei. A importância deste Art.º 4º é porque vamos ter um conjunto de outras disposições que vão fazer referência a esta norma do nº 1 do Art.º 4º. É o caso do Art.º 13º, por exemplo, ainda desta lei. Trata-se essencialmente de um diploma que vai regular a forma do processo de privatização, que tem a forma de decreto-lei, e que deverá conter outras normas relativas ao processo, como é o caso das normas que vêm no Art.º 7º nº 1, no Art.º 13º, por exemplo. OU seja, a transformação em S.A. Parece ser o que até tem menos importância nesse tal decreto-lei. Há ainda outra chamada de atenção para este Art.º 4º, que é feita no Art.º 17º – a reprivatização das empresas públicas regionais terá a forma estabelecida no nº 1 do Art.º 4º.

Já tínhamos ainda visto brevemente o Art.º 5º desta lei 11/90, que trata de uma temática paralela – a temática da transparência. Esta temática está presente em todo o diploma, no fundo. A exigência de um decreto-lei que contenha um conjunto de normas sobras privatizações é também uma exigência sobre a transparência – têm que ter aquela forma. Mas a norma mais tocante à transparência neste diploma é este Art.º 5º, da avaliação prévia, que resulta de resto de norma constitucional. No Art.º 5º, diz-se que antes do processo de privatização, antes de ser discriminado o montante pelo qual será realizada a privatização, o bem em causa deve ser avaliado pelo menos por duas entidades independentes, escolhidas mediante concurso de entidades pré-qualificadas.

Em paralelo com esta temática da transparência, devemos ainda referir não só o Art.º 5º mas também o Art.º 22º. O Art.º 22º vem-nos falar em proibições de aquisição, e é também uma disposição tipicamente vocacionada para uma maior transparência e rigor, para que não subsistam dúvidas sobre a bondade das opções tomadas. Diz-nos o Art.º 22º que não podem adquirir acções das empresas públicas a privatizar membros do Governo em funções e membros da comissão de acompanhamento das reprivatizações. Considerou-se que havia aqui dois grupos de entidades que estavam especialmente ligados às privatizações, o que faria com que essas entidades devessem ser afastadas da possibilidade de adquirir acções das empresas em causa. Considera-se no entanto que a norma é demasiado restritiva. Por um lado, vai abranger apenas dois tipos de processos – a venda directa e o concurso aberto a candidatos especialmente habilitados –, ou seja, a proibição nunca se sente só faz nas modalidades regras, mas apenas nas que são consideradas mais sensíveis, criticando-se ainda o facto de abranger apenas os membros do governo em funções e os membros da comissão de acompanhamento das privatizações (prevista no Art.º 20º). Uma das críticas que alguns fazem é que as entidades que procedem às avaliações prévias, previstas no Art.º 5º, nem sequer foram consideradas para efeitos do Art.º 22º.

O facto de existir este Art.º 22º, ainda que aquém do que seria de desejar, é um facto indiciado da transparência.

Entramos agora um pouco nos processos e modalidades de reprivatização. Vamos ter estes processos e modalidades determinadas no Art.º 6º. Teoricamente, estas modalidades vêm previstas no Art.º 6º, mas terá que vir vertida no decreto-lei mencionado no Art.º 4º nº 1. As reprivatizações podem dar-se através da alienação do seu capital social, ou ainda através de aumento do seu capital social – o Estado tem as mil acções que existem, mas emite mais mil ou duas mil, pondo as tais novas acções nas mãos dos privados. Recapitulando: são modalidades previstas para reprivatização a alienação do capital social, ou o aumento do capital social. Estas modalidades vêm previstas no nº 1 do Art.º 6º. Depois, no nº 2 do Art.º 6º, temos os processos de reprivatização. Seja por aumento de capital, seja por alienação das acções representativas desse capital, as reprivatizações podem processar-se por três modalidades regras: concurso público, oferta na bolsa de valores, ou subscrição pública. Esta regra, de resto constitucionalmente determinada, faz também apelo aos princípios de transparência. São estes os modos de reprivatização mais transparentes. São universais – qualquer entidade tem acesso aos mesmos, sem beneficiarmos à partida qualquer comprador específico, por exemplo. Mas permitiu-se desde logo que a privatização se pudesse realizar por modalidades-excepção, desde que estivessem preenchidos um de três requisitos:
1. Quando o interesse nacional assim o exigisse;
2. Quando a estratégia definida pelo sector o recomendasse;
3. Quando a situação económica ou financeira da empresa o determinasse.

O que se tem verificado é que estas exigências não têm sido muito severas, quer por parte das entidades de fiscalização que por parte da comissão de acompanhamento das reprivatizações, que têm admitido considerações genéricas. O que se tem verificado pois é que as modalidades-regra acabam por não subsistir, ou não ter a força suficiente, pois as modalidades-excepção acabam por levar avante. São modalidades-excepção o concurso aberto a candidatos especialmente qualificados e a venda directa. No concurso aberto a candidatos especialmente qualificados ou na venda directa, há aqui possibilidade de existir uma menor transparência, daí alguns cuidados adicionais. Um deles é o que vem previsto no Art.º 22º.

Relativamente a este tipo de situações, eles têm vindo a ser analisados por diversas vezes. Em Portugal, quando as empresas estão em regra complicadas, então usa-se mais esta modalidade de excepção. É o caso de empresas à beira da falência, quando são limitados e conhecidos os potenciais interessados – sejam outras empresas, sejam os trabalhadores – preferindo-se a venda directa. Quando estão em causa elementos relativos ao negócio e à viabilidade económica da empresa, prefere-se em regra o concurso aberto a candidatos especialmente habilitados. Quando está em causa o interesse nacional, tem sido difícil utilizar este argumento, por estar em causa o conceito de núcleos-duros nacionais, que estiveram em voga nos anos 80, sendo que a privatização que foi sendo feita tem tornado cada vez mais inviável o recurso a este tipo de conceitos, que também não parece aceitável invocar face às regras comunitárias. Quando muito conjuga-se com outras situações, como a estratégia definida para o sector. As regras da comunidade europeia impõe de resto que a abertura aos privados devem ser feitas a nível geral, seja a privados da União Europeia seja a privados de fora do espaço europeu. Estas duas situações de restrição dos potenciais interessados são sempre situações de excepção, que carecem de ser justificadas, e que, como vem nos objectivos do Art.º 6º, têm por objectivo contribuir para o desenvolvimento do mercado de capitais.

Aula teórica de 15 Janeiro 2007:

Na última aula estávamos a ver a matéria relativa às privatizações. Já vimos os diversos regimes jurídicos aplicáveis às privatizações – a lei 11/90, a lei 71/88 e as empresas públicas que ficam fora deste universo, e às quais é necessária autorização da Assembleia da República, uma vez que esta é que tem a competência relativa sobre esta matéria. Na última aula vimos em particular as regras da transparência quanto à lei 11/90, e começámos a ver os processos e modalidades de reprivatização, depois de fazermos uma breve referência ao decreto-lei que vai conter estas medidas, e que vem previsto no Art.º 4º da Lei 11/90. Esta lei-quadro tem poucos artigos – vinte e oito no total. Tem algumas formas respeitantes à transparência. Um dos aspectos que suscita sempre maior apreensão, especialmente quando se fala de regras anti-corrupção ou de boa actuação da Administração Pública, estas são normas que suscitam algum interesse. Quanto às disposições relativas à transparência, vimos duas em especial: o Art.º 5º, que diz que antes de se determinar o valor de uma dada empresa a alienar essa empresa tem que ser avaliada por duas entidades independentes, que vão avalizar o seu valor; e por outro lado, temos o Art.º 22º, que impõe regras de incompatibilidade quanto a pessoas que podem estar envolvidas e fazer negócio com as privatizações. Este Art.º 22º acaba por ser um pouco criticado por ser restritivo, na medida em que se aplica a situações que não seguem as modalidades-regra das privatizações – só se aplica a concurso limitado e ajuste directo, e não às restantes. Os membros do Governo em funções e os membros da comissão de acompanhamento das reprivatizações, comissão prevista no Art.º 20º, são quem não pode participar. Critica-se desde logo não estarem aqui previstas as empresas que procederam à avaliação prévia da reprivatização. Mas há outras regras que pretendem impor normas de transparência, e essas regras surgem logo nas próprias modalidades de reprivatização, nomeadamente quando se sugere que se opte por modalidades a escolher em primeiro lugar o concurso público, ou a oferta na bolsa de valores, preterindo concursos limitados ou venda directa. Estas duas últimas opções só podem ser tomadas se preencherem três condições, que são alternativas – basta preencher uma delas.

Quanto aos processos e modalidades de reprivatização, vimos ainda que a forma escolhida deve estar prevista em decreto-lei, de competência do Governo. Este decreto-lei, que vem tipificado no Art.º 4º da Lei-quadro, vem depois referenciado em várias outras normas desta lei – Art.º 7º, e especialmente Art.º 13º.

Estes processos e modalidades de privatização que vêm previstos no Art.º 6º são mais exigentes que os que estão previstos na Lei 71/88, que não vamos dar em grande pormenor. Esta lei vai aplicar-se a participações do Estado, quer sejam maioritárias quer sejam minoritárias. Para compreendermos melhor quando aplicamos a lei 71/88 ou a lei 11/90, é necessário retomarmos o regime anterior à lei 11/90. Precisamos saber que a lei 11/90 veio revogar a lei 84/88, que pretendia aplicar-se às privatizações parciais, ou seja, as entidades que estavam impossibilitadas de ser privatizadas na sua globalidade. Temos depois a lei 71/88, que não suscita grandes dúvidas, permitindo a alienação de participações, sejam elas minoritárias ou maioritárias, do Estado. Quando falamos da Lei 11/90 estamos pois sempre a falar de empresas nacionalizadas após o 25 de Abril – vide o seu Art.º 1º. Quando falamos na Lei 71/88 falamos de alienação de participações do Estado, e não de alienação de empresas públicas. Porquê? Porque o anterior regime anterior relativo às empresas públicas, o regime do Decreto-lei 260/76, determinava que as empresas públicas tivessem que ter um controlo total do Estado. Tínhamos empresas públicas só quando elas fossem detidas a 100% pelo Estado. Daí o regime do sector empresarial do Estado que temos actualmente, que consagra um regime especial para as entidades públicas empresariais, as empresas cujo capital é detido a 100% pelo Estado. Ou seja: a lei 71/88 nunca pretendeu aplicar-se às empresas públicas, mas apenas às participações sociais do Estado. Claro que temos aqui um problema: sabemos que podemos ter uma empresa pública com uma mera participação maioritária do Estado. Ora a lei 71/88 aplica-se às participações do Estado, sejam maioritárias ou minoritárias, o que pode induzir nalguns erros.

Esta lei 71/88 tem aqui também um conjunto de definições que nos permite compreender melhor o diploma, dando-nos depois o regime geral, referindo que a alienação das participações se fará por concurso público, transacção na bolsa ou negociação particular. No fundo, ao contemplar também excepções, assemelha-se um pouco ao que se passa com a lei 11/90, mas sem as garantias que estão presentes na lei 11/90. O regime do Art.º 2º é depois diferenciado conforme se trate de participações maioritárias ou minoritárias.

Com esta referência às privatizações, terminamos esta matéria e começamos agora com outro conjunto importante de matéria, a que diz respeito ao direito da concorrência.

O direito da concorrência é hoje em dia um dos pilares fortes desta cadeira. Aluno que não domine bem esta matéria e que não domine bem os conceitos, dificilmente conseguirá ter uma avaliação positiva no final dos exames. Há pois que ter algum cuidado com a matéria.

Quanto ao direito da concorrência, ele acaba por nos dar uma nova perspectiva do Estado face à sua própria intervenção na economia. Essa nova perspectiva é uma perspectiva de regulador, regulador a nível horizontal – ou seja, a nível de todas as actividades económicas. O estado social tende a desaparecer, tende a deixar de actuar directamente enquanto agente económico, e passa a regular a actividade económica para que os privados possam ocupar as áreas em que anteriormente exercia as suas actividades.

Dentro dos mercados regulados, temos diversos mercados de regulação vertical: a área da energia, a área financeira, dos seguros, das telecomunicações... Há aqui um conjunto de regras que visam circunscrever o comportamento dos agentes económicos, considerando que há actuações que têm que ser reguladas, e há entidades que te que supervisionar o comportamento dessas entidades. A par do nascimento desta nova maneira de encarar os mercados, surge ainda a existência de um conjunto de entidades privadas, que vão também ter uma actuação vigilantes sobre as regras do mercado. É o caso da DECO, por exemplo. Temos pois aqui um conjunto de articulações, que no fundo pretende fazer com que o mercado funcione em termos efectivos. O funcionamento do mercado e o direito da concorrência visa que as regras clássicas de mercado, no sentido da existência de oferta e procura, funcione em termos o mais aproximado possível no sentido de que o preço resulte efectivamente do encontro entre a oferta e a procura. Para isto acontecer, é necessário que exista oferta e é necessário que exista procura. O que os teóricos nos vêm dizer é que, ainda que exista um mercado monopolístico, ou com pouca atomicidade do lado da oferta – o que pode acontecer, por exemplo, no futuro no mercado das telecomunicações em Portugal – o que é importante que exista e que se assegure é que não haja entraves à entrada no mercado, para que possam surgir novos agentes. Os teóricos dizem-nos que estes agentes só vão surgir no mercado se o preço for artificialmente elevado, situação em que os outros agentes se vão aperceber de que há aqui possibilidade de fazer negócio. Depois desta entrada, o preço terá tendência a estabilizar. A teoria dos clássicos aqui aplica-se – no longo prazo, o mercado tem mecanismos que possibilitam o seu reequilíbrio de forma mais eficaz do que com a intervenção do Estado.

Quando falamos de direito da concorrência, falamos ainda assim de intervenção do Estado. O que o Estado vem dizer é que as regras de mercado devem existir, mas como dizia Keynes, é necessário encontrar alguns pontos de equilíbrio. O direito da concorrência é pois, para alguns, um direito anti-concorrencial em si mesmo, já que a actuação do Estado no mercado criaria danos no próprio mercado, impedindo o funcionamento dos seus mecanismos normais.

A nível da UE, o direito da concorrência tem uma perspectiva mais liberal do que a forma como tem sido encarado nos Estados Unidos, se bem que haja tendência para essa diferença de regimes se esbater. Estes regimes serão importantes depois na compreensão dos diplomas de Direito da Concorrência e dos objectivos estabelecidos bem, como da forma de aplicação destes regimes.

Em direito da concorrência fala-se muito de dano efectivo e de dano potencial. Pode ainda falar-se da concorrência como fim em si mesmo, ou da concorrência como meio.

Várias regras de direito da concorrência surgem numa de duas perspectivas:
1. Há quem considere que o direito da concorrência prejudica o mercado, e devem os seus normativos afastados (???). Defende-se aqui que a existência de um mero dano potencial, potencialmente causado pela intervenção do direito da concorrência, pode causar danos no mercado. Essa perspectiva mais exigente está relacionada com a aproximação inicial dos Estados Unidos.
2. Na Europa, tendeu-se a uma perspectiva mais relacionada com o espírito liberal, tendendo-se a fazer um exercício de comparação sobre os danos efectivos concretizados por um determinado...

Apesar de termos então que o direito da concorrência é um regime relativamente recente, o que é facto é que o Direito da Concorrência em Portugal tende a ser referido desde logo na própria Constituição de 1933, que tem disposições que se referem a esta matéria. É o caso do Art.º 34º, quando dá como incumbência ao Estado promover a formação e o desenvolvimento da economia nacional,..., visando a que os seus elementos não tendam a estabelecer entre si uma concorrência que prejudique o mercado. Ressalva-se ainda o direito do trabalhador, e a disposição
Do Art.º 7º.

Na vigência desta Constituição temos ainda a lei 71/72. Esta lei acabou por não ter vigência efectiva, porque a regulamentação que deveria ser para ela não veio.

Com a Constituição de 1976, vamos ter um panorama completamente diferente no Direito português. Esse panorama passa pelo Decreto-Lei 422/83, que introduz o primeiro regime jurídico global da concorrência. Este DL 422/83 tem um leque bastante acentuado de excepções... Estas excepções começam logo pelo próprio Estado – administração central, regional, local, e depois áreas que o estado controla – electricidade, correios, telecomunicações. São pois uma série de sectores que ficam fora do regime de direito da concorrência, dado que o princípio geral do Estado.
Depois deste diploma de 1983, aparecem os diplomas de 1993 – o Decreto-lei 3709/93 (?) e o Decreto-Lei 371/93, que introduzem alterações bastante grandes no modelo de direito da concorrência.

Quanto ao DL 371/93, que foi depois revogado pelo actual regime da concorrência, considerou-se logo que ocorreram profundas alterações na estrutura e na economia portuguesa, pautadas pelo avanço do processo de integração europeia, aparecimento de novos agentes, mormente desregulação, liberalização,... (?).

O regime foi imposto pelo DL 371/93 acaba por ser bastante semelhante ao que existe actualmente. Tínhamos quatro situações, como hoje em dia:
1. O problema dos acordos de práticas concertadas e de associações de empresas;
2. Posições dominantes;
3. Dependência económica;
4. As considerações que englobaram este diploma.

Passado dez anos, em 2003, surge a Autoridade da Concorrência, que é criada com o Decreto-lei 10/2003. Aplica-se então o regime jurídico da concorrência, previsto na lei 18/2003. A matéria relativa a esta temática está no próprio site da Autoridade da Concorrência, e há também inúmeras conferências que são sempre propostas pela Autoridade da Concorrência. Pensa-se que até Abril sairão os fascículos da cadeira em que terão um resumo desta matéria de Direito da Concorrência. Até lá, o manual do Sr. Prof. Eduardo Intze da Paz Ferreira está um pouco desactualizado, mas há inúmeros artigos publicados sobre direito da concorrência que nós poderemos consultar, sendo certo que a matéria relativa ao direito comunitário se encontra actualizada, especialmente para o nível de matéria que vamos dar.

Aula teórica de 26 Janeiro 2007:

Na próxima segunda-feira não haverá aulas nem teóricas nem práticas.

Quanto à nossa matéria, começámos na aula passada a matéria de direito da concorrência. Demos uma perspectiva geral sobre abordagem deste tema no direito português. Falaremos em seguida de uma forma geral no direito da concorrência, depois na União Europeia e depois em Portugal – ou seja, vamos passo a passo.

Já na vigência da Constituição de 1933 tínhamos algumas referências a normativos sobre a concorrência, mas a perspectiva era totalmente diferente da que se tem hoje em dia. Na vigência da Constituição Económica de 1933, na prática nunca vigorou um regime específico quanto ao direito da concorrência, já que os diplomas necessários nunca foram promulgados.

Na vigência da Constituição de 1976 dá-se o desabrochar deste direito da concorrência, devido à nova perspectiva ad actuação do Estado no direito da concorrência. O estado actuará como regulador no âmbito vertical e surgem-nos depois também as legislasse da concorrência, transversais a todo o sistema económico.

Quanto ao direito português, falámos do Dec. Lei 422/83 e ainda ao regime dos Dec. Leis 370/90 e 371/93, o último dos quais foi alterado pela Lei 18/2003, associada à criação da Autoridade da Concorrência, criada pelo Dec. Lei 10/2003. São ainda de salientar os sites da Autoridade da Concorrência e ainda um site da Europa com muita matéria desta área.

Quanto à Autoridade da Concorrência em especial, quanto ao Dec. Lei 10/2003, a AdC é a entidade que tem competência para aplicar a lei da concorrência, é uma pessoa colectiva de direito público, e tem competência para tutelar (será? Não me parece) com as autoridades de sectores especiais – CMVM, etc. Ou seja, em suma, centralizou-se a competência em matéria de direito da concorrência nesta autoridade, que a exerce de forma transversal a todo o sistema.

Esta ideia de articulação entre as autoridades sectoriais, articulação essa que é feita pela AdC, é especialmente importante se tivermos em consideração que dentro destas áreas temos toda a área pública, e também o sector empresarial do Estado – que é bom que retenhamos que as normas de concorrência também se aplicam ao sector estatal.

Esta autoridade foi dotada de independência, e está hoje um pouco na berra, porque se considera uma vez mais a ideia do estado ineficiente, que condiciona e tempera as suas decisões com critérios assim a modos que pronto. A independência destas autoridades surge também em decorrência do que acontece nos países anglo-saxónicos, em que este tipo de estrutura sempre funcionou bastante bem.
Esta autoridade tem ainda poderes de sanção, supervisão e regulamentação sobre o sector.

Quanto à lei da concorrência, é bom reter a noção que vem no seu Art.º 1º e nos Art.ºs 2º e 3º, sobre o âmbito de aplicação material. A lei 18/2003 diz que o seu âmbito de aplicação material se aplica a todos os sectores da economia, no fundo, mesmo em sector público, social e cooperativo – ver melhor o Art.º 1º. Todos os sectores e todas as actividades económicas. Esta noção de actividade económica decorre do próprio Direito Europeu.

Além desta disposição da Lei 18/2003, temos ainda no regime de outras entidades, também chamadas de atenção para a aplicação do direito da concorrência, no sentido de que estes regimes não estão salvaguardados pela chamada ao direito da concorrência. Estas chamadas de atenção justificam-se, já que o nosso regime depois dos anos 70 nem tudo foi abarcado. Por exemplo, no Art.º 8º do Regime do Sector Empresarial do Estado, refere-se que as empresas públicas estão sujeitas às regras da concorrência. Estas referências aparecem ainda em regimes sectoriais, como o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras, onde nos aparece também uma referência à sujeição destas entidades às regras de direito da concorrência (Art.º 87º). Ou seja, isto aplica-se no fundo – o direito da concorrência – a todos as áreas da actividade económica.

Outra ideia importante relativa ao direito da concorrência diz respeito à noção de empresa. A noção de empresa utilizada no direito da concorrência é uma noção de criação jurisprudencial do direito comunitário, e vem no Art.º 2º da Lei 18/2003. O nº 2 deste artigo faz ainda uma ressalva. Esta noção de empresa tende a abarcar todos os agentes, todas as entidades que actuem no mercado, por um lado (nº 1), e no nº 2 temos de alguma forma uma restrição, ou uma reponderação do que é empresa, isto para englobar os chamados grupos económicos. Para efeitos do direito da concorrência, os grupos económicos são equiparados a empresas. Esta ideia é extremamente importante para permitir o crescimento económico, e para permitir determinadas práticas em direito da concorrência. Estão aqui em causa, especificamente, questões relativas aos acordos entre empresas. No entanto, se as duas empresas fizerem parte do mesmo grupo, não se vai considerar que há um acordo entre empresas. Consideramos antes que há um acordo entre empresas, sendo pois a sua actuação uma actuação legítima.

Ainda quanto ao âmbito de aplicação, outro aspecto importante diz respeito ao âmbito de aplicação especial das regras de direito da concorrência, que se aplicam quer no direito português quer no direito comunitário. Ainda quanto ao âmbito espacial do direito da concorrência, considera-se então que a aplicação das regras do direito da concorrência tem lugar sempre que os efeitos das actividades económicas ocorram em território nacional ou em território da União Europeia. Ou seja, a noção relevante agora de direito da concorrência, relativamente à aplicação espacial destas normas, não diz respeito à nacionalidade dos agentes – neste caso das empresas –; não diz respeito ao local onde os acordos foram celebrados; diz sim respeito ao lugar onde há efeitos desse tipo.

Em termos de direito da concorrência, tempos pois um importante conjunto de normas prévias, que nos permite perceber a forma como funciona o direito da concorrência.

Agora faremos uma abordagem genérica do Direito da Concorrência. À partida, considera-se que o funcionamento do mercado tal como era visto pelas clássicos – no longo prazo, haver uma estabilização da oferta com a procura – não é que seja sempre real – a central que é alimentado pfo ne.
à outra ideia ainda que tem que estar presente no mercado, para além da atomicidade, é a da homogeneidade de produtos – os produtos têm que ser comparáveis, e de alguma forma substituíveis. Mas nos dias de hoje, é cada vez mais importante a possibilidade de intervir. A ideia de informação e de transparência é ainda particularmente importante, particularmente se falarmos em mercados específicos. Se pensarmos na bolsa, por exemplo, as entidades que derem informação de forma incorrecta podem ser sancionadas. Quer-se aqui que exista uma informação adequada e transparente para que os agentes façam quase algo como juiz, grosso-modo.

Temos pois aqui um conjunto de ideias que os teóricos consideram essenciais para a regulação do mercado. Dizem eles que se os agentes puderem deturpar estes princípios, tenderão a fazê-lo para condicionarem o consumidor, criando uma certa confusão ou dispersão, que usarão a seu favor. Daí a necessidade de existirem regras de concorrência. Daí também esta ideia de defesa da concorrência surgir associada à liberdade do consumidor, liberdade essa que lhe vai permitir forçar opiniões livres e racionais, de acordo com os critérios que são mais conveniente – as condições de encontro entre a oferta e a procura devem ser o mais possível racionais para o bom funcionamento dos mercados, procurando-se a concorrência possível ou a concorrência praticável. Este é de resto um objectivo essencial do direito da concorrência, se tivermos em consideração que os teóricos entendem que a concorrência não é um fim em si mesmo mas sim um meio para tornar os mercados eficazes e eficientes, e aí novamente então as ideias de fim e de meio a atingir, ideia que irá novamente surgir nos elementos do direito da concorrência.

As actuações de direito da concorrência, contrariamente às actuações do direito..., não vão ser, na maior parte dos casos, como fim em si mesmo. Vão antes ser consideradas como um meio, ou uma forma necessária, para atingir um objectivo. Podem ser ou não aceites, dependendo de um juízo, aferindo ainda da bondade desse juízo. É pois um tipo de análise que não tem os mesmos objectivos das análises que estão a ser implementadas. De qualquer forma, em termos de sistemas de direito da concorrência, temos dois modelos teóricos base: um modelo de proibição e um modelo de abuso. O que acabamos por ter sempre, e na realidade, é um sistema misto. Quando os sistemas são implementados, não são sistemas de proibição nem sistemas que vão aferir do abuso em cada situação concreta. São sistemas mistos, de proibição com uma reflexão sobre as consequências desse comportamento, ou de uma verificação de um abuso, proibindo determinados aspectos. Quando falamos em regimes de proibição, falamos em regimes onde o dano existente é um dano potencial – independentemente de um dano efectivamente provocado, basta que ele possa a vir a ser provocado para a conduta não ser admitida. Quando falamos de um sistema que verifica os abusos existentes, são sistemas que, relativamente ao dano, atendem ao dano real. É a chamada rule of reason – em cada situação concreta há pois que aferir se há, ou é provável que haja, um dano, e só nesse caso é que se actua.

Quando falamos de um sistema de dano potencial, estamos a falar num sistema cujo controlo é feito a priori, antecipadamente – antes da existência de determinada conduta. Contrariamente, num sistema de dano real o controlo será feito a posteriori.

Cumpre ainda referir, tanto no sistema português como no sistema da União Europeia, que temos sistemas mistos como já vimos. Temas sistemas mistos que vão considerar, de forma mais ou menos intensa, conjuntamente.

Depois desta breve abordagem geral, começamos agora com noções básicas de direito comunitário.

Estas noções básicas são úteis de referir aqui, até porque o nosso direito português da concorrência resulta de direito comunitário. Ainda assim, vamos ainda falar da Lei 18/2003.

Uma noção importante, como já vimos, é a noção de empresa. Como já foi referido, quando se fala em unidade económica restringimos a noção jurídica de empresa. Quando falamos em termos jurídicos falamos de empresa com capacidade e personalidade jurídica próprias, mas aqui, quando falamos em empresa, e para estes efeitos, falamos de empresa jurídica quando não estivermos em presença de uma unidade económica. Ou seja, se a empresa A. Ou B. Tiverem entre si, independentemente da qualificação jurídica, ligações. Quando se fala também na possibilidade de estarem ligadas entre as diversas empresas independentemente da forma, é bom reter que a noção diverge uma vez mais, e mesmo ao nível individual, da noção jurídica. Aqui, uma empresa pode não ter personalidade jurídica, sequer. Aqui o que é necessário é que exista uma troca, que se desenvolva uma actividade, que nos permita situar essa actuação no mercado. É pois uma noção de empresa extremamente ampla, como veremos.

Aula teórica de 2 Fevereiro 2007:

Neste momento, estamos a falar de uma das áreas nucleares da cadeira, que é a que diz respeito ao Direito da Concorrência. Já fizemos uma pequena introdução, mas antes de começarmos a sério, vamos fazer referência a determinados conceitos que focámos na última aula, até porque só com esses conceitos as hipóteses práticas podem ser resolvidas.

Antes de mais, temos as noções de mercado relevante, etc. etc.

Falamos por regra dos Art.ºs 81º e 82º do Tratado. O Art.º 81º proíbe uma série de práticas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os estados membros. É incompatível com o mercado o facto de uma ou mais empresas explorarem uma posição dominante no mercado. Temos aqui referências específicas à noção ampla do mercado. Já sabemos como funciona um mercado de concorrência perfeita, mas designadamente quanto ao Direito da Concorrência, e quando vamos tentar saber se as práticas que são proibidas em termos de legislação são ou não aplicáveis a determinadas situações concretas, se a actuação de certas empresas se subsume ou não. Para isso há que delimitar o espaço, tanto de território como em termos abstractos, em que a actuação destas entidades se vai desenrolar. Para esta apreciação prévia, a jurisprudência do Tribunal das Comunidades Europeias (TCE) adoptou uma noção de mercado relevante, que vem exposta em decisões da Comissão que podemos consultar na Internet. Basta procurar por "mercado relevante". Estas decisões estão presentes em comunicações da Comissão, de 1997 até hoje, em que aparece bem precisa a noção. Esta noção pressupõe logo a verificação de certos aspectos: falamos de mercado do produto e de mercado geográfico. A maioria dos autores, e a jurisprudência, fala ainda de mercado relevante em termos territoriais. No mercado relevante em termos de produtos, pretende-se saber quais os produtos em função dos quais vamos fazer uma análise de mercado. Se falarmos de empresas que trabalham no sector dos telemóveis, aparelhos, pretendemos saber se determinada empresa tem uma posição dominante, ou se duas empresas estão a fazer acordos relativamente aos preços nesses aparelhos. O que temos de saber para aferir desses comportamento? Há que determinar qual o âmbito do mercado em termos de telemóveis – estarão os telefones fixos englobados nesse mercado? E as comunicações via Internet? E os telefones com uma certa dimensão? E as máquinas fotográficas? E os livros de Direito da Economia? E os jogos 3G? E, e, e, e, e, e, e, e, e? E quantos concorrentes há? E qual a quota de cada um? A legislação só é aplicável se afectar significativamente a concorrência, o que implica que façamos uma análise de mercado para saber se são muitos ou se são poucos os concorrentes envolvidos... O tribunal vai-nos dar a noção em termos de produto se pudermos falar de produtos substituíveis, ou permutáveis, tendo em conta a utilização dos consumidores. Partimos da utilização dos consumidores para ter uma noção de substituição relativamente a esses produtos. È no fundo a noção clássica da satisfação de necessidades – isto satisfaz ou não uma certa necessidade? Têm-se em conta as características dos produtos, e o preço também.

Mas os autores têm vindo a referir que não basta fazer este exercício quanto à procura, isto é, verificar a elasticidade da procura face aos telemóveis, por exemplo. É ainda necessário, para termos uma correcta percepção do mercado relevante em termos de produto, fazermos ainda uma análise do mercado em termos de oferta. Procura-se assim saber se há outros concorrentes que possam, rapidamente e sem grandes investimentos, entrar nesse mercado específico e oferecer produtos idênticos aos produtos que estão em causa. Esta ideia de possibilidade de entrada no mercado com produtos que substituam os que estão a ser alvo de análise é especialmente importante quando procuramos apurar se há ou não posições dominantes. À partida parece fácil, mas quanto mais complexos são os produtos, mais difícil se torna fazer esta análise. Se passarmos às peças sobressalentes das peças dos telemóveis, então entramos sem dúvida num mercado mais restrito, o que nos faz entrar então num mercado relevante mais pequeno, o que pode levar ao aparecimento dais fácil de posições dominantes. Só que assim já estamos a falar no mercado das baterias, ou dos auriculares, ou das antenas – ainda há disso nos telemóveis? As possibilidades de análise aqui são quase infinitas, como se vê, pelo que há que definir bem o mercado relevante. O mercado relevante em termos de produto é pois o mercado que permite uma substituibilidade em termos de produtos, em função da utilidade dada aos mesmos para os consumidores, mas tendo em conta também o lado da oferta, os fornecedores, digamos assim, desse mercado, o que não vai permitir então encontrar os concorrentes efectivos que um dado player tem no mercado.

Um mercado de termos geográficos pressupõe uma análise diferente, mas com a mesma linha de ideia: ver, dentro de uma dada zona geográfica, delimitada, onde é que esse produto é comercializado em condições homogéneas, condições essas que conseguem ser diferenciadas de condições vizinhas, e que vão permitir delimitar esse mesmo mercado. No fundo, trata-se novamente da ideia de substituição, de possibilidade que o consumidor tem de se dirigir a A. ou a B. Para adquirir o seu produto sem que as condições normais da sua aquisição se alterem – tem-se em linha de conta geralmente o preço. Para além das barreiras geográficas que há que delimitar, há ainda que apurar de outras barreiras de outro tipo – barreiras legais ou barreiras linguísticas. Por exemplo: um consumidor até se pode deslocar facilmente de Lisboa para Estocolmo para adquirir os produtos, mas... Falará ele sueco? E poderá ele legalmente comprar pão da Suécia para Portugal? Acrescento eu: isto, claro, sem ser nas lojas IKEA? O exercício aqui faz-se essencialmente do lado do consumidor – aquele que vai consumir, quem vai adquirir o produto, consegue, sem esforço financeira e sem obstáculos, dirigir-se a outras áreas para realizar as suas trocas? Pois é. Aqui também há que fazer uma referência ao lado da oferta, terão os agentes económicos também facilidade de acesso a outras áreas geográficas, que lhe permitam mudar de sítio como quem muda de camisa, e ainda assim satisfazendo os consumidores? Esta necessidade de acesso ao mercado dificulta a existência de uma posição dominante.

Quanto ao mercado geográfico, temos então uma determinada área física, em que o produto é comercializado, e em que as condições de concorrência são homogéneas. Quanto aos obstáculos, pensamos essencialmente no custo, obstáculos legais e linguísticos. Esta análise de mercado em termos geográficos é bastante dinâmica, não tendo em conta factores estáticos mas sim factores dinâmicos que se podem alterar em função da existência de fluxos.

Muitas vezes é também sugerida uma análise em termos temporais, mas esta análise do mercado em termos temporais é feita essencialmente quando tratamos de actividades sazonais – a plantação da batata, o turismo, o esqui. Quanto a estes produtos analisados em termos temporais, a análise é afectada pelo facto de estarmos falar em termos de curtos períodos de tempo.

Esta noção de mercado relevante deve ser sempre feita ainda que de forma prévia quando analisamos qualquer situação de Direito da Concorrência. É preciso ter sempre presente qual o produto em causa, qual a área, e de que concorrência se fala. Numa mesma situação podemos ter vários produtos, e se o tivermos vamos ter diversos mercados relevantes – logo, para cada um desses produtos –, podemos ter respostas diferentes em matéria de critérios de concorrência. É que podemos chegar à conclusão que afinal não se trata de um produto, mas sim de dois produtos diferentes, o que pode ser particularmente verificável no caso de produtos compostos.

O outro aspecto importante na aplicação das regras de direito da concorrência, ao nível comunitário, é que as disposições do Art.º 81º e do Art.º 82º falam-nos da afectação de comércio entre os Estados membros. Quanto à ideia de comércio, é uma ideia que foi gizada de forma abrangente, e onde vamos englobar qualquer tipo de troca comercial. O que está aqui em causa são trocas comerciais, estas trocas comerciais não têm sequer de ter um fim lucrativo, têm é que ser trocas efectivas entre entidades que exibam uma estratégia comercial autónoma e individualizada. Relativamente ainda a esta noção de comércio, como vimos em relação à noção de empresa, estávamos perante uma unidade económica, e estávamos portanto perante uma empresa, para estes efeitos, quando estivéssemos perante uma unidade autónoma com uma estratégia comercial autónoma, sem necessidade de personalidade jurídica – singular ou colectiva. Quando falamos de existência de comércio, é um comércio que abrange qualquer troca comercial, realizada quer seja por pessoas individuais, associações profissionais, qualquer entidade enfim que consiga realizar as trocas. É pois uma noção bastante ampla de comércio.

Temos ainda a outra ideia que se prende com a produção de efeitos entre os Estados membros. Relativamente a esta ideia, de afectação do comércio entre os Estados membros, numa primeira leitura dir-se-ia que estaríamos sempre perante mais do que um Estado membro. Só quando Portugal e Espanha, a França e a Alemanha, a Finlândia e a Bulgária, estivessem em trocas comerciais, é que estaríamos no âmbito do Direito da Concorrência. NO entanto, o desenvolvimento de Direito da Concorrência não foi muito por aí. Hoje em dia, a jurisprudência tem-nos dito desde início que tem que haver uma afectação sensível deste mesmo comércio – ou seja, vai-se qualificar em termos quantitativos as relações entre os Estados membros, daí haver as regras dos mínimos, em que os órgãos da UE indicaram um conjunto de valores a partir dos quais se considera que as práticas que estariam subsunidas às normas de direito da concorrência,

É claro que há sempre a outra visão, e que é a falta de capacidade dos órgãos comunitários em fazer uma avaliação tão grande em termos de mercado. Foi esta aliás a razão prática que levou a que se exigisse aqui uma aplicação sensível desta área. Esta afectação de comércio entre os Estados membros sofreu algumas restrições, e já temos decisões em que os problemas ao nível de Direito da Concorrência tinham efeitos em termos de um só país, mas em que se considerou que as implicações seriam de tal forma grandes que deveriam estar sujeitos às regras europeias do Direito da Concorrência. Esta ideia de afectação dos Estados membros é por um lado restringida quanto aos actos que sejam por um lado de valor quantitativamente de valor reduzido (que ficam de fora), e por outro lado é ampliada quando estejamos a falar de trocas comerciais que tenham um peso extremamente elevado, ainda que só na economia de um único país. A legislação nesta matéria é bastante antiga, pelo que há que conhecer bem a jurisprudência posterior.

Por outro lado, tem-se aqui presente a noção de territorialidade, ou seja, estamos aqui a querer saber o local onde os efeitos das permutas, designadamente em termos de trocas, se acabam por desenrolar. Raciocinamos aqui não em termos do local de sede das empresas, mas sim do local onde decorrem efectivamente as trocas. Exemplo: uma empresa do Bahrein que faça trocas na União Europeia, essa troca pode afectar os Estados membros. È uma noção ampliativa.

Na ideia de territorialidade temos ainda uma diminuição do âmbito de aplicação potencial da norma, considerando que não estão então afectadas as trocas comerciais de entidades dos Estados Membros para fora da União Europeia.

Uma vez que tem havido a tentativa de ampliar a forma de aplicação de normas do Direito da Concorrência, esta restrição que vimos supra ao sector das exportações das regras de Direito da Concorrência tem sido de alguma forma restringida ao nível da UE, através de jurisprudência, que considera que quando as empresas exportam, elas próprias se fortalecerão, o que para elas é vantajoso. Temos aqui um conjunto de regras e excepções muito baseado em jurisprudência, o que não estamos habituados a encontrar, mas que é típico nos países anglo-saxónicos. Isto é bonito, mas torna o estudo bem mais difícil.
Aula teórica de 9 Fevereiro 2007:

Na aula de hoje, vamos continuar a falar de Direito da Concorrência.

Na última aula, falámos de alguns conceitos fundamentais – mercado relevante geográfico e temporal, afectação de comércio entre os Estados membros, e o conceito de empresa. Considerámos que todos estes elementos são importantes acabam por ser questões prévias para tratarmos o Art.º 88º do Tratado.

Relativamente ao mercado relevante, vimos ainda que a Comissão tinha uma comunicação sobre esta matéria, comunicação em que nos é dada de forma detalhada a definição do mercado relevante – a Comunicação 87C/372/03, conhecida como a Comunicação 372/03. Relativamente à definição de que também falámos sobre os acordos de pequena importância, há também uma indicação da Comissão, que nos vai dar esta definição – a Comunicação 97C/372/04. Nesta comunicação, da regra do minimus, ou de mínimos, há também uma referência à definição de mercado relevante, por se considerar necessária para a determinação do que são os acordos de pequena importância.

Quando as regras de Direito da Concorrência nos impõem restrições a coligações entre empresas que afectem de forma sensível a concorrência, deixam de fora um conjunto de situações que se consideram de menor importância, ou de pouca importância, e sendo assim entende-se aqui que não são susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados Membros. Na comunicação 372/04, deu-nos a Comissão critérios quantitativos para determinarmos o que são acordos de pequena relevância. Em mercados onde estejamos perante mercados horizontais, tem que se falar em 5% de quota de mercado entre as empresas que fazem parte do acordo para podermos começar a falar de um acordo que afecte o mercado e a concorrência no mercado. Se estas empresas não tiverem pelo menos 5% da quota de mercado, não vão ser consideradas abrangidas pelo artigo 88º (ou 81º?) do mercado. Se estivermos a falar entre acordos entre empresas que operam entre..., estamos a falar de 10%. Nestas quotas de 10%, exige-se aqui uma quota de mercado maior, por se considerar que pode haver influência no mercado, quando falamos de empresas que operam em diferentes estados membros, acordos verticais.

O que a Comissão nos vem dizer, de acordo com esta regra, é que se tivermos na União Europeia um conjunto de empresas de diferentes Estados membros, mas em que estas empresas representem uma quota de mercado de apenas 4%, estão automaticamente excluídas do âmbito de aplicação do Art.º 81º (parece que é 81º, afinal).

No entanto, esta comunicação não abrangeu nesta restrição todos os acordos relativos a preços e repartição de mercados. Os acordos respeitantes às condições de venda nas suas componentes preços, etc., são considerados os mais perigosos, danosos, do ponto de vista de Direito da Concorrência, pelo que não carecem deste exercício quantitativo, e poderão ser exercitados pelos Estados membros...

Esta comunicação é elucidativa quanto ao facto de deixar de fora um grande número de empresas, e parte do princípio que as pequenas e médias empresas não ficam abrangidas pelo Art.º 81º, embora se tivermos aqui um conjunto significativo de empresas, ainda que pequenas e médias, podem ver-se abrangidas pelas regras desde que atinjam uma quota de mercado significativa. O grande problema que se colocou foi um problema essencialmente de ordem prática, e não de ordem teórica, na adopção deste tipo de filosofia.

De qualquer forma, em termos teóricos, esta ideia acaba por ser justificada de acordo com as teorias que consideram que o Direito da Concorrência é um meio e não propriamente um fim em si mesmo, e não sendo em si mesmo um fim não se pretende punir ou impedir qualquer prática que seja considerada contrária às regras de mercado. Se falarmos de Direito Penal, independentemente de considerarmos os efeitos de certa conduta, se essa conduta configurar um crime não deixa de ser abrangida por essa disposição por via das consequências que acarreta. No Direito da Concorrência, se tivermos como perspectiva que o que se pretende é não impor barreiras contra a concorrência em si mesmo, mas antes o funcionamento global do mercado em termos globais, e não o comportamento de cada agente individualmente considerado. Dentro desta filosofia, aceitamos de forma mais fácil que sejam apenas enquadrados dentro das limitações comportamentos cuja dimensão seja suficientemente significativa para afectar o próprio mercado.

Quanto ao Art.º 81º, este artigo do Tratado pode ser dividido desde logo em três partes: o nº 1, o nº 2 e o nº 3. Estas três partes devem ser sempre vistas com bastante atenção, dado que desde a concentração desta disposição houve uma grande evolução em termos jurisprudenciais, que permitiram densificar aqui um conjunto de ideias que devem ser tidas em consideração.

No nº 1 temos uma proibição de determinados comportamentos em certas circunstâncias. No nº 2 temos a sanção. E no nº 3 temos as condições de inaplicabilidade, ou o chamado balanço económico.

Logo no nº 1, na proibição, temos o corpo do artigo e as diversas alíneas. A aplicação deste artigo tem que conjugar sempre estas duas componentes. Temos que encontrar um comportamento que seja contrário à concorrência, que vêm especificados numa destas alíneas, mas para que esse comportamento seja considerado como aplicável nos termos do Art.º 81º, ou seja, como contrário às regras da concorrência, temos que ver preenchidos todos os elementos que vêm no corpo do nº 1. São eles: existir um acordo entre empresas, uma prática concertada ou uma decisão de associação de empresas – o elemento orgânico que nos faz apelo, por um lado, à noção de empresa de que já falámos (temos que ter aqui mais do que uma empresa, ou decisões de associação de empresas); temos depois a diferença entre o acordo entre empresas e as práticas concertadas, diferença essa que não está em requisitos formais, o que aqui está em causa é saber se temos ou não presentes todos os elementos subjacentes ao acordo, e para isso temos que ter sempre o elemento psicológico da convicção de obrigatoriedade. Quando estivermos perante um entendimento entre empresas onde exista esta convicção de obrigatoriedade, sabemos que estamos perante um acordo. Se uma das partes não cumprir, a outra pode demandar a parte que incumpriu, considerando que houve incumprimento.

Quando falamos de práticas concertadas, estamos a falar de comportamentos que se alinham numa determinada posição, idêntica, mas não há aqui esta convicção de obrigatoriedade. O problema das práticas concertadas é que as práticas concertadas têm um elemento de prova bastante mais difícil à partida do que os acordos entre empresa, especialmente porque quando temos elementos formais, nomeadamente escritos, não temos qualquer tipo de dúvida em estarmos perante um acordo. Se não temos este elemento contratual provado, a solução que nos resta é dizer que ainda assim pode sempre considerar-se que estamos perante uma prática concertada, e a aplicação do artigo não exige a existência de um acordo, do tal elemento psicológico no sentido de que as partes se sintam obrigadas ao cumprimento de determinado comportamento.

Relativamente a estas práticas concertadas, há que ter presentes que há aqui uma exclusão. Podemos ter condutas paralelas, empresas que adoptam o mesmo tipo de comportamento (designadamente a nível de condições de venda) sem que exista aqui qualquer "vinculação". Se estas condutas paralelas resultarem de decisões independentes, não as podemos considerar práticas concertadas. É um elemento de difícil realização em termos de prova. Se falamos de mercados altamente concorrenciais, em que as margens são altamente reduzidas, a tendência será de os agentes económicos praticarem condições relativamente semelhantes uns aos outros.

Para além da existência de um acordo entre empresas, ou de uma prática concertada, ou de decisões..., há novamente a referência à ideia de empresa, estando portanto aqui perante um conceito económico e não jurídico, uma unidade de produção com decisões autónomas. Este conceito abrange entidades que não consideramos como entidades societárias – podem ser pessoas individuais, desde que tenham uma actividade empresarial, mas restringe os grupos de empresas a uma única entidade.

Segundo elemento é a susceptibilidade de afectar o comércio. Quanto a este segundo elemento, temos que ter em consideração que a jurisprudência do Tribunal Europeu considerou que tem que haver aqui uma susceptibilidade de afectar de forma sensível o mercado. Não se exige é que esta afectação de comércio seja efectiva – pode ser potencial –, e que seja directa – pode ser indirecta.

Temos como terceiro elemento afectar o comércio. Esta ideia de comércio é uma ideia extremamente abrangente. Em comércio, vamos aplicar uma noção que vai buscar o que dissemos relativamente à noção de empresa – tudo o sue seja susceptível de trocas comerciais. Qualquer unidade que consiga realizar trocas comerciais está sujeito. De fora fica o que resulte de actividades administrativas típicas, actividades que não tenham qualquer influência a nível de mercado. Com o decorrer do tempo, uma actividade de império, uma destas actividades administrativas, pode passear a actividade comercial.

Como quarto elemento, temos os Estados Membros. Afectar o comércio entre os Estados membros. Temos aqui a noção de territorialidade subjacente a esta disposição. Mas quando se fala da afectação de comércio entre os Estados membros, podemos ter aqui apenas um Estado membro, se considerarmos que os efeitos sobre o Direito da Concorrência são suficientemente significativos para considerarmos que há impacto ao nível da economia da União Europeia. As trocas que sejam feitas entre ou estado membro e um estado terceiro não ficam à partida abrangidas, a não ser que se verifique que há um efeito indirecto, fortalecendo as empresas no mercado interno.

Estes acordos ou práticas têm ainda que ter por objectivo restringir ou afectar a concorrência de mercado, ideia que vem depois trabalhada nas diversas alíneas.

Na primeira alínea, temos logo a fixação de preços ou outras condições de transacção. Por outras condições de transacção entendem-se vendas a X dias, ou com prestações em determinado tipo de condições. Temos aqui um conjunto de alíneas que serão vistos depois também na nossa legislação.

A repartição dos mercados ou pontos de abastecimento a nível europeu é um dos elementos, ao lado do estabelecimento de preços, mais referidos neste tipo de acordos. Temos uma empresa que só vai vender, por exemplo, num dado país ou numa dada região, e outra que apenas vai vender a entidades de outro país ou região. Esta repartição dos mercados é bastante comum, se estivermos em presença de grandes grupos que pretendem expandir determinadas tecnologias, considerando que devem estar presentes em diversos estados-membros, mesmo não pertencendo ao mesmo grupo.

Na alínea e), quanto a prestações, temos o caso de todas as empresas que vendem livros oferecerem também certas esferográficas, ou blocos, obrigando pois a venda a condições suplementares.

No nº 2 do artigo temos a sanção para este tipo de comportamentos. Este nº 2 vai-nos dizer que estes acordos do nº 1 são nulos. A precisão que aqui tem de ser feita prende-se com o facto de se justificar aqui aplicar a teoria da redução. São apenas nulas as cláusulas específicas que contrariem o presente artigo. Se nós estivermos no âmbito de um acordo entre empresas que verse sobre um conjunto de elementos, mas em que se considere que apenas um é susceptível de encaixa na previsão do nº 1, admite-se que o que seja considerado nulo não respeite a todo o acordo, mas apenas à alínea específica à norma que é contrária à proibição prevista no nº 1 do Art.º 81º.

Depois de verificarmos e fazermos todo este percurso, podemos chegar ao nº 3. Este nº 3 fala-nos das condições de inaplicabilidade da proibição. O nº 3 vai-nos falar das disposições das condutas que, não obstante serem proibidas face ao nº1, podem ser declaradas aceitáveis se respeitarem aqui um conjunto de condições do nº 3, que podem ser condições cumulativas, requisitos que vêm expostos no 3º parágrafo. Desde logo temos nas condições positivas o facto de um acordo melhorar a produção ou distribuição, ou de promover o progresso técnico ou económico. A prática concertada ou o acordo têm que servir para melhorar isto. Não se podem ainda impor às empresas restrições que não as indispensáveis. Uma questão aqui de proporcionalidade. A outra condição que tem que estar presente é a reserva aos utilizadores (?) de uma parte do lucro, o benefício resultante desta prática.

Apesar de termos estes elementos que têm que ser conjugados, elementos relativos aos agentes económicos e à concorrência, o elemento que tem sido mais focado quanto a este balanço económico tem sido o relativo aos consumidores. Quando falamos sobre benefício que os utilizadores têm de uma determinada prática, esse benefício acabou por ter um peso relevante na análise que é feita. Se falamos de práticas relativas a repartição..., há que verificar se há ou não benefícios, e se eles justificam a prática concertada.

Ver ainda o conceito de melhorias de distribuição.

Aula teórica de 12 Fevereiro 2007:

Na aula passada, começámos por tratar do Art.º 81º do Tratado, das chamadas coligações, quando duas ou mais empresas adoptam comportamentos que se consideram anti-concorrenciais. Falámos do mercado relevante, da importância deste conceito para qualquer tipo de análise – é preciso saber do que é que se está a falar, porque as opções são diferentes se alargarmos o mercado a determinados produtos. Referimos ainda a noção de empresa e a noção substancial da norma, etc. Começámos ainda a analisar o Art.º 81º. Neste Art.º 81º do Tratado falámos de uma série de questões que há que enquadrar quando de trata desta matéria: o tipo de coligação, a susceptibilidade de afectar o comércio (potencial ou efectiva), a questão da afectação significativa necessária para o preenchimento do conceito de "afectar o comércio" presente na norma, a noção de comércio bastante abrangente, etc. Estes comportamentos não são proibidos de per si, como vimos. São apenas proibidos se falsearem, impedirem ou restringirem a concorrência no mercado comum, designadamente por um conjunto de comportamentos que se consideram nefastos para a concorrência em termos daquilo que podem concretizar no mercado. O Art.º 81º dá-nos diversos exemplos. Os mais típicos são acordos relativos aos preços (as empresas praticam determinados preços concertados para não entrarem em deslizes significativos, guerras comerciais), a imposição de condições idênticas aos seus clientes (consegue-se, por esta via, que as empresas não tenham comportamentos verdadeiramente autónomos), limitar ou controlar a produção, distribuição, desenvolvimento técnico ou investimentos (as empresas acordam não vender, ou não produzir, mais que X, por saberem que desta forma conseguem um dado nível de mercado sem sofrerem concorrência de outros eventuais interventores no ramo para que não estejam preparadas), repartição de mercados (horizontal ou vertical, geográfica ou de produtos/fornecedores, o que faz com que as leis do mercado baseadas na oferta e na procura deixem de funcionar, por as margens serem previamente determinadas e fixadas, impedindo o efeito dinâmico concorrencial), as condições desiguais e... (alínea d) (faz-se aqui apelo à não-discriminação), subordinação de contratos à aceitação de prestações suplementares que não tenham a ver com a natureza dos contratos (que se aplica sobretudo em questões de posições dominantes, impedindo na prática a celebração de contratos simples, "impingindo" muitas vezes produtos conexos). Este tipo de práticas, em que temos que ter sempre em consideração a existência de um comportamento abusivo, que haja um falseamento das condições concorrenciais, com um nexo de causalidade entre o comportamento e a violação de condições concorrenciais, vendo desta forma o Direito da Concorrência como um meio para atingir o fim, o fim da concorrência praticável, e não propriamente considerando os comportamentos nefastos de per si. Este artigo considera pois que certos comportamentos não são aceitáveis por terem como efeito falsear a concorrência, e é este efeito de falsear a concorrência, este nexo de causalidade entre o comportamento e a afectação das regras normais do mercado.

Esta análise, tendo em conta que este nexo deve ser demonstrado, é especialmente importante depois para a compreensão do nº 3 do Art.º 81º, o chamado balanço económico. O nº 2 do Art.º 8º1 culmina com a nulidade dos acordos que tipifica. Em bom rigor, há aqui uma demonstração da teoria da redução – não é todo o acordo que é dado por nulo, mas apenas as cláusulas que violem especificamente a disposição do nº 2. Ora vamos então hoje retomar o tal nº 3.

O nº 3 do Art.º 81º, também chamado balanço económico, ou de isenção, é mais uma vez uma chamada de atenção parar a ponderação das teorias sobre regras da concorrência como um meio e não como um fim em si mesmo. Se considerássemos as regras acima como um fim em si mesmo, teríamos que qualquer prática que fosse contrária às regras da concorrência, teria sempre que ser vista como nula e inaceitável à luz do nº 1. O nº 3 o que nos diz é que há que ponderar determinados valores, preenchendo quatro requisitos – dois positivos e dois negativos. A letra do nº 3 não é muito fácil. Estes quatro requisitos vêm previstos no último parágrafo do nº 3, e os dois requisito negativos nas als. A) e b). Os do último parágrafo são os positivos. São todos eles requisitos cumulativos: têm que estar presentes os dois positivos e os dois negativos.

Quanto aos requisitos positivos, o último é o que diz respeito aos consumidores – a prática, considerada contrária às regras da concorrência, tem de reservar aos utilizadores uma parte dos benefícios desse mesmo comportamento. O outro requisito positivo diz que esse comportamento tem que contribuir para melhorar a produção ou a distribuição do produto, ou para promover o progresso técnico ou económico – um requisito que olha para o mercado na sua globalidade.

Temos agora os requisitos negativos, que vêm nas alíneas a) e b) deste terceiro travessão do nº 3 do Art.º 81º. Na al. A), impõe-se às empresas restrições indispensáveis à prossecução desses objectivos (critério de proporcionalidade) – as empresas têm que procurar uma forma mais adequada para alcançar o objectivo a que se propõe, o tal objectivo de que os consumidores irão beneficiar. Não deve ainda ser possibilitada à empresa a vedação aos concorrentes (???). Para sabermos se há ou não possibilidade de dominar a concorrência relativa, há que perceber qual é o mercado relevante, que entidades operam no sector, etc.

Vamos agora ver os artigos relativos à posição dominante, antes de analisarmos meios detalhadamente os regulamentos comunitários.

A outra situação que suscita grande aplicação das regras do direito da concorrência, prende-se com a posição dominante, mais concretamente com o abuso da posição dominante. Tradicionalmente, este ponto de vista era próximo da visão do monopólio, uma das situações mais nefastas à concretização do mercado europeu. No entanto, esta ideia pejorativa relativamente aos monopólios atenuou-se bastante ao longo dos tempos, após a Revolução Industrial, e Schumpeter veio chamar a atenção para os benefícios dos monopólios – para ele, dificilmente o progresso económico se alcança sem recurso aos monopólios, pois só com as economias de escala se podem concretizar progressos ao nível económico, progressos que só se conseguem com tecnologias de ponta, avultados investimentos, capacidade de obtenção de matérias-primas em condições especiais. A existência de monopólios é, muitas vezes, a única forma de ter acesso a saldos qualitativos a nível de progresso económico. O que acontece, de acordo com a teoria de Schumpeter, é que, a partir da existência de um monopólio de descobertas importantes a nível económico, essas descobertas são aplicadas na economia, no mercado – a nível económico são abertas a todos os agentes –, e vão permitir que os progressos se espalhem na sociedade. Isto é visível, por exemplo, na indústria farmacêutica. Veio a verificar-se então que a existência de monopólios permite o crescimento económico, ainda que alongo prazo, uma vez que se considera que essas descobertas, essas invenções, acabam por se espalhar pela sociedade, tirando todos partido delas. Então, mesmo a nível da União Europeia, as restrições à existência de posição dominante não foi vista de forma muito favorável inicialmente, até porque há aqui sempre um jogo de forças entre crescimento económico (fomentar posições de vulto a nível de sectores económicos9, com o facto de existirem posições dominantes (podendo ser posta em causa a concorrência dos mercados). Ou seja: sempre que falamos da existência de uma posição dominante, da existência de um monopólio, há sempre a tensão entre o facto de se entender que são os monopólios, ou as posições dominantes, que dão impulsos à economia, por um lado, e por outro a visão contrária a estas estruturas, por se entender que as mesmas prejudicam o próprio mercado. O certo é que a partir de Schumpeter se começou a ver que os monopólios tinham condições favoráveis ao desenvolvimento da economia; que a concorrência não é perfeita, deve é ser eficaz, com agentes com diferentes capacidades no mercado (eficácia assimétrica). Muitas vezes, os agentes mais pequenos sabem que precisam de grandes ganhos de eficiência para conseguirem atingir outros níveis, e isso acaba também por fomentar o progresso económico. De qualquer forma, o abuso da posição dominante ficou consagrado no Art.º 82º, e ficou consagrado como uma proibição, mas uma proibição do abuso da posição dominante, e não um a proibição da própria posição em si. Da mesma forma, o Art.º 81º deve ser visto como uma proibição, mas não como uma proibição geral mas antes com uma proibição a que se viole por estas regras a concorrência.

Novamente, na análise do Art.º 82º, temos que ter em consideração as questões que já vimos, aqui ainda e forma mais nítida do que no Art.º 81º: a existência de um mercado relevante (se mo determinarmos, dificilmente saberemos se um dado agente tem ou não posição dominante, até porque não conhecemos os outros agentes que aí intervêm); novamente, aqui uma afectação do comércio entre os estados membros (a ideia ampla do que é o comércio, em que os estados membros são vistos como parte substancial do mercado comum); novamente, em causa a exploração abusiva, mas antes da exploração abusiva a tal posição dominante.

Mas como analisar, como considerar, que estamos perante uma posição dominante?

Recorramos às diversas alíneas, que neste caso nos vão indicar as práticas abusivas que resultarão da prática da posição dominante. As alíneas são, em todo o caso, idênticas às do Art.º 81º.

A questão que se coloca aqui, e que é mais complexa, é determinar se estamos ou não perante uma posição dominante. Esta posição dominante pode ser singular (uma empresa) ou colectiva (mais empresas), consoante quantos a explorem; mas como saber se temos posição dominante? Há três critérios:
1. Estrutura de mercado;
2. Comportamento de mercado;
3. Resultados.

O que tem sido mais trabalhado é o da estrutura de mercado, designadamente da quota. Estes critérios destinam-se a aferir se uma ou mais empresas têm possibilidade de decidir, unilateralmente, as condições...

Temos estes três critérios, em que o mais visível é o critério de quotas. Considera-se que quando temos quotas muito elevados podemos falar de posição dominante. Estamos a falar aqui de quotas acima dos 80%. À partida é uma posição dominante, sendo certo que não temos necessariamente uma posição dominante, por exemplo, se houve possibilidade de entrada de outras empresas no mercado. Se temos um monopólio legal, ou um monopólio natural ou de facto, estamos perante uma posição dominante. Estas quotas podem ser quotas de valor ou quotas quantitativas. As que são consideradas mais interessantes do ponto de vista da análise de estrutura de mercado são as quotas de valor. Considera-se que não há uma posição dominante se temos quotas inferiores a 10%, sendo que as quotas inferiores a 25%relelam que seja improvável surgir uma posição dominante.

Aula teórica de 16 Fevereiro 2007:

Na última aula estivemos a ver a matéria relativa à posição dominante no Direito Comunitário, relativa ao Art.º 82º do Tratado. Falámos na noção de posição dominante, tecemos algumas considerações sobre o artigo 82º, designadamente o corpo da disposição, e referimos desde logo que há aqui um conjunto de elementos que há que analisar antes de passar às diversas alíneas do Art.º 82º, que no fundo apenas vêm exemplificar o que pode consubstanciar uma política de posição dominante. Vimos que não são posições à partida negativas, só quando há um abuso desta posição é que se considera o comportamento inaceitável, tendo pois essencialmente uma questão de comportamento e não apenas de estrutura. Temos aqui mais uma vez o paradigma do direito da concorrência como o direito que pretende atingir um determinado resultado e não propriamente implementar... Por si mesmo. Referimos ainda que estávamos aqui perante um determinado comportamento susceptível de afectar o comércio. Essa susceptibilidade de afectar o comércio, por um lado implica que não haja necessidade de se verificar um resultado efectivo de lesão da concorrência, bastando a possibilidade dessa lesão. Esta noção de comércio é uma noção bastante alargada, de trocas comerciais que envolvam empresas.

Outra questão importante é que estas práticas que se consideram abusivas têm que resultar numa afectação do comércio. Falámos ainda na última aula, que foi o conceito de posição dominante, faltando falar da posição colectiva. Relativamente à posição dominante, surge aqui a necessidade de ter uma noção de conceito do que seja a posição dominante. Quando se fala em termos teóricos deste conceito, fala-se da possibilidade de tomar decisões de forma autónoma sem ter em conta os concorrentes, a possibilidade de definir as suas próprias condições sem ponderar o que resultaria de uma actuação conjunta no mercado, isto é, sem ter em conta as regras da oferta e da procura. Quando existe esta possibilidade de decidir autonomamente, diz-se que as entidades que a têm uma posição dominante.

Naturalmente que esta ideia do que é uma posição dominante, a possibilidade de uma decisão autónoma, acaba por ser extremamente difícil, até porque temos regras de actuação em que as empresas vão procurar aumentar os seus lucros, e tomar determinadas posições, e tem que se distinguir quando é que essas evoluções resultam efectivamente numa posição dominante ou quando é que essas actuações decorrem das regras normais do mercado, de uma procura da eficiência e do lucro. Mas a jurisprudência comunitária tem enquadrado depois a análise da posição dominante dentro de um conjunto de indicativos: dados mercado, comportamento e resultado. Dentro destes três indicativos, os que se afiguram mais trabalháveis, mais fáceis de utilizar, são os que dizem respeito à estrutura do mercado, designadamente aos que fazem uma análise das quotas de mercado. Quando se faz uma análise de quotas de mercado, tem que se saber se A. Tem uma quota de mercado de 80%, havendo ainda B., C. E D., sendo de apurar qual é a posição de cada uma das empresas. Tem-se considerado que uma quota de 80% ou superior, sobretudo se forem se 90% ou mais, representam uma posição dominante, resultando em geral da existência de monopólios, sejam eles legais ou naturais. Temos ainda limites inferiores, a partir dos quais a jurisprudência tem entendido que não se pode falar de posição dominante – 10% ou menos não há posição dominante. Falamos aqui, entenda-se e vinque-se bem, de quotas de mercado relevante. O Tribunal Europeu considera então que quotas inferiores a 10% não permitem uma posição dominante, e quotas inferiores a 25% dificilmente a permitirão.

As quotas têm sido vistas tanto em termos de valor como em termos de quantidade. A percentagem pode ser dada pelo número de vendas, pelo valor acumulado das vendas, ou podemos fazer análises de mercado que são depois inter cruzadas sobre quantidades. Há ainda outros dois elementos. Na estrutura do mercado temos as quotas, então e o que teremos no elemento do comportamento? O que sobre a essencialmente são as práticas adoptadas por essas empresas, e a determinação de saber se estas práticas estão ou não apoiadas numa autonomia relativamente à concorrência e aos consumidores. Esta análise é mais difícil. Por exemplo: de ano a ano, a empresa analisa e altera os preços. Porquê? Terá isso a ver com os concorrentes ou com os consumidores, ou a analise actualiza porque sim? Não estamos aqui ainda a falar de um comportamento abusivo ou não, não fazemos ainda valoração sobre o comportamento da empresa. Vemos é se o comportamento da empresa no mercado é consubstanciado em que tipo de alicerces. É esta análise que nos permite tecer considerações mais precisas sobre o primeiro conceito que nos foi dado – saber se essa posição de mercado se traduz ou não em decisões autónomas.

A última referência à posição dominante, já que eu não percebi a dos resultados, diz respeito à chamada posição... Esta ideia de existência de uma posição colectiva, vs. Posição individual, tem que ser levada em conta porque na posição colectiva se fala de uma ou mais empresas explorarem de forma abusiva o mercado comum. Quando falamos aqui de uma ou mais empresas, há sempre uma correlação que tem que ser feita com o Art.º 81º. No Art.º 81º, como vimos, falava-se essencialmente de coligações, e considerámos que esta disposição era apenas aplicável às coligações entre empresas, e por aí. Deixámos de fora desde logo uma componente grande de entidades, que respeitam aos grupos económicos – uma série de entidades que têm autonomia jurídica, mas não autonomia económica face a uma casa-mãe. Perante as regras comunitárias, temos aqui uma única empresa. Se estivermos então perante uma dada empresa, neste sentido, não se aplica o Art.º 81º, mas aplica-se o Art.º 82º. Não por estar em causa mais do que uma empresa, mas especialmente, se tivermos a falar de grupos horizontais com mercados relevantes verticais. O facto de as empresas e dos grupos não estarem sujeito às regras do Art.º 81º não significa pois que não venham a estar sujeitos às regras de Direito da Concorrência, se a quota de mercado for elevada lá vem o nosso belo do nosso Art.º 82º.

Isto por um lado mostra-nos que questões que tinham ficado de fora do âmbito do Art.º 81º são agora analisadas pelo Art.º 82º, resolvendo-se um conflito negativo que as deixaria de fora, mas agora temos outro problema: conflitos positivos. Se tivéssemos visto que havia um acordo entre empresas, por exemplo relativo a preços, ele ficaria subsunido no Art.º 81º. Agora imagine-se que nesse acordo de preços as empresas teriam uma posição dominante. Aí aplicar-se-ia o Art.º 82º. Ah pois é, má vem o conflito positivo... Tem havido uma grande flutuação relativamente a este Art.º 82º e à sua aplicação. Desde logo, este artigo não foi logo aplicado porque de alguma forma se queria proteger a dimensão das empresas comunitárias – houve uma certa visão de favor, por se considerar que essas entidades têm uma capacidade primordial de dinamizar a economia. Mas esta ideia, depois de sofrer algumas alterações e depois de alguma alteração de jurisprudência, veio a ser matizada, cimentando-se mais a ideia da aplicação do Art.º 82º. Hoje em dia considera-se que qualquer situação que caia no âmbito de aplicação do Art.º 82º deve ser tratada nesses termos, e não do visado Art.º 81º. Considera-se pois que o Art.º 82º é especial relativamente ao Art.º 81º, já que as suas disposições são mais exigentes para as empresas, por não termos as disposições do balanço económico do nº 3 do Art.º 81º. Por se considerar que a priori estas situações são mais complexas face ao Direito da Concorrência, não se faz aqui o exercício que vimos fazer no Art.º 81º. Não estou a perceber grande coisa disto hoje. Este exercício não é realizado aqui quando estamos a falar da existência de uma posição dominante, este do nº 3 do Art.º 81º. Quando analisamos a existência de uma posição dominante, quando dividimos entre o Art.º 81º e o Art.º 82º, temos aqui um direito de concorrência que vai privilegiar um determinado resultado – a existência de um mercado concorrencial praticável e efectivo –, e temos aqui outra divisão do direito da concorrência como fim em si mesmo. Iremos retomar este tema da posição dominante quando falarmos da dependência económica no Direito português, por ele não estar consagrado no Direito Europeu mas estar no Direito português.

Quanto às situações que se consideram práticas abusivas, elas vêm previstas em quatro alíneas do Art.º 82º, que no fundo são idênticas Às que já vimos no Art.º 81º: condições de venda que não sejam justas, que não sejam apropriadas para um determinado mercado (uma empresa de telecomunicações que tenha a rede e seja a única prestadora desse serviço começa a galopar nos preços por saber que os consumidores não têm alternativa); limitação da produção ou da distribuição ou da evolução técnica em prejuízo dos consumidores (no nosso direito reconduzem-se ao abuso de dependência económica, e são situações mais horizontais que verticais); condições desiguais em caso de prestações equivalentes (têm sido aqui analisadas situações em que são dados benefícios de fidelidade, ou benefícios relativos a compras em quantidade, com prejuízo para a fidelidade); subordinação dos contratos à aceitação de prestações suplementares (o caso de venda de armas que obrigavam a determinados cartuchos específicos). O que tem que ser aqui analisado é a situação objectiva de posição dominante, situação essa que por si só não é suficiente para colocar em acção esta disposição. É sempre necessário verificar-se um abuso relativamente ao agente que detenha essa posição dominante, e só aí considerado que há abuso é que pronto. Esta referência ao abuso é essencial, sendo essencial também a referência à ideia de que a posição dominante por si mesma não é considerada abusiva face ao mercado.

Quanto às regras comunitárias relativas ao Direito da Concorrência, temos ainda com grande importância o Art.º 86º e o Art.º 87º.

O Art.º 86º, relativo às empresas públicas, é importante por permitir alargar o âmbito do direito da concorrência a todas as entidades que funcionem no âmbito do mercado. São apenas salvaguardadas as entidades públicas que não funcionem em termos de mercado, no fundo as que são encarregues de serviços de interesse económico geral, tendo-se considerado que dentro desta ideia de empresas públicas acabamos por ter toda a Administração pública, excluindo serviços de segurança social e meramente administrativos, mas incluindo tudo o que tenha trocas comerciais pelo meio. Quanto ao Art.º 87º temos três partes: os auxílios que são considerados incompatíveis, depois os compatíveis e depois os que podem ser considerados compatíveis por via de uma consideração por via de uma existência de uma dada necessidade. Quanto aos auxílios considerados incompatíveis, vamos falar deles depois do Carnaval.


Aula teórica de 26 Fevereiro 2007:

Aula teórica de 26 Fevereiro 2007:

Esta fase da matéria é uma fase em que se começa a passar para a matéria das relações económicas internacionais. Este ano, vamos dar muita importância à matéria de Direito Economia, por indicação do Sr. Prof. Luís Morais.

Como temos vindo a ver, o Direito da Concorrência é tributário a nível nacional do Direito europeu. Daí que primeiro vamos dar esta parte europeia, e só depois então estudar ainda melhor a parte nacional.

Até aqui, já fizemos uma passagem por algumas áreas fundamentais do Direito da Concorrência, as que vêm previstas nos arts. 81.º e 82.º. Visitámos matérias como as coligações – mais do que uma empresa interessa uma actuação conjunta. Já vimos a este respeito a proibição, a sanção, e até a ponderação sobre a possibilidade de essa prática se manter ou não face a outros valores que se consideram mais importantes do que as regras da concorrência em si mesmas. Falámos ainda sobre a posição dominante, do Art.º 82º, e nesta análise do art.º 82.º fizemos referência à noção de posição dominante, ao que se pretende aqui acautelar, à noção de posição dominante e aos critérios que permitem aferir a existência de posição dominante. N última aula, começámos já a ver a questão dos auxílios do Estado.

Na última aula, e quanto à posição dominante, de forma resumida estivemos a ver não o corpo principal da disposição, que já tínhamos visto (o conjunto de pressupostos necessários de verificar para saber se algo se enquadra aqui ou não), as formas e a necessidade de determinar a posição dominante, e a exploração abusiva da posição dominante, tendo visto a este propósito um elenco de formas de se verificar essa possibilidade. Vimos ainda a importância de apurar para esta questão a noção de mercado relevante, talvez até de forma mais premente aqui, pois acaba por ser uma ajuda preciosa quando estamos a verificar as situações em que há posição dominante. Na última aula vimos ainda que para a posição dominante temos uma definição doutrinal têm posição dominante a empresa ou conjunto de empresas que podem, de forma autónoma, toma as suas opções específicas, sejam elas de preço, quantidade ou qualidade). Esta situação não é, como referimos, prejudicial por si só. Há até autores que consideram que a existência da posição dominante, que tem como corolário as concentrações, só traz benefícios económicos, pois só estas grandes empresas podem trazer a exploração de mercados mais distantes, de maiores inovações e pesquisas científicas, a criação de estruturas fortes e coesas. É a partir de Schumpeter, e do estudo dos ciclos económicos, que se conclui que os ciclos económicos mais fortes começam com grandes descobertas, grandes inovações tecnológicas e científicas, criadas em empresas quase monopolistas ou, enfim, dominantes. É no fundo novamente a ideia de Adam Smith – é através dos egoísmos individuais que conseguimos os maiores progressos económicos. Em termos económicos, este individualismo vai potenciar a eficiência, um melhor serviço aos consumidores, e que todos beneficiem destas tendências individualistas, defendem os autores clássicos liberais. Isto tudo para explicar que a posição dominante por si só não é vista como algo a evitar no mercado, tal como as próprias concentrações não são vistas como algo a evitar no mercado, já que em ambas tanto as autoridades comunitárias com nacionais intervieram e intervêm tarde, com cautela, para não retirar os benefícios que daí possam advir. A posição dominante por si só não é pois uma situação que seja considerada ilegal, ilegítima, ou que mereça sequer preocupações a nível fiscal. O que se considera inaceitável é que exista abuso relativamente a essa posição dominante, isto é, que quem está em posição dominante tenha um comportamento que se considere inaceitável face a um conjunto de valores que se consideram essenciais, e que portanto se entendeu que deveriam constituir um limite – acordos sobre preços, etc.

Mas na última aula ocupamo-nos não tanto das alíneas do art.º 82.º mas do que é afinal posição dominante. Já vimos uma posição teórica, mas o exercício que possibilita esta análise não pode ser meramente teórico, pelo que houve que encontrar um conjunto de critérios que possibilitassem uma aferição mais objectiva desta situação. Tínhamos então três critérios essenciais. O critério mais importante é o que diz respeito à estrutura de mercado, o primeiro. Vimos sobre ela tínhamos essencialmente uma análise que se baseava nas quotas detidas por essas empresas, sendo que a partir de 80% seria aceitável considerar que uma dada empresa tem uma posição dominante, e abaixo de 10% nunca, e abaixo de 25% dificilmente consideraríamos que tem posição dominante. Estas quotas podem ser aferidas em termos quantitativos ou de valor ou de quantidade. Esta visão das quotas de mercado, quando falamos da análise da estrutura de mercado, não deve ser feita em termos estritos, mas sim em termos dinâmicos. Nesta visão dinâmica é necessário ter em consideração a existência de mercados específicos, como aqueles que exigem conhecimentos específicos, investimentos avultados, ou tecnologias específicas, etc. Se estivermos perante estes mercados específicos, teremos sempre obstáculos de facto à entrada.

Quanto ao segundo critério para verificar se temos uma posição dominante, o dos comportamentos, importa aqui a actuação de facto das empresas no mercado. Nos critérios de comportamento, visa-se determinar se a empresa tem ou não na realidade em consideração a actuação de outras entidades no mercado. São análises já mais difíceis de levar a cabo. Será que, ao tomar uma certa opção, a empresa tem em consideração a concorrência? Será ela afectada por decisões da concorrência? Terá em linha de conta os consumidores? Ou faz o que quer, porque quer e como quer? As análises de resultado pretenderam demonstrar que certos comportamentos não podiam ser considerados comportamentos de entidades que tinham posição dominante, por não darem à empresa um certo resultado em termos de lucro (???). Exemplo: um certo aumento de preço, ou uma alteração das condições de venda, pode ser considerado predatório ou não? Só se conduzir a uma situação de vantagem para essa empresa. Se não, então nada feito. Estas análises de resultado foram as mais criticadas, por isso a que temos como mais fiável é a análise de estrutura de mercado, e é a análise que, de forma indirecta, já fizemos quando determinamos o mercado relevante. Há ainda que referir que estas análises de posição dominante são análises essencialmente verticais, ou seja, quando estamos a falar de posição dominante em termos do art.º 82.º do Tratado, falamos à partida de situações chamadas de posições dominantes absolutas, e não relativas. Esta distinção é evidente se confrontarmos com a nossa legislação, onde existe a figura do abuso da dependência económica, sendo que é para essas situações que se fala de posição dominante relativa em termos de doutrina comunitária. A nível de doutrina comunitária, como vimos inicialmente, as posições dominantes não foram tão trabalhadas como as coligações. Entretanto, nas legislações europeias (como a francesa, que inspirou a nossa), houve sempre a ideia de que com a evolução dos mercados existia a necessidade de proteger agora a própria indústria face aos avanços do comércio. Considera-se que, em termos verticais e após a II Guerra Mundial, as entidades que ficaram com a maior possibilidade de tomar essas decisões a nível vertical eram entidades ligadas ao comércio, à grande distribuição. Falamos de entidades ligadas ao comércio que a montante condicionam os seus fornecedores, e a jusante os consumidores. Quando falamos das situações a montante, estamos a falar de situações que foram consideradas como abuso da posição dominante relativa. Se no abuso da posição dominante absoluta fazemos uma análise da estrutura de mercado e verificamos como estão as empresas concorrentes (elas podem actuar no mesmo mercado, ainda assim? Ou será uma dada empresa autónoma face aos seus concorrentes?). Em termos nacionais, considerou-se que esta situação, de uma empresa que tem uma determinada posição dominante que depois pode exercer uma determinada conduta que vai eventualmente prejudicar os consumidores – portanto a jusante –, não se enquadra de forma fácil na da dependência económica, em que temos uma certa entidade e, no caso dos grandes distribuidores, um conjunto de fornecedores que dependem dessa mesma entidade para conseguir sobreviver. Em termos de Direito Comunitário, considerou-se que esta última situação seria uma situação de posição dominante relativa, porque houve aqui necessidade de realizar uma análise de mercado diferente daquela outra de que se falou há pouco. A situação em que a doutrina conseguiu encontrar aqui uma posição dominante, de A face a B, C, e D, passou pela restrição artificial do mercado relevante.

Aula teórica de 5 Março 2007:

Na última aula vimos o abuso de posição dominante, dividindo-a em absoluta e relativa, e fizemos uma breve caracterização desta figura como é vista no Direito comunitário. Quanto a esta matéria, o que vimos basicamente foi que o Direito Comunitário consagrou um conjunto de regras que depois foram adoptadas pela nossa legislação quanto a abuso de posição dominante. O que acaba por se fazer é uma restrição artificial do mercado relevante, que permita enquadrar a posição dos agentes com domínio de um determinado mercado relevante. Para isto será necessário que estejam verificados um conjunto de elementos. Desde logo a dependência, que há que ser verificada de várias formas, havendo que consagrar a possibilidade de alternativa, para que outros prestadores de bens ou serviços possam competir no mesmo mercado "de igual para igual", digamos. Esse conjunto de factores compreende ainda a quota, e a consideração da quota no mercado. Tem-se ainda em consideração outro tipo de dependências, como a escassez. Outro factor importante é o tipo de produto em causa – se falamos de um produto de grande visibilidade associado a marcas, por exemplo. Esta ideia da existência de um produto equivalente, ou de um parceiro obrigatório, é importante tendo em conta que estas possibilidades de substituição é tão mais difícil quanto mais sofisticados forem os mercados. O que se tem constatado é que em sistemas de posição verticais – os que estudamos quando falamos de posição dominante relativa ou de dependência económica – cada vez os agentes económicos da cadeia estão cada vez mais dependentes, ou interdependentes, na medida em que têm que realizar investimentos cada vez mais avultados para nichos de mercado específicos. Uma empresa que haja feito avultados investimentos num sector para um dado cliente, se não os puder transferir para outro cliente ou produtos, isto condiciona as condições para que os mercados de concorrência perfeita funcionem de modo normal. Isto faz com que o enquadramento deste tipo de situações na posição dominante seja difícil, já que se fizermos um enquadramento na noção de mercado relevante como fizemos em relação à posição dominante absoluta, já que aqui há uma restrição do mercado relevante, porque só se consideram os factores que estão relacionados com o "sub mercado" específico. Em termos de Direito Nacional, como temos uma figura autónoma, desenvolvem-se critérios específicos, o que facilita muito a aplicabilidade desta noção.

A outra questão que há ainda que aflorar respeita aos auxílios de Estado. Antes do Carnaval, fizemos uma referência a esta matéria enquadrada na questão do tratamento do Estado face ao direito da concorrência comunitário. Este tratamento do Estado tem relevo em duas disposições essenciais: uma respeitante às empresas públicas e outras relativas aos auxílios do Estado (art.º 86.º e art.º 87.º). Este art.º 87.º divide os auxílios de Estado em três partes: compatíveis, incompatíveis e os que podem ser considerados compatíveis. Logo à partida, há a reter que a noção de Estado é uma noção alargada, noção que não se restringe ao Estado de per si mas abarca institutos públicos, serviços autónomos, etc. É pois uma noção ampla de Estado. Outra questão a considerar é que o objectivo desta disposição é impedir que o Estado modifique ou altere artificialmente a concorrência. Há aqui desde logo uma diferença grande face aos arts. 81.º e 2882.º Os destinatários desta disposição não são as empresas. Esta, especificamente, é aplicável apenas ao Estado, e não também ao Estado como o art.º 81.º ou 82.º. Esta aqui não é oponível soa particulares. Por outro lado, tem sido considerado pela jurisprudência que não deve ser aplicado a esta disposição o conjunto de regras de de minimus que foram considerados noutras disposições. Considera-se aqui que há uma maior exigência no cumprimento da mesma, porque o destinatário não é uma mera empresa, mas sim o Estado. Pretende-se assim o objectivo absoluto da não existência de auxílios que falseiem a concorrência. Naturalmente, esta questão é um pouco uma questão que acaba por ser teórica, já que quando falamos de afectação de trocas entre Estados membros (...). Falta-me aqui algo. Quanto a estes auxílios, temos ainda a possibilidade de afirmar (?) as trocas, trocas entre os Estados membros. O efeito que aqui se pretende impedir é que a concorrência seja falseada. Não se tem em consideração o objectivo primário que o Estado tem quando concede o auxílio, é irrelevante, do ponto de vista da aplicação desta disposição, o objectivo, o motivo pelo qual o Estado concede o auxílio. O que tem que ser aferido em primeiro plano é se esse auxílio afecta as trocas entre Estados membros, e se esse auxílio falseia a concorrência. Por outro lado, temos uma panóplia grande do que se pode considerar auxílio de Estado. Tem-se entendido que quando há enumerações deste tipo de auxílios elas são meramente exemplificativas, que vão a todos os elementos que possam constituir uma diminuição de receitas públicas ou aumento das despesas públicas. Sempre que haja qualquer destas duas situações, podemos considerar que estamos perante um auxílio de Estado. Estes auxílios, como já se referiu, não são apenas os que respeitam a subsídios directos. Temos aqui então garantias dadas pelo Estado, isenções fiscais, facilidades a nível de utilização de energia, por exemplo, etc.

O maior problema na aplicação deste artigo acaba por ser a distinção da visão do Estado como investidor daquela em que vamos considerar o Estado como dando o auxílio. Isto é particularmente visível se estivermos perante empresas públicas, ou participadas pelo Estado, em que temos de qualificar uma determinada actuação do Estado. Aqui o que a jurisprudência entende é que deixa de ser uma actuação como investidor para passar a ser um auxílio a partir do momento em que esta empresa possa obter, com base neste efeito, o financiamento ou a garantia em causa por parte do mercado. Se for de todo impensável que o mercado, os particulares, lhe atribuam este género de facilidades, então a empresa está a ter um auxílio e não propriamente uma actuação por parte do seu participante Estado na qualidade de investidor.

Os auxílios concedidos pelo Estado – já vimos – são considerados incompatíveis nos termos do n.º 1, mas têm também outras situações consideradas compatíveis com a concorrência, que estão no n.º 2.º no nº. 3º, quando se fala nos auxílios que podem ser considerados compatíveis, são os que, em termos de análise, possam vir a ser considerados compatíveis com o mercado não de uma forma imediata e objectiva, mas carecendo sempre de uma base, estando sempre dependentes da consideração do princípio da necessidade do auxílio. Estão dependentes deste princípio da necessidade do auxílio, e têm que ser considerados em que há um interesse na proporcionalidade a respeitar face ao interesse comunitário, à necessidade que aqui se coloca. O que se tem exigido é que o montante e a dimensão do auxílio seja determinado, para se poder verificar se o auxílio é adequado ou não ao que se pretende.

No entanto, este art.º 87.º permite aqui neste seu n.º 3, através de uma cláusula aberta, que o Conselho, sob proposta da Comissão, aprove outro tipo de auxílios que se considerem sem riscos. Pressupõe-se aqui uma análise casuística do ponto de vista europeu para ver se o comportamento dos Estados será ou não compatível com esta decisão. Isto tem de ser visto de uma forma cautelosa.

Relativamente a esta matéria, há ainda que reter que na próxima aula vamos entrar no Direito interno, pelo que antes de o fazer convém fazer uma referência conflito entre a aplicação do direito comunitário e do Direito nacional. A questão que se coloca é o facto de termos um conjunto de situações, e termos também dois ordenamentos jurídicos com posições específicas diferentes sobre essas situações. É o caso da posição dominante vs. dependência económica. Que direito então aplicar? O regime nacional? Ou o regime europeu?

Temos aqui duas teorias principais: a teoria da barreira e a teoria da barreira única. De acordo com a teoria da barreira, a este tipo de situações que estivemos a ver – práticas concertadas, acordos de empresas por um lado e posição dominante por outro –, e existindo uma situação em que sendo teoricamente aplicáveis ambos os regimes, podemos aplicá-los a ambos. Podemos aplicá-los a ambos sendo que a grande crítica desta teoria da barreira (ou será dupla barreira) é que as empresas vão sempre sofrer a aplicação do regime mais severo. Se aplicamos ambos os regimes, o que considerarmos mais exigente, mais severo, é sempre o concretizado. Na teoria da barreira única, entendem os autores que, sendo aplicável o regime comunitário, não se deve aplicar o regime nacional. A solução adoptada pela jurisprudência é a solução relativa à teoria da dupla barreira (confirma-se) com algumas reservas. Nesta solução da jurisprudência, entende-se que, se a uma situação são aplicáveis os dois regimes, devem ambos ser aplicáveis, até porque há franjas das situações que podem ser aplicáveis os dois ordenamentos. Há aqui que fazer duas ressalvas. A primeira é a do princípio do primado – o direito nacional não pode pôr em causa o Direito europeu, afastando-se quando o puser em causa. A segunda é o princípio da equidade – que nos diz que as decisões, quando são tomadas, devem ter em consideração anteriores decisões. Retenha-se ainda que estamos aqui a falar de um conflito positivo, e não de um conflito negativo – um conflito em que se considera que ambos os ordenamentos são aplicáveis.

Com a teoria da barreira única, estes problemas seriam solucionados pelo afastamento das... Mas a doutrina ou a jurisprudência considerou que esta não seria a solução mais adequada, porque qualquer situação seria passível de ter dois processos paralelos, que seguem dois regimes diferentes ainda que idênticos, que se vão debruçar sobre a mesma situação concreta. Daí que este conflito entre o direito nacional e o Direito comunitário não deixe de criar aqui algumas dúvidas quanto à sua aplicação, o que acaba por ser bastante difícil ao fazer o exercício de equidade e ao aplicar o primado.


Aula teórica de 9 Março 2007:


Na última aula falámos dos auxílios do Estado, e das relações do direito comunitário com o direito nacional no que diz respeito ao art.º 81.º e 82.º.

Relativamente aos auxílios, considerámos que teríamos aqui um conjunto de situações em que qualquer entidade pública estava do lado activo, e do lado passivo teríamos quer entidades públicas desde que actuem no mercado, quer entidades privadas. Considerámos que se a nível subjectivo tínhamos aqui um largo número de entidades, a nível substancial os auxílios aqui em causa tinham também um largo espectro, podendo ser auxílios a nível monetário, auxílios de outros níveis, que aumentem ou diminuam as receitas do Estado, ainda que de forma meramente virtual (utilização graciosa de espaço, isenções fiscais, apoios a nível energético...). Tenta-se aqui incluir não os auxílios em si mesmo, mas os auxílios que permitam a uma determinada empresa ter condições mais benéficas que outra empresa que actua no mesmo mercado relevante, e que por via dessas especiais condições, acaba por ficar em situação mais vantajosas, podendo assim captar maior número de clientes do que outra empresa que não teve tão grande número de auxílios. Ora o que se pretende aqui é verificar que, não havendo os auxílios, as empresas devam funcionar melhor ou pior, captar mais ou menos clientes, conforme a sua própria eficiência, porque isso só vai beneficiar os mercados e os consumidores. O que vimos aqui é que, contrariamente ao art.º 81.º e 82.º, esta disposição se aplica aos Estados e não às empresas, não se aplicando ainda a regra de minimus. Não são as empresas que têm uma conduta incorrecta ao receber ou pedir os tais auxílios, os Estados é que andam mal em dá-las.

Como questão mais problemática desta disposição, referimos ainda a necessidade de tentar conjugar a actuação do Estado oferecendo o auxílio com a actuação do Estado como investidor. Há aqui problemas que se colocam e que são difíceis de resolver – situações de fronteira em que é difícil determinar a partir de quando é que o Estado actua com o sentido de auxílio ou quando o Estado actua com o verdadeiro investidor, que pretende um retorno do seu investimento. Naturalmente o Estado vai tentar justificar as suas decisões no sentido de justificar que actua como investidor, mas aí é que há que determinar se as empresas poderiam obter o tipo de auxílio que estão a obter no mercado pelas vias normais, ou se só o Estado é que auxilia sem ter em consideração essas regras de mercado. Vimos ainda que tínhamos os auxílios incompatíveis (os que põem em causa o mercado), os incompatíveis (sociais), ou os que podem ser consideradas compatíveis (o princípio da necessidade do auxílio), presentes nos n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 87.º. Depois passámos à matéria relativa à compatibilização do direito nacional com o direito da União Europeia. Estariam aqui presentes três teses fundamentais: a tese da chamada barreira única, a tese da dupla barreira, e a posição do Tribunal Europeu. Relativamente à teoria da barreira única, esta teoria entende que é apenas aplicável, um determinado ordenamento jurídico, e sendo aplicável o ordenamento comunitário não faz sentido falar na aplicação do direito nacional, e vice-versa. Na teoria da dupla barreira, entende-se que, pelo contrário, as regras da concorrência são aplicáveis neste tipo de situação, tanto as nacionais como as comunitárias. A doutrina da dupla barreira, numa situação de empresas de vários países, diz-nos que, atendendo ao caso concreto, o Direito nacional é aplicável na situação em que há efeitos que se desenrolam em Portugal, tem que ser tido em consideração o mercado relevante português, tem que ser feita uma análise tendo em conta esse mesmo mercado, e paralelamente far-se-á uma análise a nível europeu e essa análise é igualmente válida no caso que abrange uma situação que tem contornos de alguma forma prejudiciais. Os críticos desta teoria vão dizer que neste caso a grande desvantagem é que serão sempre aplicadas as regras mais severas, pelo que as empresas acabam por ser prejudicadas pela aplicação destas regras. O Tribunal Europeu vai adoptar outra teoria, que considera que se pode aplicar a teoria da dupla barreira mas com duas restrições fundamentais. A primeira diz respeito ao primado do direito comunitário – o Direito nacional não se aplica quando contraria o direito comunitário –, e por outro lado, nas análises que se fazem quer a nível da aplicação das regras comunitárias quer das regras nacionais, ter-se-á em conta qualquer análise, qualquer aplicação que haja sido feita ao abrigo de outro regime jurídico. Esta matéria vem de alguma forma explicada numa comunicação... Olha, morreu. Exemplificando: numa situação em que fosse aplicável o direito nacional e o direito comunitário, o direito nacional pode considerar que a justificação económica é aplicável a uma determinada situação, mas à luz da justificação económica do n.º 3 do art.º 81.º não é possível encontrar tal justificação. Neste tipo de casos as empresas não se podem prevalecer do direito nacional, dado que há que aplicar aqui o direito comunitário, prevalecendo esta regra relativamente a este acordo. Por outro lado, e quanto ao segundo critério, o que nos manda ter atenção a outro tipo de decisões já adoptadas, podemos ter uma situação em que já tenha sido aplicada uma determinada coima a uma empresa relativamente a um processo de acordo ou prática concertada. Se for esse o caso, a outra autoridade que se vai debruçar sobre esta situação terá que ter isso em causa antes de aplicar outra sanção pecuniária. Há depois ainda outras regras para melhor fazer face a esta problemática. Então e se se aplicarem vários regimes jurídicos – francês, espanhol, irlandês, dinamarquês, português, inglês, luxemburguês, alemão...? Bom, avancemos.

Ainda quanto a esta matéria, vamos agora ver rapidamente a nossa Lei 18/2003. Quanto ao que já foi dito relativamente ao art.º 81.º e 82.º, nada mais há que acrescentar.

A lei 18/2003 é um diploma que surge depois da criação da Autoridade da Concorrência, e que visa modernizar o direito da concorrência, aproximando-o o mais possível do direito comunitário. Esta aproximação ao direito comunitário acaba por ser uma regra omnipresente face ao Direito Comunitário. Ora como a Autoridade da Concorrência tem competências para aplicar os arts. 81.ºe 82.º do Tratado, tem toda a conveniência em que as regras sejam uniformes, daí essa aproximação.

Esta Lei 18/2003 tem uma vantagem para os alunos que iniciam o estudo desta matéria, uma vez que vai recuperar alguma matéria desenvolvida entretanto no foro jurisprudencial, permitindo um estudo melhor de toda esta matéria.

Logo no art.º 1.º, relativo ao âmbito de aplicação, temos novamente a ideia de que é uma lei aplicável a todas as actividades económicas exercidas, com carácter permanente ou ocasional, no sector público, privado ou cooperativo. Uma vez mais, a ideia da aplicação horizontal do direito da concorrência a todas as entidades que actuam no mercado. Nos termos do art.º 3.º comporta-se uma excepção, mas mesmo esta possibilidade é restringida ao âmbito em que a aplicação destas normas corresponda à missão que lhes foi atribuída, a estas empresas de prestação de serviços de interesse económico geral. Estas empresas foram trabalhadas em termos conceptuais pelo Direito Comunitário. Estes serviços de interesse económico geral têm em si uma ideia de universalidade, de abrangência a toda a população, e... A passagem dos serviços públicos para estes serviços de interesse económico geral também passou pela própria restirção dos serviços que se consideravam públicos, ou de interesse público, e que se deixaram de considerar de interesse público a partir do momento em que possou a haver viabilidade económica através do mercado. Desde que os particulares considerem que conseguem oferecer, em condições tão vantajosas ou mais do que as que são praticadas pelo Estado, então aí vão elas. Mas mesmo estes serviços que, nos termos do art.º 3.º, podem escapar à aplicação da lei, é apenas relativamente àquelas actuações que dificultem...

Temos depois no art.º 2.º a noção de empresa, novamente aqui reflectida a ideia de uma noção de empresa em sentido económico e não em sentido jurídico. Uma empresa é aquela que exerce uma actividade económica. Por outro lado, há aqui a ideia de que entidade económica é a que constitui uma unidade, uma entidade económica, no sentido de poder abranger mais do que uma empresa em termos jurídicos desde que, entre essas duas empresas, existam relações de domínio, ou seja, que não actuem por si próprias independentemente. Esta noção de empresa é importante para enquadrar os acordos de empresa e as práticas concertadas, uma vez que o que se passa no domínio... Não é abrangível pelas situações do art.º 81.º.

No nosso art.º 4.º temos as práticas proibidas, sendo um artigo que no fundo sistematiza o art.º 81.º do Tratado. Novamente aqui se fala dos acordos, das decisões de empresa e das práticas concertadas. Podemos encontrar, numa comunicação da Comissão que vem aliás no site da Autoridade da Concorrência, relativa à aplicação do n.º 3 do art.º 81.º do Tratado (2004C101/08). Esta comunicação, no seu ponto 5.º, vai dar aqui a noção da diferença entre o acordo e a prática concertada. Fala-se aqui novamente relativamente ao acordo na existência de uma obrigação, mas que, mesmo relativamente à prática, há que ter sempre uma determinada conduta que consubstancie essa prática – troca de informação, etc. Tem que haver aqui algo mais do que meras práticas paralelas entre as entidades.

No art.º 4.º temos os acordos, as decisões de associação e as práticas concertadas. Aqui vamos restringir os efeitos da concorrência ao mercado nacional, no todo ou em parte deste mercado. Elas vão-se traduzir num conjunto de situações que, grosso-modo, correspondem às que vêm previstas no art.º 81.º. Estas práticas são nulas, desde que não sejam justificadas nos termos do art.º 5.º. Se no art.º 81.º as práticas seriam justificadas nos termos do n.º 3 do art.º 81.º, aqui há um artigo autónomo.

Temos ainda a possibilidade de uma avaliação prévia por parte da Autoridade da Concorrência relativamente as estas práticas, tal como também existe uma possibilidade de avaliação prévia que vem prevista num regulamento da Comunidade Europeia. Esta avaliação prévia não é obrigatória – se forem justificadas nos termos do art.º. 5.º, não têm que se submeter ao crivo da Autoridade da Concorrência para poderem subsistir, mas é uma garantia que as empresas têm, para que, submetidas a essa avaliação prévia, possam ainda mais seguramente subsistir. Considera-se que, apesar da teoria da dupla barreira, há aqui uma restrição que diz respeito a esta competência de avaliação prévia, e assim, nos termos do n.º 3, considera-se que há a acção prévia não pode ocorrer num caso em que uma determinada situação seja também afectada pela aplicação do art.º 81.º. Porquê? Como a teoria da dupla barreira, nos termos em que foi elaborada pela jurisprudência, faz referência à necessidade de analisar as várias situações existentes, assim as empresas não se poderiam escudar em meras análises nacionais para se isentarem, ou para se justificarem. Esta avaliação prévia que aqui vem prevista, está no Regulamento 9/2005 da Autoridade da Concorrência, que novamente reitera que o procedimento de controlo relativo a práticas que integrem o âmbito de aplicação do art.º 81.º do Tratado...

Este regulamento explicita ainda que a avaliação pode ter duas consequências: a declaração da aplicabilidade da prática, ou a questão da inaplicabilidade à prática, nos termos do dispostos no art.º 81.º. Temos pois duas análises distintas e sequenciais: primeiro analisa-se o art.º 1.º, e se for legal nem sequer temos que ir ao art. º5.º, o chamado balanço económico. Caso se considere que há uma prática ilegal face ao previsto no art.º 4.º, esta avaliação prévia pode ditar que o disposto no n.º 1 do art.º 4.º é salva pelo disposto no art.º 5.º. Estas disposições do art.º 5.º são, disse-nos a jurisprudência, situações temporárias, de verificação periódica, que visa apurar se se mantêm estas questões do art.º 5.º, e podem ainda incluir condições ou obrigações que as empresas tenham que ir mantendo – os chamados remédios, no âmbito das concertações. Esta questão vem prevista no n.º 2 do art.º 6.º, no anexo ao Regulamento 9/2005 da Autoridade da Concorrência.

Temos depois as situações e abuso de posição dominante. Contrariamente a outros diplomas, temos aqui critérios quantitativos denominados em termos legais. Aqui vamos poder adoptar os que vimos, em teoria, para o Direito da Concorrência. O art.º 6.º desenvolve um pouco mais o que se considera uma posição dominante. A prática abusiva é também limitada por via da remissão para o artigo relativo às práticas proibidas, sendo que aqui se fazem algumas imposições de elementos adicionais. Por exemplo, no caso nacional a CP já teve que constituir a REFER que gere as redes; a nível das comunicações temos esse problema, que é sempre referido quando se falou nesta OPA da PT.



Aula teórica de 12 Março 2007:

Na última aula falámos da Lei 18/2003, e entrámos no regime nacional das práticas proibidas. Este regime surge na sequência do que estamos a dar a seguir ao regime que vimos ser aplicável às práticas proibidas com dimensão comunitária (art.ºs 81.º e 82.º do Tratado da União Europeia). Relativamente a esta aula, vamos continuar com as práticas proibidas, fazendo uma especial referência ao art.º 7.º, ao abuso da dependência económica, o que chamámos em sede de direito comunitário o abuso da posição dominante relativa, e entraremos em seguida nas concentrações de empresas (art.ºs 8.º e ss.). Falaremos ainda no Regulamento 139/2004 do Conselho e no regulamento 802/2004 da Comissão.

A Lei 18/2003 define o seu âmbito de aplicação às actividades económicas que se desenvolvam, ou que tenham efeitos, em território português – princípio da territorialidade. Demos depois a noção de empresa, alargada como actividade que presta serviços económicos (art.º 2.º), Falámos ainda do art.º 3.º, e ainda do art.º 4.º e art.º 5.º (este último correspondente de algum modo ao n.º 3 d art.º 81.º). Note-se que este art.º 5º.º tem aplicação no que diz respeito à proibição, ou à punição, de práticas que sejam proibidas nos termos do art.º 4.º. Ou seja, na Lei 18/2003 temos aqui três situações em que se faz referência às práticas proibidas nos termos do art.º 4.º:
1. As práticas proibidas nos termos do art.º 4º.º
2. O art.º 6.º, relativo à posição dominante, sendo o abuso mencionado por referência às práticas que vêm referidas no n.º 1 do art.º 4.º;
3. Abuso de dependência económica (art.º 7.º) – Este abuso é caracterizado através das práticas que vêm previstas no n.º 1 do art.º 4.º.

Há que evitar a tendência de ler o art.º 5.º como justificativo das práticas referidas no art.º 4.º ou no art.º 6.º ou 7.º, tentando justificá-las com o que vem previsto no art.º 5.º. Não. O que o legislador pretendeu aqui foi utilizar o tal balanço entre a proibição, a violação, do Direito da Concorrência, e todo um conjunto de valores que há que ponderar, incluindo-se só aqui o que vem previsto no art.º 4.º e não o que vem no art.º 6.º ou art.º 7.º. O art.º 5.º é pois só aplicável ao que vem disposto no corpo do art.º 4º.º, e não nas alíneas. É no fundo o mesmo que vem previsto no Tratado – o n.º 3 do art.º 81.º não se aplica ao que vem previsto no art.º 82.º. A própria caracterização do Direito Comunitário da Concorrência não admite este tipo de justificação, por considerar estas situações – abuso de posição dominante, etc. – bastante mais graves.

Na última aula, entrámos nas situações de abuso de dependência económica. Relativamente ao abuso de dependência económica, fala-se aqui muito da teoria do chamado parceiro obrigatório. Quando analisámos este tipo de paralelo no direito comunitário – a posição dominante relativa – vimos já que são situações de eventual abuso em termos verticais e não em termos horizontais. Essa situação de verticalidade nas relações económicas é evidente logo no n.º 1 do art.º 7.º.

Nestas situações verticais, quando se fala de dependência económica, caracterizamos situações que inicialmente pretendiam proteger o comércio e a indústria – considerava-se que o comércio e a indústria não estavam suficientemente desenvolvidos, e podia-se pôr em causa a subsistência de pequenos comerciantes, surgindo assim esta forma legislativa de proteger a indústria e o comércio dos hipermercados, por exemplo, como fornecedores/clientes. Nesta noção de dependência económica, temos aqui o conceito de alternativa equivalente – podemos dizer que uma determinada entidade está num estado de dependência económica se não dispõe de alternativa equivalente. O legislador dá-nos depois, no n.º 3 do art.º 7.º, uma margem quando tenta caracterizar esta noção de alternativa equivalente. Dá-nos então dois critérios-guia: se há um grupo restrito de empresas, por um lado; e por outro, se não puder obter um conjunto de condições idênticas por parte de um parceiro razoável. A alternativa equivalente é assim vista no sentido de que uma entidade pode tentar arranjar outros clientes ou outros fornecedores para continuar o seu negócio (a importância da ideia de manutenção da actividade normal da empresa, procurando a tal alternativa equivalente), sendo essa alternativa equivalente pautada por condições idênticas, ou que se considerem que podem substituir as existentes. O problema que aqui temos que ter sempre em consideração é que devemos considerar que estamos sempre perante autonomia privada, pelo que a ideia de dependência económico não colhe, em termos de Direito Civil – isto é, as relações que se estabelecem entre as entidades são relações que podem à partida ser quebradas. Esta problemática da existência e da defesa da dependência económica não é pois uma questão fácil em termos jurídicos. Está-se aqui a privilegiar uma relação entre duas entidades quando não há qualquer... que envolva essas entidades, e portanto de acordo com os critérios de autonomia privada é complicado obrigarmos os privados a estabelecer relações domerciais duradouras com outras entidades. Na Alemanha, por exemplo, considera-se que estas situações de dependência económica são aceitáveis só para as pequenas e médias empresas, porque se entende que as grandes empresas devem ter condições de procurar outras alternativas.

A caracterização da dependência pode ser feita em função de um conjunto de critérios que são dados pela doutrina. Fala-se a este respeito de quatro elementos principais:
1. Escassez;
2. Suprimento;
3. Relações entre as empresas;
4. Procura.

Quanto à escassez, podemos ter empresas que dependem de outras especialmente em situações de acesso à matéria-prima, quando esse acesso está dependente de monopólios onde haja restrições naturais ou legais – petróleo, extracção de minério, etc. Temos ainda outro critério que diz respeito ao fornecimento, ou suprimento, (não percebi bem), e que diz respeito ao tipo de produtos que estão aqui em causa. Uma marca de skis famosos por exemplo não poderia dispensar a existência de determinadas marcas perante certos agentes económicos, que faz com que esses agentes económicos não possam funcionar sem essas marcas, marcas chamariz que servem para estabelecer... (está pouco claro, alguém que clarifique, s.f.f.).

Temos ainda quanto ao suprimento tipos de bens que são tecnologicamente muito desenvolvidos, e esse desenvolvimento tecnológico pode causar também aqui uma grande dependência económica face à necessidade que depois têm em adaptar o seu processo produtivo a essas mesmas marcas. As próprias marcas automóveis, sem serem marcas de ponta, acabam, com o desenvolvimento tecnológico que se tem dado todos os anos, acabam por entrar aqui neste grupo, visto que os fornecedores e os concessionários das marcas têm que fazer investimentos avultados para poderem trabalhar com essas marcas, sendo que esses equipamentos não são adaptáveis às outras marcas. Se pensarmos que esses equipamentos só são rentáveis durante cinco anos, por exemplo, então há aqui uma certa dependência económica.

Quanto às relações entre empresas, têm-se em conta parâmetros como a adaptação de todo um processo produtivo à venda de bens específicos de uma determinada entidade, sendo que a passagem para outra entidade irá causar a essas empresas custos bastante elevados.

Temos por fim a dependência em função da procura, que sucede quando não conseguimos encontrar outros clientes para os fornecedores escoarem os seus produtos.

Temos depois outros critérios que nos permitem aferir da dependência em função de um mercado específico:
1. A quota de mercado do fornecedor;
2. Produtos no fornecedor/distribuidor (???);
3. Existência de outros produtos noutros fornecedores.

Assim, entende-se que a Entidade A só depende da Entidade B se a Entidade A representar mais de 50% do seu fornecimento. Se não for assim, consideramos que há perfeitamente uma alternativa equivalente.

Como já referimos, há que ter em consideração sempre o elemento temporal – a existência da possibilidade de encontrar alternativas num prazo considerado razoável.

Depois de termos encontrado uma situação de dependência económica, e se considerarmos que não há alternativa equivalente, temos ainda que justificar a existência do abuso, e esse abuso é encontrado pela adição de qualquer um dos comportamentos previstos no n.º 1 do art.º 4.º. Acrescenta-se aqui a esta listagem do art.º 4.º a ruptura injustificada da relação comercial.

Vamos entrar agora na matéria que diz respeito às concentrações. Esta matéria vem nos arts. 8.º e ss. da Lei 18/2003. O funcionamento desta matéria das concentrações é desde logo diferente da matéria relativa às práticas proibidas, uma vez que há necessidade de uma notificação prévia, que vem prevista no art.º 9.º da nossa Lei 18/2003. Para as práticas, não tem que haver notificação prévia, no caso das situações que vêm previstas no art.º 5.º e que portanto são vistas como justificáveis. Mas quanto à concentração de empresas, ela só é admitida quando as entidades hajam notificado previamente, e até lá o negócio realizado é suspenso (art.º 11.º). Considera-se que há uma concentração, nos termos do art.º 8.º, quando estamos perante uma fusão ou aquisição. O que interessa aqui é a aquisição do controlo de uma determinada empresa, controlo esse que é depois caracterizado nos termos do n.º 3 do art.º 8.º.

As excepções quanto às concentrações vêm previstas no n.º 4 do art. 8.º.

Por outro lado, a notificação prévia, e a ideia da concentração de empresas sujeita a este regime, entende-se que só vale quando as empresas tenham uma determinada dimensão. É no fundo como todo no Direito da Concorrência – só com dimensão pode haver afectação de mercado. Essa dimensão vem prevista no art.º 9.º. Falamos de valores de quotas superiores a 30%, ou a empresas que no seu conjunto tenham um volume de negócios superior a 150 milhões de euros. Os critérios para aferir estas quotas de 30% vêm previstos no art.º 10.º, tal como os critérios para determinar o volume de negócios das empresas. Como elementos diferenciadores, temos uma disposição sobre instituições de créditos e sociedades financeiras (n.º 5 do art.º 10.º), atentando ao tipo de produtos que são vendidos por estas sociedades ou instituições, que são diferentes (por causa dos juros, etc.), e temos ainda a ressalva quando a concentração diz respeito a parte das empresas, e não ao todo, em que a concentração dirá respeito apenas a essa parte e não ao todo da empresa (n.º 4 do art.º 10.º).

A Autoridade da Concorrência apreciará então os pedidos de concentração que recebe, no sentido de saber se essas concentrações são ou não susceptíveis de afectar o mercado nacional. A ideia presente nestas concentrações vem então prevista nos n.ºs 3 e 4 do art.º 12.º. A análise que é realizada, isto é, como é que se vão tentar detectar esses entraves à concorrência, surge-nos depois no n.º 2 do art.º 12.º, ao apelar a uma análise técnica que pondere a estrutura dos mercados, a análise das empresas e do seu peso económico face aos principais concorrentes, e a existência de barreiras à entrada no mercado. Esta ideia de acesso ao mercado acaba depois por ser desenvolvida noutras alíneas, quando nos falam nas fontes de abastecimento (al. e)), possibilidade de escolha de fornecedores (al. b)), e ainda na al. I), etc.

Como vemos, face a estes critérios está aqui sempre presente a ideia da existência de uma posição dominante, e o facto de se considerar que a existência de uma posição dominante é nefasta, por poder criar entraves à concorrência num determinado mercado. Tanto o n.º 3 como no n.º 4 do art.º 12.º falam sempre, ao lado destes entraves, na possibilidade de existência ou reforço de uma posição dominante, que crie entraves ao mercado concorrencial.

Aula teórica de 16 Março 2007:

Na última aula falámos das concentrações como previstas em Direito comunitário. Este foi um tema que surgiu tardiamente na doutrina, e que teve também uma consagração em termos legislativos mais tardia por causa da ideia de que as empresas de grande dimensão potenciam o desenvolvimento e permitem dar saltos qualitativos económicos – remete-se aqui para os ensinamentos de Schumpeter. De certo modo, esta matéria apareceu sempre ligada à posição dominante, que traz em si a questão permanente dos malefícios e benefícios do monopólio, neste caso os malefícios por se pensar que isso pode afectar o mercado.

Na nossa Lei 18/2003, a matéria das concentrações está tratada no art.º 8.º e ss. Logo no art.º 8.º é nos dada a noção de concentração, a forma como se pode considerar que existe uma concentração, e ela pode então surgir no caso de duas ou mais empresas ou no caso em que há a aquisição do controlo de uma outra empresa. Temos depois um conjunto de disposições que nos vão fazer referência à ideia ou à própria noção de controlo. O que se entende por controlo? E a partir de que momento é que se pode considerar que há aqui uma fusão no sentido de uma empresa controlar a outra? A ideia não é restringir o controlo à aquisição, mas sim alargar este conceito clássico de aquisição a todas as formas que permitam que uma entidade controle outra. A partir do momento em que em vez de duas entidades autónomas passamos a ter uma, temos uma concentração. Na fusão à partida temos duas empresas que se junta. Na aquisição de controlo, uma empresa consegue, por via de domínio, ficar a deter ou a controlar a outra empresa, mas vai além de um mero conceito de aquisição. Temos na lei vários exemplos de como isto se pode efectivar. Já falámos por diversas vezes desta ideia de controlo, designadamente quando falámos de empresas públicas, mas aqui associada à ideia de domínio. Aqui temos uma situação semelhante – uma empresa que tem capacidade parar dominar a outra.

Temos essencialmente dois tipos de situação: de um lado a fusão, de outro o controlo. Na situação de controlo põem-se em evidência duas situações diferentes: uma empresa exerce uma situação de domínio face a outra empresa; ou há a criação do que se chama uma empresa comum. Esta ideia de empresa comum (art.º 8.º n.º 2) é bastante usual quando falamos de holdings ou SGPS. Imaginemos uma empresa, A., e dela dependem duas empresas – a B. e a C. Não percebi isto bem, mas parece ser um controlo realizado de forma ascendente, através de uma criação de uma empresa comum (A.) que manda em B. e em C. No n.º 4 temos elementos que restringem a noção, no sentido de descondsierarem deste tipo de conceito algumas situações: aquisições por via de recuperação de empresas ou de falência; aquisição de participações como meio de garantia; ou ainda relacionadas com instituições de crédito. Ao longo deste processo de concentrações, teremos outras restrições relativas a instituições de crédito.

A importância de todo este regime de concentrações acaba por ser dada não pela noção de concentração, que vem prevista no art.º 8.º, mas pelo art.º 9.º, pela formalidade aí prevista, que respeita à necessidade de notificação prévia. No fundo, esta necessidade diz-nos que o regime consagrado neste diploma, que sujeita as concentrações a uma notificação prévia a partir da qual será feito todo o exame das opções em causa, só é necessário em determinadas circunstâncias. O art.º 9.º é um artigo de alguma forma paralelo à ideia de minimus que vinha já na jurisprudência comunitária, no sentido de que só as operações de alguma importância deviam ser sujeitas ao crivo das regras de concorrência, e só depois a partir de certa dimensão se pode falar com propriedade de concentrações sujeitas a notificação prévia. É a partir desta notificação prévia que se desencadeia todo o processo analítico relativo a esta matéria. Ou seja, temos aqui uma estrutura completamente diferente da que vimos quanto às práticas proibidas. Aí temos situações consideradas legais ou ilegais, de acordo com as suas características próprias, enquanto aqui nas concentrações temos operações analisadas a priori a partir de uma notificação prévia, e será a partir dessa notificação que as operações vão ser analisadas, e só após a notificação é que os projectos se podem, ou não, concretizar. Esta necessidade de notificação e da respectiva autorização prévia por uma autoridade não está prevista no regime de práticas proibidas.

Já vimos que é necessário então o apuramento de uma dimensão da concentração. Essa ideia de dimensão é dada ou por uma ideia de quota de mercado ou de volume de negócios. Temos pressupostos alternativos, que uma operação de fusão ou de controlo que permita uma quota de mercado igual ou superior a 30% fica sujeita a uma notificação prévia. Se, adquirindo outra empresa, uma dada entidade consiga chegar a 33% do mercado, têm que notificar previamente, depois, se quiserem reforçar a sua posição em mais 1%, ficando com 34% de quota de mercado, há ainda assim que notificar. O mesmo acontece quanto às concentrações que permitam volumes de negócios superiores a 150 milhões de euros (al. B) do n.º 1 do art.º 9.º). No art.º 10.º temos alguns critérios que nos permitem aferir melhor e quantificar objectivamente a forma de calcular a quota de mercado ou o volume de negócios. Como elementos mais interessantes, avultam a restrição ao facto de o volume de negócios entre as empresas em causa não deverem ser tidos em conta para o cômputo deste valor. Por outro lado, se a aquisição ou fusão resultar não à totalidade das empresas mas apenas a parte dessas empresas ou desse grupo, o cálculo da quota ou do volume de negócios será aferido com referência a essa parte e não ao todo. Isto está no art.º 10.º n.º 4.º No n.º 5 do mesmo artigo temos aqui uma referência às instituições de crédito, recomendando-se aqui critérios diferentes das outras empresas. O que é que fica realmente de fora? O que fica de fora é a possibilidade de a empresa crescer em termos internos. Se tivermos uma empresa que, em termos internos, consiga um crescimento exponencial, esse crescimento não está sujeito a qualquer tipo de notificação ou de avaliação por via das regras da concentração. Incentiva-se a que as empresas cresçam pelos seus próprios meios e não com recurso a outras entidades já estabelecidas no mercado.

O art.º 11.º reforça os poderes e o sistema criado em termos de avaliação prévia da operação, considerando que as operações ficam suspensas e sem se poderem realizar até ser proferida uma decisão sobre esta matéria. Os critérios para a apreciação destas operações de concentração vêm previstos no art. 12.º. A ideia continua a ser a existência de uma concorrência efectiva no mercado nacional, que não deve ser posta em causa por via da existência deste tipo de operações. Há aqui neste artigo uma alínea que causa algumas dificuldades de aplicação. Falamos da alínea l), que fala na apreciação das operações de concentração tendo em consideração o contributo desta mesma operação para a competitividade internacional da economia nacional. Esta ideia de nacionalismo foi usada diversas vezes no sentido de evitar a entrada de investimento estrangeiro, mas aqui parte-se mais da pretensão de equilibrar um pouco a análise que se faz das concentrações e dos seus malefícios, face à necessidade de as empresas terem uma determinada dimensão e terem uma certa competitividade a nível internacional.
A Autoridade da Concorrência autorizará então as operações que não criem entraves à concorrência no mercado nacional, sendo que, no n.º 3, esta ideia surge por referência à de posição dominante. Se falarmos de quotas de mercado bastante elevadas, ou seja evidente a existência de uma posição dominante, a operação de concentração parece ter mais dificuldades em ser aceite, mas na análise feita o que conta mais não é existir essa posição, é essa posição, caso exista ou possa vir a existir, causar entraves à concorrência, apreciados à luz do n.º 2 do art.º 12.º.
As operações de concentração de que possam resultar entraves significativos à concorrência, serão proibidas nos termos do n.º 4 desta disposição.

Como complemento desta matéria, temos depois os procedimentos em termos adjectivos, que vêm previstos no Art.º 30.º e ss. Desta lei, e que nos vão dar os diversos casos nos quais a autoridade se deve pronunciar, sendo que a instrução dos processos deve ser feita no prazo de 30 dias (art.º 34.º), mas de acordo com o art.º 35.º pode decidir-se nos termos da al. C), dar início a uma investigação aprofundada, caso em que estes prazos de 30 dias são acrescidos de mais 9, como se vê no art.º 36.º, sendo que há aqui suspensão do prazo quando se solicitam informações.
Releva aqui ainda o art.º 38.º.

Relativamente à matéria das concentrações que vem prevista nas normas comunitárias, a estrutura é de todo diferente das práticas proibidas no respeito ao seu relacionamento com o direito interno. Se, na matéria das práticas proibidas, considerámos que se aplicava a tese da dupla barreira com as anotações do Tribunal Europeu, a nível de concentrações o sistema consagrado foi completamente diferente, por se considerar que as concentrações de nível europeu ficariam apenas na competência das entidades comunitárias, sendo que as autoridades nacionais não se podem pronunciar quando estejam em causa concentrações de nível comunitário. Aqui adopta-se no fundo a teoria da barreira única, no sentido de que as operações que tenham dimensão comunitária estão sujeitas apenas às regras de direito comunitário, não sendo aplicável a legislação nacional. Quanto a esta matéria, temos em vigor o Regulamento 139/2004 do Conselho, de 20 de Janeiro de 2004, e o Regulamento 802/2004 da Comissão de 7 de Abril. Sendo que a matéria que nos interessa está especialmente prevista no primeiro regulamento citado, o139/2004 do Conselho. Esta matéria não surgiu logo em termos de Tratado, porque houve sempre alguma dificuldade em abdicar das normas que sujeitam as concentrações a regimes administrativos, uma vez que há quem entenda que a dimensão em si mesma não deve a priori ser vista como causadora de problemas em termos económicos. No entanto, face aos problemas inerentes a estas concentrações e às perturbações que as concentrações causam no mercado, a partir do momento, especialmente nos anos 80, em que se começaram a verificar operações de concentração em larga escala, considerou-se que num sistema sem qualquer tipo de controlo não se poderia subsistir. Nesse sentido, começou-se a aplicar o art.º 81.º e especialmente o art.º 82.º a concentrações. Como já constatámos a nível do Direito interno, com um sistema de verificação e autorização das concentrações pretende-se verificar, não a posteriori mas a priori, se essas operações são ou não permitidas, e se vão ou não lesar o funcionamento normal do mercado.

Este regulamento não é muito diferente da nossa legislação, que como temos vindo a ver segue o ordenamento comunitário.

No seu art.º 3º, na definição de concentração, temos as ideias de fusão (igual à aquisição do controlo, no fundo). No art.º 2.º temos os critérios de apreciação das operações de concentração, e no art.º 4.º temos os procedimentos relativos a esta questão das concentrações que se baseiam na notificação prévia – tem que existir notificação prévia para que a analise desencadeie, e esta não é feita de toda e qualquer concentração, mas apenas das que tenham determinadas características. Temos depois disposições que nos permitem calcular o volume de negócios (art.º 5.º) e que nos vão dizer se essa operação tem ou não de se sujeitar à notificação prévia. Se sim, então vamos para o art.º 6.º. Estas operações estão suspensas até à decisão da questão notificada, e as autoridades comunitárias podem impor condições à sua decisão – o que, como vimos chamado na comunicação social, se tem chamado remédios. No art.º 9.º temos alguns aspectos importantes no tocante à relação dos Estados membros, em que se afirma que a Comissão poderá notificar alguns estados membros em certos casos se entender que há mercados distintos a serem afectados.


Aula teórica de 19 Março 2007:

Na última aula falámos das concentrações, nomeadamente do regime das concentrações no Direito comunitário. Focámos em geral oito pontos:
1. Introdução geral – surgem tarde, daí não estarem no tratado mas em regulamentos (139/2004 do Conselho e 802/2004 da Comissão). A partir dos anos oitenta, não obstante, e face aos problemas relativos a esta matéria (maior dimensão das empresas), o Tribunal começa a aplicar as disposições do art.º 81.º relativas às práticas proibidas e do art.º 82.º relativas à prática de abuso de posição dominante. Mas isto não foi suficiente para resolver alguns problemas que eram considerados essenciais relativamente a esta matéria, daí os regulamentos.

Na última aula vimos o Regulamento 139/2004, dado que o Regulamento 802/2004 é apenas complementar relativamente a este. Vimos que o regime das concentrações se que em grande parte o regime da nossa Lei 18/2003, que, melhor dizendo, se baseia neste regime deste regulamento, sendo que a parte das dimensões estão aqui subjacentes nas quotas de o mercado são diferentes, tendo em conta os respectivos mercados.
2.
Noção de concentração – referimos a reste respeito o art.º 3.º do Regulamento (aquisição do controlo que pode ser dado de forma a existir um controlo individual ou conjunto), etc. Referimos ainda as empresas comuns (holdings, SGPS), sendo aqui necessário existir uma relação duradoira face às entidades que dela dependem. Temos aqui uma situação de controlo, em que A. controla B., mas tendo aqui também C. D. controlados por A. Por isso, as relações de concentração podem não ser só meramente verticais, podem também ser horizontais desde que exista um controlo conjunto das empresas em causa.

3. Dimensão comunitária da concentração -Há aqui novamente uma certa ideia do de minimus (as concentrações que assumam uma dimensão considerável, etc., é que serão relevantes). A dimensão comunitária é-nos dada no art.º 2.º, onde se fala do valor das operações que dizem respeito às empresas envolvidas (operações a nível mundial, ou operações a nível da união europeia, havendo a salvaguarda de que, mesmo que os volumes sejam significativamente elevados, se 1/3 desse volume forem utilizados num único estado membro então considera-se que não há aqui uma dimensão comunitária, e a operação é relegada par a as regras nacionais, se existentes) (regra de dois terços). Esta disposição permite ainda alargar o âmbito das concentrações a determinadas operações que não tenham esta dimensão, mas que ainda assim cumpram os requisitos aí previstos.

4. Importância da determinação do mercado relevante – Fez-se aqui uma remissão para a matéria já dada a este respeito. É necessário ter em consideração o mercado relevante de produto e geográfico, para podermos pensar que empresas é que falamos e se há ou não operação de concentração.

5. Regras específicas para o cálculo do volume de negócios. Estas regras (art.º 5.º) dão-nos a possibilidade de fazer esse cálculo por referência ao grupo, a cada empresa ou aos Estados membros. Fizemos ainda algumas considerações sobre a forma como as concentrações são apreciadas, e os critérios para essa apreciação, que vêm previstos no art.º 2.º. Nesta apreciação têm-se em consideração estas matérias relativas à estabilidade dos mercados, à concorrência efectiva no mercado, à estrutura dos mercados, à evolução do progresso técnico, ao interesse dos consumidores, a saber se há ou não entraves significativos à entrada de novos concorrentes, e ainda à possibilidade da existência de "remédios" – soluções propostas pelas próprias empresas envolvidas ou pelas autoridades, que considerem que há remédios possíveis, ou formas de contrabalançar os malefícios que a concentração possa produzir no mercado.

7. Procedimentos – Fizemos referência à diferença face ao art.º 81.º e 82.º. Nos artigos do tratado, temos uma apreciação que não carece de notificação prévia, em que as situações podem ser consideradas como compatíveis ou incompatíveis, mas sem uma consideração à priori das situações. As concentrações ficam antes suspensas no ordenamento jurídico até que exista uma decisão relativamente à possibilidade de essas operações prosseguirem ou não. A notificação prévia vem prevista no art.º 4.º, e temos outros procedimentos previstos no art.º 6.º, que culminam com a decisão de oposição ou de não oposição, sendo que a decisão de não oposição pode ser condicionada, isto é, sujeita ao acatamento de um conjunto de"remédios" para a operação poder prosseguir.

8. Relacionamento com os Estados membros – Se relativamente aos arts. 81.º e 82.º considerámos que estava aqui presente a ideia da teoria da dupla barreira, no sentido de que tanto o ordenamento comunitário como o ordenamento nacional são aplicáveis a cada uma das situações concretas que se apurem, no regime das concentrações temos uma situação diferente. Aqui, a partir do momento em que uma operação de concentração tem dimensão comunitária, fica automaticamente excluída do âmbito dos Estados membros, passando para a Comissão Europeia. Mesmo no caso de uma operação de dimensão comunitária, a Comissão pode reenviar a apreciação para as autoridades nacionais caso existam mercados específicos em causa.

É ainda interessante contrapor esta matéria, especialmente a última parte, com o que vem previsto no regulamento relativo às práticas proibidas, o Regulamento 1/2003. Este regulamento tem desde logo uma parte preambular, considerandos através dos quais o legislador comunitário explica a introdução do regime. Este regulamento 1/2003 do Conselho, ede16 de Dezembro de 2002, é relativo às regras de aplicação do regime dos arts. 81.º e 82.º do Tratado, e chama a atenção para o facto de existir um regime concorrencial de aplicação das regras nacionais e comunitárias, à h uma excepção relativa ao n.º 3 – sempre que uma prática possa ser considerada permitida, à luz do n.º 3, não deve ser considerado proibido pelos estados membros, tal como qualquer situação em que exista um regulamento da União Europeia de isenção de categoria sobre estas matérias. É o quarto considerando. Chama-se ainda a colação os considerandos 8.º e 12.º, sendo esta ideia também reflectida no art.º 4.º deste regulamento.

Com esta parte sobre as concentrações, terminamos a matéria relativa ao Direito da Concorrência. Entramos agora na parte que diz respeito ao Direito Económico Internacional.

Quanto às relações económicas internacionais, que anteriormente estabeleciam uma outra cadeira mas que hoje é dada com Direito da Economia, temos alguns pontos comuns quanto às matérias, desde logo porque se no Direito Económico tratamos das regras fundamentais da organização económica, dentro dessas regras fundamentais a matéria internacional assume uma preponderância cada vez maior num mundo globalizado, regido por acordos e práticas supranacionais. Cada vez mais assistimos a, de um ponto de vista nacional, os Estados terem cada vez menor capacidade de intervenção e de autonomia face ao que anteriormente acontecia, já que as relações económicas que se estabelecem são de nível global e carecem de ser reguladas. Para existir uma regulação básica dessas mesmas relações entre os agentes económicos dos diversos estados, é necessário que haja organizações internacionais que tratam dessas relações entre estados

Até à II Grande Guerra era possível a existências dessas regulações celebradas por acordos bilaterais, isso vai ser claramente insuficiente para fazer face às necessidades dos agentes económicos. Nesta matéria, vamos ter aqui como sujeitos privilegiados os Estados e as organizações internacionais, e não propriamente as empresas. Se, em Direito Económico, estudámos a intervenção do Estado tendo especial atenção a estes sujeitos, muitas foram as matérias que versaram sobre a actuação dos sujeitos individuais (empresas). Neste caso, pretendemos ter sempre presente a actuação dos Estados, sendo que depois serão eles que irão actuar a nível interno organizando as regras através das quais os agentes económicos podem colaborar com os agentes económicos dos outros países. Subsistindo dúvidas sobre a bondade da aplicação dessas regras nacionais, será por via de mecanismos diplomáticos, previstos nomeadamente nos Tratados, que as empresas devem tentar regular a sua posição. Nesta matéria, temos então à partida os Estados e as organizações internacionais como sujeitos das as relações económicas internacionais, e temos ainda outras duas questões prévias ao estudo das organizações internacionais que vamos fazer (FMI, Banco Mundial e OMC - Organização Mundial do Comércio). Antes disso, é preciso verificar as relações monetárias nos diversos estados

A matéria das relações monetárias é aqui importante porque é através da moeda que se vão estabelecer as relações de troca, ou que se vai permitir criar aqui um conjunto de relações entre os diversos estados, tirando algumas conclusões quanto à actuação desses estados. Nesta matéria, fala-se então quer da balança de pagamentos quer dos regimes cambiais.
A balança de pagamentos é um instrumento de registo, e regista as relações económicas externas de um país . Só falamos de balança de pagamentos quando falamos de economias abertas, economias onde há trocas de e para o exterior. São apenas estas relações que a balança de pagamentos vai registar. A balança de pagamentos é bastante interessante, por utilizar um método de contabilidade das chamadas patilhas dobradas, em que cada transacção é registada duas vezes, e cada uma dessas vezes com sinal contrário das outras. Por exemplo: uma remessa de emigrantes é registada a crédito na balança de pagamentos..., e o registo a débito vai ser feito na balança financeira. A actual estrutura da balança de pagamentos portuguesa foi bastante alterada no final dos anos 90, e estas alterações fizeram-se com base em processos internacionais de harmonização estatística, por compatibilização com o FMI, Banco Central Europeu e Eurostat. Será bom de ver que para qualquer estudo da balança de apagamentos, é essencial que exista aqui um bom sistemas estatístico que permita apurar com rigor as acções efectuadas de e para o exterior. O nosso sistema interno recolhe estas informações junto de diversas entidades, a partir das quais procura realizar amostras. Há entidades obrigadas a prestar informações estatísticas: instituições financeiras, bancos, sociedades financeiras, etc., estão obrigadas a prestar essas informações estatísticas. Temos ainda o declarante directo – qualquer entidade que realizar transacções para o exterior e do exterior para cá. A Direcção-Geral do Tesouro está obrigada a recolher e prestar estas informações mas apenas quanto às operações realizadas pela Administração pública. O Instituto Nacional de Estatística também fornece dados quanto ao comércio internacional, e o Banco de Portugal também tem voto na matéria.

Quanto a esta matéria estatística, os técnicos que trabalham nela estão face ao cruzamento das diversas informações relativamente satisfeitos com esta mesma informação, e consideram-na fidedigna e reflectora da realidade mais do que e qualquer outro tipo e informação. Consideram que há aqui diferenças assinaláveis nas declarações feitas ao Fisco e nas declarações feitas para efeitos estatísticos, porque quando é estatística o povo, fala, e quando é fisco... já tocam outro disco.

A actual estrutura da balança de pagamentos tem quatro sub-balanças principais: pagamentos, capitais, financeira e... Houve aqui uma alteração relativamente ao final dos ano s90, nao estando essa alterações reflectidas em alguns manuais.

Na balança primeira temos quatro sub-balanças: mercadorias, serviços, rendimentos e transferências. Na balança de capitais temos duas sub-balanças: transferências de capitais e aquisição..., e na balança financeira temos cinco sub-balanças: investimento directo, investimento carteira, investimento derivados financeiros, outros instrumentos e activos de reserva.

Algumas balanças são bastante evidentes quanto aos registos que são nelas efectuados, outras nem por isso.
A
Balança de mercadorias vai registar as transferências de mercadorias (exportações a crédito e importações a débito). A balança de serviços é ao contrário. Ainda dentro da balança corrente, a balança de rendimentos regista o pagamento de salários, dos juros, de renda. Salários de quem? De trabalhadores portugueses com colaboradores no exterior, de empresas estrangeiras com trabalhadores cá a trabalhar, etc. A balança de transferências regista as transferências dos emigrantes e as transferências da União Europeia, mas esta balança regista apenas as transferências periódicas enviadas por emigrantes e pela União Europeia. Se falarmos de transferências que não sejam periódicas, isto é, se os emigrantes vierem definitivamente para Portugal, esse registo passa a ser efectuado na balança de capitais, por transferência de capitais.

Dá para ver que há um conjunto de situações que devem ser estudadas pelos especialistas para saber em que balança vai ser registada cada uma das transacções que é realizada de e para o exterior, sendo que quanto mais detalhada for a balança mais fácil se torna para quem quer estudar a partir daí. A nossa balança corrente, por exemplo, nos serviços tem uma subdivisão relativa aos transportes, falando e transportes marítimos, aéreos, rodoviários, ferroviários. Nos transportes marítimos fala-se de mercadorias, passagens e outros. Há pois um conjunto de subdivisões relativamente a cada uma destas balanças, e quanto mais subdividida for mais dificuldades se podem colocar nas rubricas, mas permite uma análise mais detalhada sobre a situação de um determinado país face ao exterior, permitindo uma maior intervenção relativamente à economia se houver grandes disparidades entre as diversas balanças. Por isso, quando falamos de um problema na balança de pagamentos, não falamos do conjunto da balança de pagamentos, que não pode ser deficitária, dado ter sempre uma dupla inscrição a crédito e a débito. Podemos é ter problemas relativamente a cada uma das sub-balanças que compõem a balança de pagamentos.

A balança de agravamento acaba por ser este registo que, para algumas correntes doutrinárias, tem uma importância bastante acentuada – lembremo-nos das teorias mercantilistas, para quem a riqueza de um determinado país derivava de um excedente apurado em termos de balança de pagamentos, sendo que um país precisava de aumentar as suas reservas de ouro e moeda estrangeira para se considerar que tinha um bom nível de rendimento, sendo esse aumento realizado através de exportações a nível da balança de mercadorias, e depois na de serviços, sendo que os serviços só começaram a ser considerados em especial a partir da Revolução Industrial. Actualmente o valor apurado nas várias categorias da balança de pagamentos vai-nos também permitir averiguar da capacidade de um país nas áreas financeira, serviços, transportes, etc.

Associados a estas teorias que estudam aprofundadamente a balança de pagamentos, e que nela vêem um instrumento que permite tirar conclusões sobre a possível intervenção do Estado, ou sobre o que o Estado deve fazer com a economia, surgem em especial as políticas proteccionistas, que pretendem modificar a estrutura da balança de pagamentos, não por via de uma intervenção directa no sistema produtivo do país, mas através de uma intervenção mais rápida do Estado para que se resolva o problema mais imediato das balanças. Esta ideia de proteccionismo/liberalismo é uma ideia que vai estar sempre presente na matéria das relações económicas internacionais, tendo-se fundado nas teses de um... Estas teorias consideram-se prejudiciais relativamente ao desenvolvimento global e de cada autonomia, mas há sempre autores que entendem que o comércio livre não é benéfico para todos, e especialmente não é proporcionalmente benéfico para todos, pretendendo introduzir alguns mecanismos que disciplinem este comércio livre permitindo a todos ter benefício desse comércio livre. Quem entende que não deve haver entraves ao comércio livre vai partilhar estas políticas de proteccionistas, sendo que o termo "proteccionistas" assume agora um certo relevo pejorativo ou até negativo nas relações entre os diversos estados. Mas convém não esquecer que mesmo as grandes potências ocidentais são tradicionalmente proteccionistas – é o caso dos EUA. Também a União Europeia tem sido acusada de ter um regime altamente proteccionista quanto à sua abertura, no que acaba por prejudicar os países em desenvolvimento, países cuja principal fonte de rendimento é a agricultura, e que não entram no espaço europeu devido aos preços e às políticas proteccionistas. Estas políticas podem ser políticas a nível alfandegário ou de outro nível, como as que vimos no que diz respeito a auxílios – auxílios à exportação, ou auxílios à produção quando destinada...

Para a próxima aula, regimes cambiais.

Aula teórica de 23 Março 2007:

Não houve.

Aula teórica de 26 Março 2007:

Na última aula começámos com a matéria de relações económicas internacionais. Quanto a esta matéria, falámos no início, nalgumas teorias primordiais que dão origem às relações comerciais entre os estados, que é o que esta cadeira pretende estudar, e alguns instrumentos relativos à mesma, designadamente a balança de pagamentos. Relativamente à cadeira de REI, falámos que os sujeitos são Estados – uma concepção restrita de relações económicas internacionais –, da forma como os Estados estabelecem relações entre si (muitas vezes são no seio de organizações internacionais), o que leva a que incluamos aqui também organizações, onde temos essencialmente do Pós-II Guerra – o Banco Mundial, o FMI e a OMC.

Relativamente às fontes temos os tratados internacionais, os estatutos destas organizações internacionais, e não usamos como fonte nesta cadeira o Direito interno, por não ter competência para abranger situações deste tipo, que na maior parte dos casos estravazam as relações do Estado entre ele mesmo. Ficamos pois só com o Direito internacional.

Relativamente às origens das relações económicas internacionais, na última aula falámos nos mercantilistas. Há comércio internacional desde que começa a haver comércio entre os homens (Fenícios, Gregos, Romanos...). Esse comércio internacional tem sido mais ou menos intensificado d acordo com teorias subjacentes às vantagens do comércio internacional, mas o grande evoluir deste tipo de relações económicas surge após a II Guerra Mundial. Como teorias impulsionadoras deste comércio internacional fala-se das teorias de David Ricardo e de Adam Smith, que vão basear o crescimento e o desenvolvimento dos Estados na sua diversidade e nas suas diferenças, assentando as vantagens na especialização e nesse comércio. Para Adam Smith (teoria das vantagens globais), os Estados deverão concentrar-se nas trocas quando conseguissem vantagens absolutas; David Ricardo vai introduzir a teoria das vantagens comparativas – se o Estado A produz X com vantagem sobre B, o país A. deve produzi esse produtos. Para David Ricardo, na teoria dos custos comparados, comparar ainda o produto interno bruto (???) – apesar de A. produzir melhor X, Y e Z, o estado A. deve produzir apenas X, dado que produz muito melhor X do que Y ou Z, apesar de ainda assim ter vantagens em Y ou Z. Se se concentrar na produção de X, ele vai conseguir superar os ganhos que obteria pelas outras teorias, pelo que vai conseguir comprar X, Z e ainda ficar com dinheiro. Assim, os países só têm a lucrar com a existência deste tipo de trocas.

Ao lado destas concepções, temos as concepções ditas proteccionistas, em que avultam desde logo as concepções mercantilistas, que entendiam que a riqueza dos países se meda pela riqueza, pela quantidade de moeda acumulada, sendo que a quantidade de moeda acumulada conseguia-se através de um excedente na balança de reservas, exportando mais do que se comprava. Importaria exportar o máximo possível e importar o mínimo possível. Eles vão assim adoptar um conjunto de politicas para impedir a entrada de produtos estrangeiros no país, influindo assim na balança de pagamentos.

Vimos na última aula em especial o instrumento da balança de pagamentos. Vimos que era um único sistema de registos das relações comerciais de um determinado país com o resto do Mundo. Há registos de entrada e registos de saída – o que se exporta e o que se importa é registado nas diversas sub-balanças da balança de pagamento. Quando falamos de um défice na balança de crédito, falamos de um deficit numa sub-balança específica. A balança de pagamentos é pois o registo que nos vai permitir aferir das relações existentes entre um Estado e o resto do Mundo.

O outro elemento de que se fala sempre associado à balança de pagamentos é o sistema cambial. Sabemos que, a nível interno, as trocas se realizam preferencialmente através da moeda, por ser um meio de pagamento e por ser medida de valores, o que permite a concretização das relações comerciais de forma célere e sem grandes obstáculos. Se estamos a falar do Mundo, introduz-se ma pequena variante, que é o facto de existir não apenas uma moeda mas várias moedas. Coloca-se pois o problema do valor d uma moeda face a outras moedas. A taxa de câmbio é exactamente a expressão desse valor da moeda face às restantes moedas. Podemos ter outras expressões de valor da moeda – se falarmos de inflação, vemos o valor da moeda face aos outros produtos existentes no mercado; se falarmos de taxas de juro, falamos no valor da moeda face ao futuro. A moeda é um produto tal como os outros – tem um dado valor em si mesmo. Estas teorias quantitativas são teorias que aplicam os princípios básicos da oferta à própria moeda.

A taxa de câmbio vai então dar-nos o valor da moeda face às outras moedas, o que é naturalmente importante se falamos de relações comerciais entre vários estados, que têm que entrar em trocas entre si, havendo necessidade de existir uma forma de permitir essas trocas comerciais com recurso a uma medida de valor.

Os sistemas de taxas de câmbio, aliados à existência de moeda (???), causam sempre alguns problemas aos Governos, que têm sempre associada a moeda aos seus recursos de soberania, pelo que têm alguma dificuldade em entender a moeda cujo valor seja livremente fixado sem depender do Estado em si mesmo. As teorias económicas têm vindo a acentuar que a moeda, tal como os outros produtos, depende muito em termos de valor das trocas comerciais que a sustentam, e que devem ser as mais amplas possíveis. Como sabemos, os Estados têm tido sempre a tendência para intervir na questão do valor da moeda, aumentando o seu valor ou baixando o seu valor através designadamente da introdução de mais liquidez no mercado, ou através da retirada de liquidez ao mercado (por exemplo, quando retiram notas de circulação). Estes condicionalismos que os Estados tentam concretizar no que diz respeito à moeda são cada vez mais difíceis, dado que a moeda se tem tornado um instrumento internacional – se, em termos internos, devia ser relativamente fácil influenciar o valor da moeda, aumentando ou diminuindo-o, dizem os liberais que as tentativas do Estado em tentar controlar um dos instrumentos básicos da economia não são bem-vindas, têm efeitos perversos, são completamente indesejadas e causam prejuízos ao evoluir do comércio. São essas teorias, surgidas sobretudo depois da II Guerra, que têm vindo a perdurar, em todo o mundo mas em especial também na União Europeia – a estabilidade monetária não deve ser mantida independente, isto é, deve acompanhar o evoluir da economia e não ser fixada à parte.

Podemos falar aqui de três tipos essenciais de regimes cambiais: fixos, flexíveis e mistos.

Os regimes cambiais, à partida, nunca são puros no sentido de perfeitamente fixos ou perfeitamente flexíveis, mas podem ser tendencialmente fixos ou tendencialmente flexíveis. Os sistemas cambiais flexíveis são aqueles em que o mercado é que vai ditar o valor das moedas, e o Estado não vai intervir no sentido de fixar valores máximos, mínimos ou standard para uma determinada moeda. Ao contrário, nos sistemas cambiais fixos o Estado estabelece plataformas máximas e mínimas com valores fixos, determinando periodicamente o valor da moeda. Os sistemas mistos são aqueles sistemas em que os Estados têm valores que estabelecem como máximos e mínimos, mas em que se vão adaptando às alterações existentes a nível de mercado. Ou seguem aquilo que o mercado determina, fazendo intervenções pontuais se considerarem que elas são úteis para determinar o valor da moeda, corrigindo o que não estiver tão bem definido.

Para os especuladores, os sistemas que entendem serem os mais fáceis para obter avultados lucros, são os sistemas cambiais fixos. Porquê? Porque nestes sistemas, os Estados determinam um determinado valor da moeda, e ao não considerarem a evolução do mercado têm que ou comprar grandes quantidades de moeda própria (vendendo moeda estrangeira) ou colocar no mercado grandes quantidades de moeda própria. Os especuladores sabem que havendo aqui uma discrepância entre estes dois valores (o estabelecido e o que o mercado considera justo), ou o estado é extremamente rico ou mais cedo ou mais tarde vai entrar em falência, ajustando as taxas de câmbio.

Com a globalização e outros eventos internacionais, os Estados têm cada vez menos capacidade para determinar o evoluir da sua própria moeda, pois o mercado, a um nível muito maior, regular-se-á por si mesmo.

Relativamente às organizações internacionais que nós temos para estudar o valor da moeda, na Conferência de... em 1944 (inserir o nome da conferência, s.f.f.), discutiu-se qual seria o melhor sistema a nível cambial para reger uma nova ordem internacional, para que os estados possam estabelecer relações de comércio internacionais estáveis. Temos duas teorias fundamentais: as de Keynes e as de White. Se Keynes defendia a existência de uma intervenção a nível dos Estados que permitisse potenciar o crescimento e o pleno emprego, dizendo que a moeda é um mero499 reflexo da política interna, não carecendo pois de uma intervenção directa, já os americanos tinham uma visão mais liberal em termos de economia, já nas teorias de White havia mais liberdade relativamente às trocas comerciais realizadas. Encontrou-se uma fórmula para adoptar novamente um sistema cambial estável, em que o sistema de trocas se processaria através do dólar, o que permitiu também o desenvolvimento dos Estados Unidos, que apesar de terem um deficit que não parava de crescer, tinham uma utilização muito forte da sua moeda, como instrumento de troca em todo o Mundo.

Os sistemas financeiros dos Estados são depois ajustados nos termos dos estatutos do FMI, que permite aos Estados utilizarem algumas políticas e financiamentos como forma de conseguirem a estabilização da sua moeda e das suas economias, mas o que está aqui eminentemente em causa é a possibilidade de desenvolver o comércio internacional, desenvolver uma actividade comercial entre os Estados membros. Acaba por ser um pouco a mesma ideia que está subjacente à criação da União Europeia – existir paz entre os países, e fundar essa paz nas relações económicas que geram interdependências entre os Estados. Esta proposta relativa a criação de uma organização que estabelecesse regras parar o comércio internacional surge a partir da tal conferência de 1944, mas só depois do 1.º ciclo do Uruguay Round, em 1986, é que aparece o chamado GATT depois de 1994. No entanto, sob proposta dos Estados Unidos, e na Conferência de Haia, consegue chegar-se a um entendimento, a um código de conduta, que coloca em vigor entre os Estados o Gatt de 1947, que entra em vigor a 1 de Janeiro de 1949, que é um acordo geral sobre pautas aduaneiras e comércio. Este acordo de 1947 tem conseguido efeitos extraordinários a nível do desenvolvimento de comércio – considera-se que foi a instituição mais bem sucedida (apesar de não ter personalidade jurídica) dos últimos cinquenta anos. Foi de tal forma extraordinário que se considera que o volume de comércio internacional aumentou 14 vezes, e que as pautas aduaneiras dos países envolvidos baixaram em média 40%.

Quanto às diferenças existentes entre 1947 e 1994, a OMC vai ser uma organização internacional que vai conseguir um conjunto de acordos... Fala-se aqui agora de acordos multilaterais (a maioria), que são acordos obrigatórios para todos os membros da OMC, assem possibilidade de opting-out (ou seja, sem possibilidade de ficar de fora). O n.º 2 do art.º 2.º (???) dá preferência aos acordos unilaterais. Os acordos unilaterais são os que não são obrigatórios – os Estados apenas aderem a estes acordos se assim o entenderem.

Em termos genéricos, o objectivo do GATT é o objectivo da liberalização, diminuindo o proteccionismo e as barreiras aduaneiras. Ele tem um conjunto de princípios que vão funcionar no sentido de potenciar esta liberalização a nível do comércio. Desde logo, estabelece-se como princípio geral o princípio da protecção aduaneira exclusiva Estes princípio diz-nos que são admissíveis alguns tipos de obstáculos, alguns tipos de políticas proteccionistas, políticas essas que são as chamada taxas aduaneiras – as que surgem no momento da entrada dos produtos. Depois deste princípio da protecção aduaneira exclusiva, surge-nos outro – o princípio da proibição das restrições quantitativas. As restrições quantitativas são se no fundo tudo aquilo de que falarmos quando falarmos de proteccionismos directos ou indirectos. Havendo este princípio da protecção aduaneira exclusiva, que vimos acima, há aqui um trabalho no sentido de reduzir estas taxas aduaneiras. A única protecção permitida são as taxas aduaneiras, e é isso que se pretende reduzir. O GATT é um acordo dinâmico, é um sistema que funciona em teremos dinâmicos e não estáveis. Há ciclos negociais, que devem ser trienais, e é nesses ciclos que se vão negociar ou renegociar as taxas aduaneiras. Os ciclos negociais funcionam com base no princípio da consolidação associado ao princípio do abaixamento sucessivo. O princípio da consolidação funciona como tecto máximo, e temos ainda o princípio do abaixamento sucessivo – os consolidam mas de ciclo para ciclo devem baixar. Estes são ciclos negociais.
Os princípios do abaixamento sucessivo prevêem que de ciclo para ciclo os preços baixem.


Aula teórica de 30 Março 2007:

Colaboração de Alexandra Beja

Sistema do GATT
Vários Acordos que compõem o bloco da OMC

A OMC surge na sequência do Acordo de Bretton Woods. Não foi possível instituir esta organização relativamente ao comércio.
A Carta de Havana põe em vigor o GATT de 47.
Subsistiam alguns problemas (coercibilidade do mesmo), sentia-se falta de uma entidade com personalidade jurídica.
O sistema foi evoluindo a partir de 94 que surge o novo GATT a partir da OMC que traz como novos elementos em relação ao sistema do GATT, a divisão entre Acordos Multilaterais e Acordos Plurilaterais.

Inicialmente os países podem em grande parte optar por acordos / determinadas situações.
Com a OMC criam-se estes dois tipos de acordos e passa a ser obrigatório fazer parte dos acordos multilaterais onde cabe o GATT e o Memorando da Resolução de Litígios.

Nos acordos multilaterais, os Estados podem optar pela adesão ou não a estes acordos.

GATT:
Estamos perante um acordo que tem como princípio basilar, o princípio da protecção aduaneira favorecida.
No fundo, o sistema de funcionamento do GATT baseia-se no princípio da exclusividade das tarifas aduaneiras.

Os Direitos Aduaneiros concretizam-se no momento de desalfandegar.

Seis razões para este ser o único obstáculo aceitável:

1- Mais transparente – Imposição de limites de volumes e de quantidades. Aplica-se em alternativa o art. 11º

2- Afectação mais eficiente de recursos

3- Admitem arrecadação de receitas para os governos – Não é visível em restrições quantitativas

4- Admite-se que tenha uma administração mais simples

5- Não carecem de qualquer tipo de financiamento

6- A sua redução é mais fácil de negociar por serem mais transparentes, por terem uma simples negociação.

GATT dinamiza o comércio pela redução do proteccionismo. Baseia-se na redução dos Direitos Aduaneiros. Não é um acordo tradicional em que os Estados devam basear as suas relações.
Pretende influenciar os Estados fazendo com que alterem as suas posições relativamente aos Direitos Aduaneiros de forma progressiva. Pretende uma redução contínua e gradual do proteccionismo.
Este abaixamento vai-se realizar / consagrar nos vários ciclos negociais (trianuais) e vão alterando as listas das suas taxas aduaneiras ciclicamente (Art. 28º GATT).

Os diferentes ciclos negociais foram subsistindo através do Princípio da Consolidação e Princípio do Abaixamento Progressivo das Taxas Aduaneiras (Art. 2º e Art. 28º GATT).

O que se pretende é que os Direitos Aduaneiros vão indo no sentido de serem reduzidos.

Ciclos Negociais – Verificam-se dificuldades neste tipo de negociação de país a país e passa a ser feito de produto a produto. Depois do ciclo de Tóquio passa a ser feita pelo sector de produtos.

Passaram de 40% para 4% ao longo da vigência do GATT.

O Princípio da Protecção Aduaneira Exclusiva, o Princípio da Consolidação e o Princípio do Abaixamento Progressivo são essenciais para aprender a dinâmica do GATT e o modo de funcionamento do mesmo.

Há ainda mais dois princípios.
O Princípio da Não Discriminação que se desdobra na Cláusula da Nação mais favorecida e no Princípio do Tratamento Nacional.

A Cláusula da Nação Mais Favorecida é uma cláusula bastante antiga (desde o século XII) nos acordos internacionais. Pretende estabelecer uma igualdade para obter maiores benefícios.

10% B
A
15% C


As taxas têm que ser idênticas.
O Estado A terá de dar a todos os seus parceiros as mesmas condições que serão verificadas pelas que forem mais favoráveis que serão estendidas a todas as nações. Aplica-se tanto às importações como às exportações. Aplica-se de forma automática para todos os países.

O Princípio da Nação Mais Favorecida não pressupõe negociações cíclicas. Todos vão beneficiar do abaixamento das taxas nos produtos similares.

Cláusula da Nação Mais Favorecida (Art. I do GATT)

Outra questão em relação ao GATT é a do produtos similares.
Os países têm tentado caracterizar ao máximo determinados produtos para os distinguir de outros.
Ex.: Denominações de origem. Gado com características transalpinas, etc... porque essa é a única forma que as nações têm tido para não aplicar o mesmo regime a todos os parceiros, para ter em conta produtos especiais.
Tentou-se criar amplas categorias para produtos similares porque quanto menos produtos diferenciados existirem mais fácil serão as negociações sobre os próprios produtos e o processo torna-se mais transparente.
Outro Princípio prende-se com o Princípio do Tratamento Nacional.
Surge no século XII ou até antes mas o funcionamento deste princípio é bastante diferente do que se verifica na Cláusula da Nação Mais Favorecida.
Fala-se das condições dadas ao produto depois do seu desalfandegamento.
Condições internas que são impostas para a comercialização de um determinado produto.

O Princípio do Tratamento Nacional é uma forma de não-discriminação que pretende evitar mecanismos de proteccionismo que seriam fáceis de implementar, não permitindo um possível conjunto de entraves a estes produtos que poderiam ser entraves à sua comercialização.
Há uma diferença na concorrência dos produtos importados face aos produtos nacionais e quer-se que os produtos nacionais não tenham vantagem face aos produtos importados.
Aceita-se uma diferença, não uma estrita igualdade desde que a vantagem seja atribuída aos produtos importados.
Art. 2 º - Admite-se um tratamento favorável nunca menos favorável do que o que é dado aos produtos importados. Não admite discriminação dos produtos importados, admite sim uma discriminação positiva dos produtos importados face aos nacionais.
Permite um maior desenvolvimento do comércio e abaixamento das taxas aduaneiras.

Associado ao Princípio da Protecção Aduaneira, aparece a definição dada no Art. 11º, chamada eliminação geral das restrições quantitativas.
Ex.: Num determinado Estado não entram mais do que 100 toneladas de batatas ou 100 mil Euros. Isto são restrições quantitativas (não são aceites). É regulado pelo Art. 11º “(...) não se aceitam quaisquer restrições ou imposições (...)”.
Esta disposição abre o caminho ao entendimento de que dentro desta categoria das restrições quantitativas há outros elementos (termos genéricos) de proibições ou de restrições impostas por qualquer outro processo.
Tenta-se impedir os Estados de adoptarem quaisquer outros mecanismos proteccionistas de cariz quantitativo.
Os mecanismos de protecção quantitativos são mecanismos de fácil utilização pelo Estado porque fazem-no de forma bastante rápida, porque de forma imediata conseguem abrir ou fechar fronteiras a determinados produtos.


Excepções às restrições do tipo qualitativo:

Ao longo do GATT temos um conjunto de excepções que vai permitir afastar o Princípio da Cláusula da Nação Mais Favorecida; Princípio do Tratamento Nacional e o Princípio dos Mecanismos do GATT.

Excepções Específicas – (Art. XI) da Protecção Aduaneira Exclusiva
Excepções Gerais – Aplicadas a todo o sistema.

Excepções Específicas ao Princípio da Protecção Aduaneira Exclusiva (Art. XI)
No Art.º II , temos um conjunto de excepções que admitem que os Estados imponham restrições quantitativas, nomeadamente:
- Relativas a casos graves de escassez;
- Controlo de qualidade;
- Para produtos relativos à agricultura e à pesca.

Este diploma não segue a sistemática nacional, há que ler atentamente as disposições, que devem ser anotadas, até mesmo para os exames orais, não há tempo para as ler e para as responder.

Art. XII – Excepções (Balança Pagamentos)
Admitem restrições quantitativas

As restrições devem obedecer a quatro critérios:
- Necessidade ( al. a) n.º 2 )
- Relativas ao lapso de tempo em que é admissível a utilização desta excepção ( al. b) n.º 2 )
- Proporcionalidade e Racionalidade (alíneas a) e c) do n.º 3 )
- Transparência (n.º3)

Se há um determinado problema na balança de pagamentos de um país, pode-se reduzir o valor de mercadorias mas essas restrições não podem ir além do necessário. Durante o período de tempo considerado necessário e não mais do que esse período de tempo. Terá de ser aplicada a produtos de forma razoável face ao problema que subsiste.
Os problemas de transparência faz com que os Estados tenham de dar conhecimento deste tipo de restrições.

Além desta excepção, há também algumas genéricas em relação aos países em desenvolvimento.

Na Cláusula da Nação Mais Favorecida:
Excepções: Relativa a preferências históricas e a países vizinhos.


Aula teórica de 16 Abril 2007:

Antes da Páscoa falámos do sistema da OMC, e designadamente do GATT. Falámos do princípio da protecção aduaneira exclusiva, e da forma como os vários ciclos negociais decorriam – pelos princípios da conciliação e do abaixamento sucessivo dos limites aduaneiros. Estamos aqui perante um acordo que visava a proibição de obstáculos ao comércio internacional, salientando-se que os únicos aceitáveis seriam os respeitantes às tarifas aduaneiras, procurando-se cada vez mais restringir os obstáculos aduaneiros. Para tal criaram-se ciclos negociais trienais (art.º 28.º), não se admitindo que as condições existentes se tornem mais onerosas, daí falar-se do princípio da consolidação, no sentido de que há um limite máximo que está garantido – os obstáculos existentes a uma determinada data – pretendendo-se o abaixamento progressivo dessas restrições ao comércio. E assim que funcionarão os ciclos negociais. Depois falámos do princípio mais emblemático do GATT – a cláusula da nação mais favorecida –, e depois falámos do princípio do tratamento nacional, englobando-se tudo isto no que se conhece como afloramento do princípio da não exclusão. Ambos os princípios pretendem impor uma igualdade, mas uma igualdade com determinadas características. Relativamente à cláusula da nação mais favorecida, ela vem prevista no art.º 1.º, e reforça ainda mais a o carácter primordial desta disposição para a conclusão do acordo, prosseguindo os objectivos do GATT, designadamente o abaixamento sucessivo das barreiras aduaneiras. Assim, as vantagens dadas a um parceiro são automaticamente extensivas a todos os outros. Assim, não é necessário convenção bilateral atrás de convenção bilateral, nem convenções relativas a produtos e produtos e produtos. Assim, se o estado da Mentirlândia (oh não!) tiver condições mais vantajosas para A do que para B ou C, ele vai ter que automaticamente estende-las ao A, B, C, D, E; F; G; H; I, etc. Considera-se ainda que deve haver uma certa reciprocidade – se se dá umas determinadas condições a um parceiro, esse parceiro deve fornecer condições idênticas, ou pelo menos com a mesma taxa de esforço. A cláusula da nação mais favorecida vai permitir um alargamento das condições favoráveis existentes

A cláusula, ou o princípio, do tratamento nacional, que vem prevista no art.º 3.º, vai funcionar relativamente a outro tipo de situações, situações que dizem respeito a uma comparação (já que estamos no domínio da não-discriminação). Se, na cláusula da nação mais favorecida, se comparam as condições que A oferece a B, C, D, ou E, quando falámos da cláusula do tratamento nacional estamos a considerar a relação entre A e B, exportador e importador. Neste caso não vamos atender ao produto exportado e importado, mas sim apenas o produto importado. A comparação aqui é feita com os produtos nacionais, comparando as condições que um determinado Estado (note-se que o GATT não bule com privados, mas apenas com Estados) oferece às entidades nacionais face às condições que oferece às entidades dos outros estados. Assim, o país da Mentirlândia (pois...) terá que oferecer aos produtores de batata-doce dos diversos países condições pelo menos tão favoráveis quanto as que oferece aos produtores do seu próprio país. Aqui não se exige igualdade estrita, mas sim uma equivalência tanto quanto possível. Por vezes, torna-se difícil perceber se estamos perante regras relativas ao tratamento nacional ou a outras regras do Gatt, sobretudo se falarmos de restrições quantitativas. Esta distinção pode ser relevante porque depois a nível de excepções vamos aplicar condições diferentes se estivermos perante uma restrição quantitativa ou se estivermos perante um impedimento do princípio do tratamento nacional.

Ainda na última aula, vimos, como decorrente do princípio da protecção aduaneira exclusiva, que se proibiam as restrições quantitativas (art.º 11.º), que não é muitas vezes identificada pelos alunos.
Temos depois um outro conjunto de princípios no GATT. O primeiro é o do GATT escondido com rabo de fora, o segundo e o do GATT escaldado da água fria tem medo, e ainda o princípio do GATT que tem sete vidas. Ora os princípios do GATT verdadeiros, os que vimos, têm excepções, que na maior parte dos casos vêm previstas nas próprias disposições. Temos então depois as excepções, tanto as específicas como gerais, que são tão amplas que muitas vezes se tornam quase regra, o que torna o sistema difícil de gerir. Dentro deste grupo de excepções, apesar de não serem tratadas como tal, surgem as chamadas medidas de defesa comercial. É disto que falaremos agora, e depois abordaremos o que a doutrina chama verdadeiras excepções gerais aos princípios do GATT.

As medidas de que falamos vêm previstas na cláusula VI e no art.º 19.º. Estamos a falar dos direitos anti-dumping e da cláusula de salvaguarda. Lá em cima, onde estava cláusula VI, é art.º 6.º. Por direitos anti-dumping, como o nome indica, entendem-se direitos que se prendem com a prática de dumping, sendo certo que aqui o acordo não se vai preocupar com a existência do dumping em si mesmo, mas sim com os efeitos que essas práticas podem ter numa determinada parte contratante, dando-nos depois o remédio que essa parte pode utilizar. Este artigo vem pois regular a reacção que uma parte pode ter face a outra que pratique o dumping. Consideramos aqui de forma genérica que o dumping resulta da imposição ou da prática de preços inferiores ao seu custo normal. O próprio art.º 6.º dá-nos algumas pistas de como encontrar este valor normal do produto, que pode ser aferido tendo em conta o valor utilizado no mercado interno ou os preços similares praticados noutros países. Para além da existência de dumping, exige-se, para o funcionamento destes direitos anti-dumping, que exista um prejuízo importante. Aqui qualifica-se o prejuízo, no sentido de se requerer uma maior exigência relativamente a este prejuízo para se poder accionar o direito anti-dumping. Por exemplo, tem que existir um prejuízo importante numa produção já existente (ananás dos Açores) ou que possa vir a existir no país (abacate do Minho). Esse prejuízo tem que ser relevante, mensurável e que decorra da prática de dumping. Se o prejuízo decorrer ainda de outros factores, aqui só se vai apurar que parte do prejuízo decorre do dumping. Este prejuízo pode ser um prejuízo efectivo ou potencial. Não se exige que este exercício seja sempre feito a posteriori. Como referimos, há que apurar o nexo de causalidade, em termos de dumping/prejuízo, e havendo outros elementos que concorram para o prejuízo nós isolamos o dumping e pronto, é ele que conta. Os direitos anti-dumping são no fundo direitos compensadores, que são aplicáveis aos produtos, aos bens que foram objecto de dumping, e que pretendem repor o seu valor normal, ou o que se considera ser o seu valor normal. Os direitos anti-dumping não podem assim surgir com efeitos sancionatórios relativamente a uma determinada parte contratante. Se houver dumping, e apurado o prejuízo, o Estado "prejudicado" pode impor a este produto uma taxa adicional que permita repor a situação que se verificaria se não houvesse dumping. Apesar de continuarem a ser vistas como práticas ilegais, cada vez as práticas de dumping são menos mal vistas nos mercados, tanto nacional como internacional - a fábrica de chaves que muda de imagem, a pastelaria que muda de dono, a ourivesaria que passa a ser papelaria, etc. Mas isto é o dumping aceitável, digamos assim. Ao nível do GATT; não é distinguido entre este dumping mais aceitável e o dumping predatório, ou seja, o dumping que quer prejudicar a concorrência. Assim sendo, e se o prejuízo for considerável e imputável ao dumping, o Estado afectado tem a possibilidade de impor estes direitos anti-dumping. No art.º 6.º surgem também os chamados direitos compensatórios. Estes direitos compensatórios distinguem-se dos direitos anti-dumping porque visam anular os subsídios ou prémios atribuídos a um determinado produto de forma directa ou indirecta. Aqui está uma vez mais em causa uma discrepância entre o valor normal do produto e o valor com que esse produto aparece no mercado, sendo que neste caso a origem desta discrepância resulta de um prémio ou de um subsídio que tenha sido atribuído ao produto. Nesta situação, admite-se também que sejam impostos direitos compensatórios para anular esta diferença, nas mesmas condições ou em condições idênticas àquelas em que é admissível a existência de direitos anti-dumping.

A outra medida de defesa comercial diz respeito à cláusula de salvaguarda, que vem prevista no art.º 19.º. Estamos aqui novamente perante situações que são consideradas como comportamentos admissíveis por parte das partes, como a imposição de direitos anti-dumping, etc. A cláusula de salvaguarda, como se pode ver pelo art.º 19.º, é uma cláusula que no seu corpo tem duas condições, surgindo depois uma série de condições previstas nas alíneas que permitem que uma parte suspenda um acordo se essas alíneas se verificarem. Por exemplo, no mercado das gomas, se se verificar (vá-se lá saber como) que se verificam problemas de saúde oral infantil por excesso de consumo de gomas, então vamos a isto que amanhã não há. Exige-se também aqui que haja um prejuízo grave que possa afectar um produto nacional ou similares, exige-se uma situação de crise. O funcionamento desta cláusula de salvaguarda é bastante diferente do que vimos no art.º 6.º. No art.º 6.º parte-se do princípio que uma das partes actuou de forma ilegítima – uma das partes joga com um valor que não é o valor normal. Isso não se passa quando falamos da cláusula de salvaguarda. Essa cláusula está ligada a condições intrínsecas do país importador. Se nos direitos anti-dumping estamos perante uma reacção discriminatória, na cláusula de salvaguarda não temos essa possibilidade de discriminação, apesar de muitas vezes a crise ou o prejuízo poder resultar da importação de um determinado país, não se admite aqui essa discriminação, tem que haver uma prática não-discriminatória. Por outro lado, tem que resultar dos compromissos assumidos no âmbito do GATT, e o que está aqui em causa é o crescimento inesperado e exponencial das importações que afectem uma determinada produção. A dificuldade aqui vai resultar de estarmos a verificar como é que os compromissos adoptados resultaram nesse efeito de crise quanto a um determinado problema. O funcionamento da cláusula de salvaguarda, por ser diferente ao dos direitos anti-dumping, e designadamente por o motivo subjacente não resultar de uma prática ilícita de um dos Estados, pressupõe que haja negociações entre as partes para tentarem ao menos chegar a um acordo. O que vai aqui importar é saber se de um compromisso resulta um prejuízo, e se sim estabelecem-se negociações, que podem até implicar a retirada do compromisso.

Aula teórica de 20 Abril 2007:

Vamos continuar com a matéria do sistema OMC-GATT. Na aula passada falámos dos sistemas de medidas de defesa comercial, e dos arts. 3.º e 19.º do GATT. Estas matérias aparecem designadas na doutrina como medidas de defesa comercial, e só depois a doutrina trata das excepções, mas não obstante elas vão funcionar como medidas que permitem a adopção de comportamentos que de outra forma não seriam possíveis no âmbito do GATT.

Quanto a estas uniões aduaneiras, falaremos de quatro aspectos;

4. Dicotomia multilateralismo vs. ...

O art.º 24.º fala-nos de dois tipos de modelos de integração económica: zonas de comércio livre e uniões aduaneiras. As zonas de comércio livre são formas de integração económica mais rudimentares do que as uniões aduaneiras, estando apenas em causa os produtos originários de cada uma das partes que faz parte da zona de comércio livre, e por outro lado não se constituíam partes.
Quanto aos direitos anti-dumping, falámos de cinco pontos: noção, prejuízo, direitos em si (como é que se impõem) e direitos compensatórios. Quanto à noção, falámos da noção de dumping, noção que utilizámos para chegar ao cerne da questão, e da forma como os direitos visam neutralizar o dumping existente. Dumping será o facto de os produtos chegarem a um determinado mercado a preços inferiores ao seu valor normal – com a dificuldade de determinar o que é o valor normal, dificuldade que pode ser vencida pela apreciação tanto do preço do produto no mercado interno, como do preço utilizado noutros mercados. Referimos ainda que para a existência destes direitos anti-dumping não basta que haja dumping, exigindo-se um prejuízo efectivo ou previsível, e proveniente desse dumping. Este teste do prejuízo é um teste que por vezes pode ser um pouco complicado ou mais difícil, uma vez que se exige aqui a existência de um nexo de causalidade entre o prejuízo e o dumping – o prejuízo que um determinado ramo de produção tem num país tem que resultar da prática de dumping. O que é facto é que geralmente, quando existem estas situações, elas são potenciadas por uma crise generalizada e não por dumping propriamente. Aqui é necessário então, para estabelecer este nexo de causalidade, determinar especificamente qual é o montante do prejuízo que resulta da prática de dumping. É relativamente a esse país que pratica esse dumping que se admite que sejam impostos direitos anti-dumping. Estes direitos anti-dumping são a possibilidade que a parte afectada tem de cobrar, sobre produto em causa, um terminado direito ou montante, que anule o dumping. Temos logo aqui um limite – o próprio dumping; temos outro limite – a existência de prejuízo, que pode nem sequer ser relevante face ao montante total do dumping. Ou seja: o direito anti-dumnping não pode nunca funcionar aqui com um efeito culminatório, e para além deste mero efeito de anular este prejuízo que resulta do dumping. Ou seja, não se quer anular o dumping mas o prejuízo que resulta desse dito dumping. Quanto a estes direitos anti-dumping, e vistos os limites, referimos o facto de se tratar de um comportamento por parte do Estado que tem um direito anti-dumping, que adopta um comportamento discriminatório. Admite-se pois que um estado, relativamente ao mesmo produto, trate de forma discriminatória os estados que façam dumping que lhe cause prejuízo. O art.º 6.º, no seu nº 3, admite os chamados direitos compensatórios, distinguindo-os dos direitos anti-dumping por considerar que na origem dos direitos compensatórios estão subsídios ou prémios que foram atribuídos a esse produto e que lhe permitem baixar o valor normal, aplicando-se depois o mesmo tipo de análise. A intenção aqui é ajudar a apurar o valor real do produto, uma vez mais.
Quanto à cláusula de salvaguarda, referimos a situação que vem prevista no art.º 19.º. Quanto a esta disposição, falámos essencialmente em sete aspectos: noção, prejuízo, consultas prévias, não-discriminação, referir-se a produtos importados, extensão e duração da cláusula de salvaguarda, e por fim na reacção das partes afectadas. Quanto à noção, esta cláusula admite que uma parte contratante suspenda ou retire um determinado compromisso adoptado em situações urgentes ou de crise. Não é pois um cenário normal, é um cenário imprevisível e que tem resultados de prejuízo para as partes afectadas. Depois vimos o prejuízo, exigindo-se aqui um prejuízo grave relativamente aos produtos nacionais similares àqueles que são importados. A crise nacional que se gera num determinado momento tem que ser uma crise que resulte dos compromissos assumidos no seio do GATT. Esta cláusula de salvaguarda o que vai admitir é a suspensão ou retirada de um compromisso assumido, sendo que esse compromisso tem que estar a provocar uma crise num determinado ramo nacional, crise que se considera que resulta desses compromissos por um lado e por outro tem que ser imprevisível (qualquer análise económica não poderia prever que por um determinado compromisso, logo, pelo aumento de importações de um determinado produto, não poderia prever que daí resultasse crise no ramo ao nível do mercado interno). Depois tratámos das consultas prévias. Nesta disposição, e ao longo de todo o GATT, há sempre um apelo a consultas, concertações, negociações. Aliás, estando perante um acordo internacional, que não resulta da imposição de órgãos legislativos, as partes devem estar na maior parte dos casos em sintonia com as opções tomadas. Assim, para a imposição destas medidas que vêm previstas na cláusula de salvaguarda, as partes devem entrar em consultas prévias, admitindo-se no entanto que em situações de grave urgência as consultas podem ser posteriores, sendo que até lá a suspensão será provisória. Estas negociações e conversações entre as partes, antes da suspensão ou retirada de uma determinada medida, visam a existência de compensações. Depois, falámos ainda da não-discriminação. Contrariamente ao que vimos nos direitos anti-dumping, aqui temos uma medida de aplicação genérica, e não especificamente apenas uma parte contratante. Esta medida aplica-se pois a todos os Estados face ao estado prejudicado. Vimos ainda que esta medida se refere a produtos importados. Depois, falámos ainda sobre o facto de esta cláusula admitir restrições. Na extensão, admitem-se restrições quer quantitativas em direitos aduaneiros, mas a extensão destas medidas tem que estar relacionada com a crise e com a necessidade de redução da crise por efeito dos compromissos assumidos e não por outros factores. Por outro lado, quanto à duração, vimos que a suspensão tem apenas efeito durante o tempo necessário para prevenir ou reparar o prejuízo em causa, não devendo ir além deste lapso de tempo. Depois, e para finalizar que já vai tarde, vimos o que diz respeito à reacção das partes afectadas. Esta possibilidade de reacção das partes afectadas não é admissível quando falámos dos direitos anti-dumping. No caso dos direitos anti-dumping, a parte que faz dumping não tem direito a compensações, digamos assim. Mas neste caso do art.º 19.º estamos perante situações de crise, não perante comportamentos de contra-partes que não se considerem legítimos. É por isso que aqui se preconizam compensações para as partes afectadas com a suspensão das medidas, e se esta compensação não for encontrada admite-se que as partes possam também elas adoptar comportamentos de retirar determinados compromissos por via a encontrarem uma situação de equilíbrio.

Relativamente às excepções, vamos falar nas excepções relativas aos países em desenvolvimento, nas relativas às restrições quantitativas, nas relativas às uniões aduaneiras, nas excepções gerais do art.º 20.º, nas excepções respeitantes à segurança do art.º 21.º, e na derrogação geral do n.º 5 do art.º 25.º. São no total seis excepções genéricas de aplicação dos princípios do GATT.

Uma das excepções mais conhecida respeita aos países em desenvolvimento, que vêm em diversos artigos do GATT, e em que se admite que estes países sejam tratados de forma diferente dos restantes. Esta foi uma situação que mereceu sempre alguma atenção por parte das entidades negociadoras, até porque em termos multilaterais este tipo de países consegue ter um peso muito baixo a nível de concertações das nações. Tem pois, para que se possam atingir certos resultados equilibrados, que se contrabalançar o peso. As regras do GATT são em regra mais vantajosas para os países que têm capacidades industriais e comerciais mais desenvolvidas. O acordo só teria a concordância dos países em desenvolvimento se lhes fosse dado "um doce", daí terem-se adoptado regras específicas para estes países que funcionam como cláusulas gerais de excepção que funcionam para estes países. Há ainda cláusulas específicas em certos princípios que permitem a aplicação das excepções a este tipo de países. Ao longo de todo o acordo, vamos tendo sempre chamadas de atenção para a possibilidade de aplicação do acordo de forma mais suave se estivermos perante estes países. Só assim se conseguiu um concerto de vontades. O grande problema que está sempre na base desta disposição diz respeito à própria determinação dos países em desenvolvimento – quantos são, quem são, que critérios se usam para os catalogar, etc. Relativamente a alguns países, colocam-se por vezes dúvidas pertinentes quanto à sua qualificação como "país em desenvolvimento". Eles como que se auto-elegem, e os outros países dirão se aceitam ou não.

Voltemos só um pouco às restrições quantitativas. A disposição sobre a restrição quantitativa surge no art.º 11.º, e é a partir daí que se fala da restrição aduaneira exclusiva – o GATT só admite restrições aduaneiras. As restrições quantitativas são admitidas em determinadas circunstâncias (vide art.º 19.º). No entanto de forma global, fala-se deste art.º 121.º, e ainda dos arts. 12.º e 13.º, admitindo-se a imposição de determinadas restritivas quantitativas em certas circunstâncias. É bastante mais difícil conseguir o efeito de vedação de mercado por via de obstáculos que criem ou mantenham barreiras aduaneiras, etc.

Depois, no art.º 24.º, temos uma excepção que se prende com a existência de uniões aduaneiras, e que é especialmente importante para nós, que vivemos integrados numa dessas excepções por pertencermos à União Europeia. Este art.º 24.º cria também um certo equilíbrio entre duas teorias que se têm confrontado ciclicamente a nível...
Na união aduaneira, tal como na zona de comércio livre, contam os produtos internos, mas aqui também contam os externos. Como na zona de comércio livre, removem-se os obstáculos, mas mais do que isso numa união aduaneira estabelecem-se pautas aduaneiras comuns face a países externos.

E em que termos é que se admite no GATT a existência destas zonas de discriminação relativamente ao sistema multilateral? O que nos diz esta disposição é que uma das preocupações é desde logo com os países externos à união aduaneira e à zona de comércio livre. Não pode haver qualquer tipo de agravamento das relações com estes países por via da constituição destas formas de integração. Por outro lado, a nível interno vai exigir-se que a generalidade dos produtos entre as partes seja abrangida. Esta disposição, que tem em vista que não se fomente aqui um bocadinho o shopping de regalias – três ou quatro estados entendem que têm um comércio muito favorável de um dado produto, e procurariam aí uma integração económica apenas parar esses produtos –, e diz o GATT que isso não é possível. Tem que haver aqui uma efectiva integração regional da generalidade dos produtos, pois é por essa integração que se conseguirão efeitos reais de abaixamento dos obstáculos ao comércio internacional. Os sistemas de integração regional têm-se desenvolvido ao longo de toda a existência do GATT a nível de quase todo o Mundo, e o que é facto é que todos estes sistemas acabam por ter tido efeitos benéficos a nível do comércio internacional.

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